Em 1945, o fascismo foi vencido. O preço foi enorme: a Europa estava em ruínas e os seus habitantes derrotados, desmoralizados e esfomeados, vencedores incluídos. Nesta situação desesperada, os Aliados incumbiram a recuperação económica aos governos locais. As poupanças não eram suficientes, a destruição era avultada. Foi essencialmente a riqueza do contribuinte norte-americano, canalizada através das autoridades (americanas e europeias), a que chegou às populações locais. Enquanto o papel do Estado consistiu em reabrir estradas, reconstruir pontes e recolocar caminhos de ferro, não foi complicado planificar a economia. Quando, em 1947, a fome voltou, os contribuintes americanos foram uma vez mais chamados a garantir o crédito dos europeus. Não é, por isso, surpreendente, que a população europeia do pós-guerra tenha depositado a sua fé no Estado e na sua planificação, que era, nada mais nada menos, que a planificação fascista de antes da guerra.
No fundo, o fascismo era a única opção socialista em cima da mesa. A versão leninista-estalinista do socialismo, com a colectivização forçada e os planos quinquenais, não teve influência na governação dos Estados europeus. Nem sequer no Leste, antes de Moscovo assaltar o poder, no final da década de quarenta. Por toda a Europa, depois das inevitáveis purgas, praticamente todos os “colaboracionistas” (funcionários, administradores, juízes, professores, médicos, etc,) voltaram aos seus postos no aparelho do Estado. Depois de duas décadas de poder em Itália e mais de uma nas outras ditaduras, não havia outros. Imagine-se a dificuldade em encontrar quadros e profissionais que não tivessem pertencido ao partido do poder ou, pelo menos, simpatizado com ele. Mesmo nas democracias (França, Bélgica, Holanda, ou Checoslováquia), durante os cinco ou seis anos de ocupação, os funcionários locais geriram economias planificadas. Quem, senão, foi o braço executor das políticas governamentais depois da guerra? Isto para não falar da experiência planificadora da própria guerra. Quando falamos de planificação estatal na Europa do pós-guerra estamos, na verdade, a falar de planificação fascista. Só os países de Leste acabaram por abraçar a planificação comunista. Melhor dito: foram abraçados por ela. Em nenhum sítio, nem mesmo na Checoslováquia (onde foi por pouco), os comunistas ganharam sozinhos umas eleições livres.
Quando a velha ordem democrática liberal foi restabelecida, o liberalismo já estava morto. Os americanos insistiram em eleições e a Igreja Católica aceitou o repto, patrocinando os partidos democratas-cristãos. Os partidos políticos, esses, organizaram-se em torno de velhos liberais, como Adenauer, Churchill, Blum, ou De Gaspieri. Eram homens nascidos noutro século, insuspeitos de simpatias fascistas, mas que lideravam hordas de jovens planificadores sem grande empatia pelo liberalismo dos seus maiores. A democracia salvou as aparências. Era o grande atestado de não-fascismo dos novos regimes. As opções políticas com chances de vitória nas urnas eram, essencialmente, duas: sociais-democratas à esquerda e democratas-cristãos à direita. Curiosamente, os resultados eleitorais seguiram, grosso modo, as velhas linhas divisórias do Tratado de Vestfália: os democratas-cristãos venceram nos países católicos e os sociais-democratas nos protestantes. Ambos, esquerda e direita, protestantes e católicos, brandindo os tais programas de planificação centralizada a que o eleitorado se acostumou antes da guerra. As diferenças eram tão ténues, que o paradigma do Estado do Bem-Estar, o modelo austro-escandinavo, foi implementado na Escandinávia por sociais-democratas e na Áustria por democratas-cristãos. Ambos com mais esqueletos fascistas na administração do que gostariam de admitir.
