Bob Woodward, lendário jornalista de Watergate que ajudou a expor a corrupção do Presidente Nixon, e que consequentemente viria a contribuir para a sua eventual demissão, é autor de mais de uma dezena de livros bestsellers. Notório pela qualidade da sua escrita e das suas fontes, documentou ao longo da sua carreira os mandatos de vários Presidentes, entre eles, George W. Bush, Barack Obama e Donald Trump. Woodward, publicou, no ano passado, em conjunto com Robert Costa, um livro chamado ‘Peril’, nele documentou os acontecimentos que antecederam e precederam as eleições de 2020, em que Joe Biden derrotou Donald Trump. Neste livro, conta os acontecimentos por dentro da administração Trump, bem como da chefia militar norte-americana e da campanha do Partido Democrata.

Quem já tiver lido o livro, tem conhecimento da raiva que o antigo Presidente tinha para com todos os políticos, em especial os republicanos, tanto no Congresso como nas legislaturas estaduais, que não apoiaram a sua tentativa de reverter os resultados eleitorais de 2020, que acabariam por colocar Joe Biden na Casa Branca. No decurso da invasão ao Capitólio, o líder republicano na Câmara dos Representantes, Kevin McCarthy, ligou desesperado, ao então Presidente a pedir para que este apelasse a que os invasores abandonassem de imediato a casa da Democracia norte-americana. A este apelo Trump apenas respondeu: “Talvez estas pessoas se preocupam mais com a eleição roubada, que tu.”

Na conclusão do livro, os autores não tiveram dúvidas, Trump iria mesmo voltar, não para se redimir, mas para se vingar. O trajeto político de Trump, desde que abandonou a Casa Branca, tem confirmado tal previsão, pouco ou nada esconde a sua ambição de se candidatar novamente em 2024 (se o Departamento de Justiça o permitir, isto é). No último ano, sua missão pessoal bem como a missão política do movimento que lidera, tem-se baseado em desafiar, nas primárias, todos aqueles republicanos que não apoiaram a sua causa de subverter a vontade do povo norte-americano em 2020; castigando, assim, aqueles que na sua visão distorcida da realidade não lhe foram ‘leais’, por terem preferido ser fiéis à Constituição dos Estados Unidos, a mesma que juraram proteger e defender. Isto, aliado com a realidade histórica de que o Partido do Presidente incumbente costuma passar sempre por grandes dificuldades nas eleições intercalares seguintes, aponta-nos para umas eleições em novembro que trarão, com toda a certeza, graves consequências para a democracia nos Estados Unidos. Ao que as sondagens indicam, o Partido Democrata não será exceção a esta tendência. Biden tem neste momento uma favorabilidade de pouco menos de 40%, de acordo com o FiveThirtyEight. Os preços dos combustíveis, bem como a inflação a que se vive um pouco por todo o mundo, não irão, certamente, ajudar o Partido do Presidente atual nas eleições intercalares que se aproximam.

Se apelido este artigo de ‘Ameaça Vermelha’, não o aponto por questões políticas fraturantes como são por exemplo a matéria do direito ao aborto, embora estas certamente serão parte da discussão política. Faço-o porque é uma infeliz realidade de que Donald Trump, pelo

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 menos até aos dias de hoje, continua a ter o Partido Republicano na mão. A sua influência neste Partido ao longo dos últimos anos fez com que a grande maioria dos conservadores mais tradicionais no congresso, que tentaram resistir ao seu populismo e à sua demagogia, fossem quase todos erradicados do sistema político, substituídos por candidatos mais ‘trumpistas’. A grande maioria dos restantes que antecederam a Trump e que resistem, foram forçados a alterarem radicalmente as suas posições para se manterem no poder.

Liz Cheney, representante no congresso pelo estado rural de Wyoming, foi das poucas republicanas que ao longo do período em que Trump se queixava de fraude, congratulou o vencedor e criticou o Presidente do seu Partido, sabendo as possíveis consequências que teria para si. Cheney, foi também, uma de 10 congressistas do Partido Republicano que votou favoralmente ao ‘impeachment’ do agora ex-Presidente, após os acontecimentos de 6 de janeiro (que causaram a morte de 7 pessoas); sobre os acontecimentos daquele dia, Trump diz: “O chamado ataque ao Capitólio não foi causado por mim, foi causado por uma eleição fraudulenta e roubada.” Com a saída de Trump, Cheney integrou a comissão parlamentar sobre o assalto ao capitólio e critica abertamente o ex-presidente por este ter tentado efetuar um golpe de estado.

