Aleixo e droga foram sinónimos por vários anos, e a realidade que por lá se vivia só poderia ser caracterizada como surreal. Faço parte de uma equipa de voluntários que tem como objectivo o apoio aos sem abrigo através de rondas quinzenais, distribuindo roupa, refeição e o mais importante: uma boa conversa. A primeira vez que lá fomos – pouco passava das 22h00 – o ambiente era tudo menos acolhedor. Berros, seringas, pratas queimadas, pessoas deitadas nos passeios, olhares vazios de quem se arrasta e sobrevive a uma realidade surrealista. Não importava a idade; não importava se tinham emprego ou viviam do rendimento mínimo; chegavam a pé, de bicicleta, táxi ou carro. A única coisa que lhes despertava a atenção era a droga: heroína, crack, cocaína, erva, metadona, MD (havia de tudo). Os consumidores estavam no paraíso das drogas. Era verdadeiramente impressionante o movimento àquela hora da noite naquele bairro. E era assim 24h por dia, durante anos.

Urgia tomar medidas. Diariamente morriam (lentamente) pessoas no Aleixo e estava na altura de pôr um ponto final no assunto. A urgência estava em deixar de fechar os olhos e encarar a realidade do Aleixo como um problema social, um problema que atingia todos, sem exceção. Surgiu assim a solução mais simples: ditar uma sentença de morte camarária e deitar as torres abaixo. Uma decisão prolongada no tempo e que aquando da sua execução, revelou não estar devidamente pensada/estruturada. Houve pessoas a serem realojadas poucos dias antes da demolição, e a população nómada do Aleixo (o foco do problema) que só lá ia para consumir continuou a fazê-lo a escassos metros do antigo bairro, porque os consumidores não eram os moradores, o Aleixo não era local de passagem mas sim um albergue para quem queria comprar e consumir.

Fernanda Câncio afirmou há uns meses num artigo para a TSF, que quem se move nos círculos boémios convive com aquilo a que chamamos de “droga”. Usa e abusa deste argumento para defender a luta pelo direito à utilização das drogas com dignidade. Teria o prazer de saber se a sua opinião se manteria caso trocasse os concertos e festivais “boémios”, pelo Porto dos últimos meses. Aliás, o Porto é isso mesmo nos últimos tempos – um festival. Há quem lhe chame espetáculo a céu aberto. A única coisa que se alterou é que agora é feito à frente de todos, sem qualquer pudor.

Entre a azáfama citadina da fortemente povoada cidade do Porto, no meio do stress e do trânsito caótico, surgem os autómatos (assim carinhosamente apelidados), um pouco por toda a cidade e a qualquer hora do dia, com o seu andar frenético e um olhar esbugalhado, preso num futuro de incerteza. É a imagem de um Porto actual, que acorda dia após dia com o mesmo problema: a droga.

Pessoas a injetarem-se, carros assaltados, parques infantis com seringas no chão e tendas de campismo nos jardins públicos. Enganam-se ao pensar que a destruição do maior supermercado de droga da zona Norte veio diminuir o problema. Inversamente, criou uma panóplia de novos problemas. Desde o Bairro Rainha Dona Leonor, Pinheiro Torres, Pasteleira, Lordelo, Condominhas, toda a zona dos Pinhais da Foz, do Fluvial e do Campo Alegre, há droga por todo o lado.

Se a solução passa por demolir mais bairros, corremos o risco de demolir a cidade inteira, continuando o problema por resolver. A falta de policiamento é cada vez maior e a insegurança aumenta de dia para dia. Está na altura de nos preocuparmos menos com os turistas e mais com quem é nosso.

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