Apresento oito princípios básicos do altruísmo politicamente correto que permitem atingir a excelência. De caminho, ajudam a garantir o sucesso individual na política, imprensa, meios intelectuais, académicos, artísticos e afins.

1º Princípio: filie-se no maniqueísmo militante e promova-o sempre. Basta dividir o mundo em bons (o seu lado) e maus (o dos outros). Não ceda aos que aventam que a ambivalência é o atributo fundador da sabedoria. O esforço constante para ver a coisa e o seu contrário antes de qualquer juízo faz perder tempo, não compensa, gera hesitações, paradoxos, dúvidas, cedências. Prefira sempre a inabalável convicção maniqueísta. Ornamentada pela subtileza retórica ou lírica aproxima-se da perfeição.

2º Princípio: compare sempre o lado pior do que não gosta, não lhe interessa, dos seus adversários ao lado melhor do que gosta, do que lhe interessa, dos seus próximos, de si mesmo. Não existe indivíduo, governo, partido político, ideologia, país, sistema, clube que não se vergue a esta técnica. Ela permite ter sempre razão. Destreza na arte é essencial a uma carreira pública de sucesso.

3º Princípio: mantenha sempre relações pessoais de alteridade com sentimentos de culpa. Jogue as culpas para longe de si e dos seus e elida arrependimentos ou remorsos. Recorra a álibis disponíveis no hipermercado das ideias. Prefira os infalíveis: norte-americanos, alemães da Senhora Merkel, ocidentais, ricos, poderosos, mercados financeiros, neoliberalismo. Intervale com álibis menores: juízes, polícias, árbitros. O segredo é saber que a fuga a culpas próprias gera inevitáveis efeitos tóxicos, exceto nos indivíduos reconhecidos pelos outros como líderes. Inclua-se no grupo dos exímios domadores da culpa e abra as portas ao seu sucesso.

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4º Princípio: se viver num regime legitimado por uma revolução, incuta sempre nos outros o pavor de pensar, falar ou escrever com liberdade e diversidade sobre a época anterior à revolução. Aplica-se a democracias de geração recente, mas também a teocracias islâmicas ou ditaduras. O segredo é limitar-se e impor aos outros a ideias muito claras, muito simples, rigorosamente objetivas sobre o passado. Recuse ambivalências, complexidades, incógnitas. A técnica permite estabelecer fortes empatias com a maneira de pensar da gente comum, a chave do sucesso. Defenda que o passado remoto foi muito bom ou muito mau (conforme conveniente). O tempo dos reis serve de exemplo. Depois, defenda ter existido outro passado mais próximo bonzinho que possa associar ao presente pós-revolucionário. Nunca duvide que o povo sempre foi bom, mas excecionalmente traído pela história. Para a tese ser eficaz isole o Demónio por todos os lados, transformando a época anterior à última revolução numa idade das trevas em que tudo foi mau, sempre a regredir, mais e mais opressão. Seja intransigente. Para Portugal, apresente a Primeira República (1910-1926) como democrática, justa e bondosa (e.g. época pré-colonial em Angola). A Segunda República (1926/1933-1974), de Salazar e Caetano, deve ser retratada numa única cor, a das trevas (e.g. colonização efetiva em Angola). À atual Terceira República (1974…) fica reservada a versão da gloriosa libertação do povo das trevas finalmente rumo ao paraíso (e.g. nacionalismo angolano pós-colonial). Subverta os ideais cristãos remetendo-os dos céus para a terra. Detalhe final: não hesite em detetar as raízes de males presentes e futuros nas heranças da época das trevas, vírus endémico resistente. Estudiosos com mil razões para renovar ideias feitas sobre a idade média sabem o quanto estas regras valem ouro. Popularizadas tornam-se imbatíveis por gerações.

5º Princípio: acuse sempre quem duvidar ou discordar de si de viver de mitos. A sátira, o sarcasmo ou a denúncia militantes farão de si um génio criador de mitos alternativos, ajustados ao seu sucesso. No caso-tipo, proclame que a ‘Revolução dos Cravos’ foi um primor de justiça, pacifismo, humanismo, responsabilidade cívica, libertação, ornamentados pela ‘descolonização exemplar’. Aproveite a completa submissão (islão, em árabe), radical, dos indígenas aos dogmas ‘de Abril’ e ridicularize e encolerize-se face ao mito da ‘Lisboa dos Cravos’ ter conquistado a sua paz, alegria e tranquilidade à custa de violências e guerras civis em Angola, Moçambique e Guiné-Bissau que foram amontoando milhões de cadáveres e uma destruição material sem precedentes. Insinuação que seja, à mínima propale a gravidade das heresias aclarando que os revolucionários jamais tiveram qualquer responsabilidade moral, material ou histórica na hecatombe africana. Como os demais crentes, bastar-lhe-á associar as palavras africano e morte (no sentido de ser habitual matarem-se uns aos outros) e descobrirá, no silêncio do seu íntimo, uma inabalável fé na inevitabilidade desse destino. Recorra ainda e sempre aos princípios 1, 3 e 4 deste manual: desmonte mitos jogando sempre as culpas para Salazar e Caetano. Jamais desperdice a arte de confundir o acessório com o essencial, marca do seu génio.