As hipóteses de Cheney em sair vitoriosa nas primárias para o seu cargo são penosas, está atualmente a uma distância de 30% da candidata apoiada por Trump, Harriet Hageman. Ainda assim, no debate contra as suas oponentes, Cheney disse: “nunca colocarei o meu Partido acima do meu país, nem acima da minha Constituição. (…) o Partido Republicano tem uma longa história de abraçar os princípios conservadores em que tanto acredito, mas hoje estamos a abraçar um culto de personalidade, não contem comigo para isso”.

Ora, se em 2016, 2018 e 2020 os políticos republicanos tiveram que defender causas como a construção de um muro na fronteira sul do país como modo de garantir o voto ‘MAGA’, em 2022 e muito provavelmente em 2024, a grande maioria daqueles que agora visam ser eleitos pela mão daquele eleitorado irão fazê-lo defendendo que a eleição de Biden foi uma fraude e que, se tivessem estado no poder há dois anos, não a teriam certificado. Trump, que ainda detém uma gigante influência dentro do seu Partido, apenas está a apoiar candidatos que partilhem desta visão, viajando pelos Estados Unidos em comícios para manifestar apoio aos ‘seus’ candidatos.

Este exemplo, é hoje, infelizmente, uma raridade no Partido Republicano. O movimento de Trump domina por completo, salvo poucas exceções. Em sentido oposto a Liz Cheney encontramos Kari Lake, candidata a Governadora do Arizona, um estado tradicionalmente dominado pelos conservadores, que em 2020 elegeu Joe Biden. Lake declarou que se tivesse sido ela Governadora aquando desta eleição, jamais teria certificado a eleição no seu Estado. Lake disse mesmo que no seu partido, declarar que Joe Biden venceu as eleições de 2020 é ‘desclassificatório’ para vencer qualquer nomeação republicana. Como ela há centenas senão milhares iguais nos Estados Unidos que estão neste momento em campanha eleitoral para todos os cargos públicos imagináveis.

Para além daqueles que como Lake, devido a cinismo e oportunismo político, embalam neste fascismo norte-americano, muitos dos candidatos que se apresentam a eleições este ano serão inclusive alguns dos apoiantes de Trump que foram genuinamente manipulados pelo mesmo. De

 acordo com uma sondagem do YouGov, quase 70% do eleitorado Republicano acredita que Joe Biden não foi eleito de uma forma legítima. Nas eleições intercalares vão ser eleitos centenas de políticos semelhantes às polémicas, Lauren Boebart e Marjorie Taylor Greene, mas nem todos os eleitos serão tão incompetentes como estas duas. Aproxima-se a próxima geração de políticos MAGA, que desta vez serão eleitos sob uma plataforma anti-democracia e anti-constituição. No processo de certificação da eleição de Joe Biden, 147 Republicanos no Congresso votaram contra a mesma, o que acontecerá em 2024, caso o Partido Republicano saia novamente derrotado?

É de mencionar, o pequeno detalhe de que esta corrente do Partido Republicano, fiel aos princípios isolacionistas de ‘America First’ tem também votado consistentemente contra qualquer pacote de apoio para a Ucrânia, na Câmara dos Representantes. O próprio processo de alargamento da NATO, se não ficar resolvido no Congresso norte-americano até novembro, fica também em risco. Isto faz com que as eleições intercalares sejam causa de preocupação para todos aqueles que, como eu, apoiam inequivocamente a causa ucraniana.

Haverá, em novembro, centenas de eleições na América, tanto a nível federal, como estadual e, de acordo com o FiveThirtyEight, os Republicanos terão uma probabilidade de mais de 80% de reconquistar a Câmara dos Representantes, bem como uma probabilidade de quase 60% de reconquistar o Senado. Estas percentagens, bem como o controlo que Trump tem sobre o seu Partido, com a sua agenda sinistra desde que o eleitorado lhe retirou da Casa Branca, apontam para uma combinação que poderá empurrar os Estados Unidos na direção de uma crise constitucional num futuro próximo.

Em 2020, as instituições daquele país tremeram, mas resistiram. Veremos agora, como estas vão reagir à nova onda do vírus ‘trumpista’ que se encaminha. A vingança de Trump está a chegar, e para um país que vive uma polarização cultural que quase se assemelha a uma Guerra Civil Fria, receio que as eleições intercalares apenas servirão para colocar ainda mais lenha na fogueira.