A outra alternativa eram as velhas frentes populares de esquerda, de socialistas e comunistas, que concorreram a eleições com possibilidades de vitória em Itália, França e na esfera de influência soviética. A Leste ganharam, em Itália não, em França em minoria. No entanto, por ordem de Moscovo, os comunistas nos governos de Leste começaram a minar por dentro essas frentes populares e a meter na prisão (e no cemitério) os seus velhos companheiros. À medida que os golpes de Estado implantavam o comunismo na Europa Central, era cada vez mais claro para os partidos socialistas ocidentais que os comunistas eram parentes perigosos. O cisma foi inevitável, os socialistas passaram a apresentar-se sozinhos a eleições. A partir da década de 80, quando finalmente começaram a ganhar, decidiram, também eles, refugiar-se no intervencionismo fascista: Miterrand, Craxi, González, Soares e Papandreou, de quem se esperavam revoluções quando eleitos, rapidamente meteram o socialismo na gaveta. Os partidos socialistas converteram-se na primeira barreira contra o comunismo na Europa Ocidental. A amnésia de uns europeus que preferiam olhar para o futuro fez o resto. No processo, as pessoas foram convenientemente esquecendo que o fascismo era o Estado intervencionista.
Na vertente económica, a principal diferença entre as duas planificações socialistas, a fascista e a comunista, era a obsessão comunista com quotas de produção. Os fascistas perceberam o fracasso soviético. Criaram grandes empresas públicas, mas grande parte da economia era gerida indirectamente, através de agências de supervisão e intervenção. Depois da guerra, o ímpeto planificador e intervencionista ganhou alento, embora com diferentes matizes: a França, mais influenciada por socialistas e comunistas, nacionalizou as principais indústrias, a Alemanha deixou a produção essencialmente em mãos privadas e o Reino Unido, que chegou tarde à febre planificadora através do governo trabalhista, foi o que mais se aproximou da planificação soviética. Como consequência, ali, o racionamento durou até meados da década de 50 para muitos bens essenciais. Regra geral, em todos os países foram criadas instituições públicas para supervisionar a relação entre os agentes económicos, impondo obrigações aos empregadores na relação com os seus empregados, em moldes similares aos que defendia o sindicalismo fascista: monopólios públicos, políticas de pleno emprego, salários inter-profissionais, seguros de acidentes de trabalho, lugares nos conselhos de administração para sindicatos, acordos públicos para a constituição das administrações nas principais empresas, legislação de segurança no trabalho, agências governamentais para o fomento de determinados sectores ou indústrias, orientação do sector bancário para o financiamento preferencial de determinados projectos sociais ou industriais, subsídios, controlos de preços, etc.. Em resumo: toda a parafernália de intervencionismo estatal moderno, cuja origem ficou escondida atrás de uma cortina corrida pela guerra e a necessidade de esquecer a sua origem essencialmente fascista.
Além da planificação económica em moldes distintamente fascistas, todos os governos do pós-guerra abraçaram sem reservas a planificação social. O assistencialismo, cerne do chamado Estado-Social, estendeu-se a todos os aspectos da vida em comum. O modelo nunca verdadeiramente assumido, foi a Alemanha Nazi, o governo que erigiu a maior rede social alguma vez vista, virtualmente amparando os cidadãos do berço à cova. Ironicamente, grande parte da preocupação com a saúde, a educação e a cultura dos cidadãos, resultou da necessidade nazi em afirmar a superioridade racial alemã. Os comunistas nunca tiveram essa preocupação. As revoluções russas encerraram uma promessa de bem-estar material para todos, mas os revolucionários definiram esse bem-estar como uma afluência de bens de consumo (que nunca chegou). A ideia era que, com o aumento da produção de bens, o Estado ia poder redistribuir mais riqueza. Os bolcheviques sacrificaram o bem-estar da população – restringindo inclusivamente a alimentação – com o objectivo de dotar o país dos bens de capital que, julgavam, lhes permitiria equiparar-se às nações “capitalistas” em produção. A partir de 1945, não houve país na Europa que não começasse a desenvolver de forma sistematizada programas sociais “à alemã”: serviços de educação, saúde, pensões, habitação, transporte e cultura fornecidos directamente pelo Estado (ou por um sistema privado financiado compulsivamente) invadiram o quotidiano europeu de uma maneira, que nem os fascistas conseguiram lograr, mas cuja semente indubitavelmente colocaram. A partir dos anos 50, os países de Leste perceberam que tinham que seguir esse caminho para manter as populações contentes, mas nunca conseguiram criar riqueza suficiente para implementar sistemas com tanto alcance como os ocidentais.