6º Princípio: mantenha-se sempre na tradição viva do pensamento único. As verdades seletivas ou parciais são poderosíssimas. Mesmo que essas meias-verdades conduzam a grandes mentiras, nunca será implicado em qualquer fraude. Nunca mentiu. A eficácia na arte depende da sua associação a parceiros-chave da escola do pensamento único: académicos, políticos, jornalistas, romancistas, músicos, entre outros. Eles garantem a fiabilidade do seu produto, ainda que equivalha aos das bolhas especulativas tóxicas da alta finança onde o dinheiro, mesmo sem existir, dá a ideia de circular sempre, depressa e muito. Com uma ou duas ideias, o pensamento único produz igual milagre. Exercite-se no modelo-tipo. Apresente a colonização em África como criminosa, inútil, errada, colonialista, fascista, imperialista. Carregue nos adjetivos. Os riscos são poucos, as vantagens muitas. A ‘coisa’ passou-se do outro lado do mundo. A sua freguesia dificilmente irá lá ver com os próprios olhos. Poderá ainda contar com a credulidade aos seus ilustres fiadores. Será fácil silenciar um ou outro desalinhado. O segredo está na boa gestão da informação. Saiba que este tipo de produto oscila entre um extremo negativo (escravatura, trabalho forçado, culturas obrigatórias, racismo, etc.) e um extremo positivo (introdução da ideia de estado territorial centralizado fundado na lei, da cultura escrita da qual resultou a mais sustentável renovação cultural de sempre, de um modelo de religião indissociável do pensamento abstrato, da economia de mercado monetarizada, da ideia de cidade, etc.). Aquilo que valorizar nuns (colonizadores romanos e árabes da Europa de ‘antigamente’) pode negar ostensivamente a outros (colonizadores europeus em África nos séculos XIX e XX). O senso comum, douto ou vulgar, nem repara. A chave do seu sucesso está na escolha da parte que interessar e na capacidade de obliterar a outra. Os ‘fascistas’ tentaram apagar o lado mau do Ultramar. Vingue-se suprimindo o lado bom. Ainda que o resultado seja o desvio funcional depressivo das memórias, o seu sentido de justiça nunca será questionável. Dominado o modelo-tipo, adapte-o consoante o necessário. A pobreza em Portugal é outro tema-chave. Mas invista apenas em poucos temas, os essenciais. No resto, deixe correr a liberdade e o seu verbo conquistará a glória como político, intelectual, jornalista, músico, humorista ou artes afins.

7º Princípio: recorra sempre ao anátema do ‘racismo’. Mesmo que saiba que o racismo é do tempo do nazismo (derrotado em 1945), da discriminação racial formal nos Estados Unidos da América (terminada nos anos sessenta), da colonização ultramarina europeia (terminada no último quartel do século XX), do apartheid na África do Sul (terminado nos anos noventa quando já era caso excecional) ou da guerra fria (1945/6-1991). Porém, o papão ainda faz tremer as almas da paróquia. Garanta-lhes que pouco ou nada mudou no último meio século. Aproveite para virar de pernas para o ar o ‘racismo biológico’, o do tempo de Hitler que acreditava que a degenerescência estava nos genes das raças inferiores. Remeta agora a lógica dos imutáveis maus genes para os caucasianos e infira a sua incurável patologia racial, única na espécie. O detalhe é propalar que os seus genes pessoais, e dos seus próximos, são excecionais entre a multidão imutável. Conquistará uma inabalável superioridade moral. Para isso, ignore que o termo ‘racismo’ faz tanto sentido no século XXI quanto, no século XX, ter-se continuado a chamar de ‘escravatura’ ao racismo apenas porque permaneceram características comuns entre um e outro. Confunda até ao limite das suas forças as inevitáveis relações inter-raciais (não se prevê que deixem de existir e impor desafios) com o anacrónico ‘racismo-branco-tipo-século-XX’. Explore sem remorsos a vantagem de ninguém se livrar da sua cor de pele. Quanto mais ocas de conteúdo, tanto maior o poder mágico das suas constantes acusações, denúncias, reparos. E a infinita nobreza do seu ‘antirracismo’ ecoará no século XXI.

8º Princípio: submeta-se ao dogma da bondade humana estar na razão inversa da proximidade a norte-americanos, europeus ocidentais e israelitas. O segredo é evitar ao máximo abandonar o (conforto do) maldito Ocidente, Israel incluído, para aí propalar com (segurança) coragem a sua fé. Apoie com estrondo a nobreza de atitudes e comportamentos de todos quantos vivam em conflito ou tensão permanente com os citados. Casos dos que dirigem a mãe da antiga URSS, China, Cuba, Coreia do Norte, Venezuela Chavista-Bolivariana, Palestina, Radicalismo Islâmico. Como prova de isenção, rotule frontalmente de traidores outros tantos dos muitos ex-regimes socialistas-marxistas-maoístas dispersos pelo mundo, cujos líderes cederam aos encantos do capitalismo. Tal subtileza dificultará a vida aos que são os seus mais sérios, experimentados e poderosos concorrentes.

A estupidez da humanidade desespera pelo sucesso da sua carreira.