Podemos dizer, com propriedade, que fomos assaltados por esta pandemia, que nos levou ao isolamento social e à quarentena e a um estado declarado de emergência. Sem qualquer antecipação ou preparação psicológica para tal, vemo-nos assustados e amedrontados com a ideia de termos de nos confinar ao espaço da casa.

Vindo de muito longe, o medo chegou até nós e o fantasma da aniquilação de nós mesmos invadiu-nos em jeito de assombração. O fantasma horrífico de um prenúncio de perigo e terror. Como se assistíssemos à transposição do guião de um filme de ficção científica para a realidade do nosso dia-a-dia. A angústia de destruição e morte ressoa inevitavelmente em todos nós.

Face à situação de trauma, cada um lida como pode. Uns negam a realidade inesperada, outros apavoram-se e petrificam, outros escondem-se, outros avançam e enfrentam “o bicho”, e ainda outros, gozam, fazendo bazófia, rindo para não chorar, como diz o ditado.

As fases do trauma, que vão desde a primeira reação ao choque, da manifestação de sintomas até à fase de recuperação, são acompanhadas por vários sentimentos. Num primeiro momento, é comum surgirem algumas dificuldades em aceitar a realidade, pensamentos confusos, sentimentos de medo e tristeza, mudanças de humor repentinas, preocupações com a segurança, maiores níveis de ansiedade e irritabilidade, somatizações, perturbação do sono com eventuais períodos de insónia e pesadelos.

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Cada indivíduo, de acordo com o seu próprio funcionamento psíquico, debate-se com os seus fantasmas, agora emergentes com maior evidência perante a situação de crise e um decorrente estado de pânico. Quem tendencialmente é desconfiado, imagina o pior cenário catastrófico e sente que tudo à sua volta é uma ameaça e motivo de perigo iminente para a sua saúde, num tom paranoide aguçado. Quem tem tendência para sofrer de alguma angústia hipocondríaca, lê todos os sinais do seu corpo como sinónimo de já estar potencialmente infetado. Quem tem um modo de estar mais ansioso e tendência para somatizar, poderá sentir dores no peito, faltas de ar, dores de barriga, diversas traduções físicas da sua angústia interna vivida. Quem predominantemente assume um modo de pensar muito racional, procura a informação a todo o tempo, acompanhando massivamente todas as notícias e desejando acumular mais e mais saber para compreender o fenómeno.

Todavia, realce-se que, num segundo momento, ultrapassado o choque imediato, organizam-se felizmente mecanismos defensivos para fazer face aos medonhos fantasmas com que cada um se debate num esforço para não colapsar psiquicamente. E, assim, os fantasmas que fazem temer e as fantasias de o próprio e/ou os seus próximos poderem ser engolidos pelo vírus vão-se atenuando. Passa-se a conciliar a prudência com a intermitente tranquilidade desejável para manter a nossa saúde mental no meio deste contexto tão difícil para todos.

Combatendo os nossos fantasmas interiores agiremos de forma adequada à realidade, de modo preventivo e consonante com os cuidados a ter connosco e com a saúde pública em geral. Vamos aprender a lidar com as piores notícias, endureceremos a nossa capacidade de resiliência e poderemos então vislumbrar um futuro próximo melhor. Mesmo sendo esta uma situação traumática partilhada por (e entre) todos nós, é certo que vamos sair mais fortes e disponíveis para apreciar e valorizar as rotinas que serão, por fim, retomadas!