Já tudo terá sido dito sobre a moda febril em curso de atacar estátuas que desagradam ao dogmatismo politicamente correcto. Também escrevi aqui na semana passada que o tema das estátuas, como qualquer outro numa democracia liberal, está aberto a debate público livre, mas não a violência nem vandalismo. As leis que garantem a liberdade de expressão são as mesmas que protegem a vida, a liberdade e a propriedade, pública ou privada, contra a agressão e a violência.
A questão não reside, por isso, em declarar que as estátuas existentes em dado momento têm de ficar para sempre — numa democracia liberal todas as decisões passadas podem ser revistas por processos de decisão livres, pacíficos e democráticos. Nesse debate, enfrentam-se civilizadamente posições diferentes, umas vezes ganhando umas, outras vezes ganhando outras. E o debate continua, podendo amanhã ganhar as que perderam ontem. (Por este motivo, o bom senso do eleitorado central certamente recomendará que não se mudem estátuas dia-sim-dia-não; poderia por isso ser sensato requerer maiorias qualificadas, em vez de simples, para decisões sobre estátuas — mas ao eleitorado ou aos seus representantes caberá decidir).
Vem isto de novo a propósito de alguns activistas londrinos contra a estátua de Churchill terem começado a defender a construção de uma estátua de Clement Attlee — o líder trabalhista que foi Vice-Primeiro-Ministro de Churchill durante a guerra, que a seguir venceu as eleições contra Churchill e liderou em seguida um vasto programa de reformas de inspiração socialista democrática (trabalhista, na designação britânica).
Quando li a notícia, achei uma boa ideia. Tendo lido recentemente o excelente livro de Leo McKinstry sobre Attlee and Churchill: Allies in War, Adversaries in Peace (Atlantic Books, 2019), confirmei e consolidei a minha profunda admiração por Attlee e a geração anti-fascista e anti-comunista do Labour Party daquela época.
Mas o autor deste livro, Leo McKinstry, acaba de publicar um artigo na Spectator de 20 de Junho explicando que Attlee também não passaria o teste do dogmatismo politicamente correcto. Também ele defendeu o bombardeamento de cidades alemãs durante a guerra, também ele inicialmente resistiu a conceder independência à Índia e, sobretudo, também ele foi um estoico anti-comunista após a guerra.
Ao ler este artigo, ocorreu-me uma proposta adicional: poderia também ser erigida uma estátua de Ernest Bevin, líder sindical trabalhista que foi Ministro do Trabalho no governo de coligação durante a guerra e a seguir Ministro dos Negócios Estrangeiros de Clement Attlee — tendo enfrentado a URSS de Stalin, apoiado a criação da NATO e da força nuclear britânica. Acaba aliás de ser publicado uma excelente biografia de Bevin, intitulada Ernest Bevin: Labour’s Churchill (Biteback, 2020). O autor é Andrew Adonis, que foi Assessor e depois Ministro do Primeiro-Ministro trabalhista Tony Blair.
A mensagem deste livro de Adonis é bastante clara: o Partido Trabalhista, que acaba de perder quatro eleições gerais consecutivas, a última das quais com uma derrota histórica, precisa de voltar a ser o partido que era no tempo de Attlee e Bevin: patriótico, enraizado juntos dos seus eleitores e das suas preocupações, não refém de minorias activistas radicais.
Em Fevereiro do ano passado, exprimi aqui a minha indignação quando John McDonnell, braço direito do então líder trabalhista Jeremy Corbyn, classificou Churchill como “vilão” (numa entrevista em que lhe deram a opção entre “herói ou vilão?”). As redes sociais (segundo me dizem, uma vez que não frequento) fervilharam então com declarações de apoio a McDonnell e de ataques a Churchill por parte de activistas radicais. O tom era semelhante ao tom dos que agora se atreveram a vandalizar directamente a estátua de Churchill.
Só que, entre os ataques verbais de McDonnell a Churchill em Fevereiro de 2019 e os ataques físicos dos activistas contra a estátua de Churchill há duas semanas, ocorreu apenas um pequeno detalhe: houve eleições em Dezembro e o Partido Trabalhista, liderado por Corbyn e McDonnell, obteve o pior resultado desde 1935. O novo líder trabalhista, Sir Keir Starmer, vem da ala moderada e ensaia um recentramento do trabalhismo britânico.
Talvez estes simples factos pudessem ajudar as lideranças de todos os partidos centrais das nossas democracias liberais: basicamente, em vez de cederem à chantagem das ululantes minorias radicais, da extrema-esquerda ou da extrema-direita, os partidos centrais devem confiar no bom senso da maioria dos eleitores. Como escreveu Douglas Murray no artigo sobre a “polémica” das estátuas que fez capa da Spectator de 13 de Junho, “as nossas figuras públicas devem redescobrir o verdadeiro espírito da liberdade.”