A partir de finais da década de 60, os intelectuais marxistas a Ocidente, confrontados com a falência definitiva do modelo soviético em Praga, deixaram de se interessar tanto pelos escritos da madurez do autor – o Marx materialista – para redescobrir os escritos da juventude – o Marx idealista, o Marx hegeliano, romântico, alemão. Com a manifesta insustentabilidade de um Estado do Bem-Estar cada vez mais caro, mesmo para as carteiras dos ocidentais, e o inevitável surgimento da inflacção e do desemprego, fruto das políticas keynesianas, alguns intelectuais das gerações nascidas no pós-guerra começaram a denunciar, com algum sucesso, uma certa hipocrisia nos seus maiores, que condenavam o fascismo, mas tinham colaborado activa ou passivamente (para as novas gerações a distinção não é tão relevante) sem uma “autocrítica” nem expurgar a sua influência cultural. Muitos decidem que a violência é a melhor forma de provocar uma catarse na sociedade. Surgem na Europa vários grupos terroristas de esquerda como as Brigate Rosse em Itália, o Baader-Meinhof na Alemanha, o Provisional IRA na Irlanda, ou a ETA em Espanha. A componente nacionalista nestes grupos é evidente. Estas organizações revoltavam-se contra o fascismo dos seus governos, ao mesmo tempo que defendiam a expansão dos amplos programas sociais e laborais dos mesmos, sem querer perceber que formavam parte de um todo cimentado na tal hipocrisia que queriam eliminar da sociedade. Não eram conscientes que ao rejeitar o modelo soviético, abraçavam o socialismo fascista. O objectivo era que os cidadãos tomassem consciência da violência latente na sociedade em que viviam quando as forças do Estado reprimissem estes movimentos, mas o plano saiu furado. A generalidade da sociedade rejeitou os seus meios e quando chegou o momento da confrontação aberta, nem os partidos comunistas tradicionais os apoiaram, preferindo colocar-se ao lado das forças democráticas, por muito fascistas que lhes parecessem.
A violência continua a ser um meio de intimidação legítima para estes grupos, mas as operações terroristas já não. Tornou-se evidente para os grupos marxistas radicais, como para Hitler ou Mussolini, que o caminho para o poder era o das urnas. A violência fascista tem de esperar a conquista do monopólio da mesma. Depois do fracasso no controlo de meios de produção dos marxistas-leninistas, os novos marxistas passaram a querer controlar as atitudes e os valores da sociedade. Com excepção do ambientalismo (que é um movimento conservador-fascista), propõem à sociedade as velhas aspirações liberais de justiça, direitos e liberdades individuais. A sua ideologia pode ser identificada como fascismo-liberal. Ao contrário da maioria dos velhos liberais, que queriam que o Estado não interferisse, pretendem que estes valores sejam, mais que garantidos, validados pelo regime. Assim, por exemplo, não basta que os homossexuais tenham o direito a viver com quem querem, é necessário que o Estado reconheça essa união. Não chega que as mulheres não sejam proibidas de exercer determinadas profissões, é preciso que o Estado obrigue as empresas a contratá-las. Não é suficiente que os emigrantes possam trabalhar livremente num país, é fundamental que o Estado legalize a sua situação. ‘Tudo no Estado, nada contra o Estado, e nada fora do Estado”; Mussolini não diria melhor. O fascismo, que sempre esteve dormente na sociedade, afinal volta em força pela mão dos autodenominados anti-fascistas e dos idiotas úteis, que julgam que os valores liberais se podem defender através do Estado. Os bárbaros não estão às portas da cidade, estão dentro. A principal diferença, é que já não desfilam de cara ao sol e camisa bem engomada, castanha, azul ou negra.