O Presidente francês Emmanuel Macron gerou muita polémica quando, no regresso, esta semana, da sua viagem de três dias à China, argumentou que seria um erro a Europa deixar-se arrastar para um confronto entre os Estados Unidos e a China, numa aparente alusão à eventual invasão chinesa de Taiwan. O seu grande desejo, que também é o meu, é o de a Europa conseguir finalmente construir a sua própria autonomia estratégica e afirmar-se como um dos grandes polos neste mundo que, como sabemos, é cada vez mais multipolar. Macron argumenta que o grande risco para a Europa é o de se deixar levar em crises “que não são as nossas.”

Sem querer dar demasiada importância a uma simples entrevista, e apesar de concordar com o objetivo, há algo na génese das declarações de Macron de que eu discordo profundamente.

Em primeiro lugar, parece-me que esta posição, ainda para mais no contexto em que vivemos, é de uma enorme deslealdade para com os Estados Unidos. Os norte-americanos têm sido, de longe, quem tem dado mais apoio militar e económico à Ucrânia; reforçaram em muito a presença de tropas norte-americanas em Estados-Membros da União Europeia e membros da NATO, países que eram ex-repúblicas soviéticas, como a Estónia e a Letónia, para assegurar a sua integridade e, consequentemente, a integridade da União Europeia; ao fazê-lo, os norte-americanos estão a prevenir, através da dissuasão, um potencial confronto direto entre a Rússia e a NATO; têm ajudado os países europeus que estavam mais dependentes da Rússia a acelerar o desacoplamento das suas economias em relação a Moscovo. Perante isto, afastarmo-nos dos Estados Unidos e dizer que uma eventual crise entre Washington e Pequim nada tem a ver connosco parece-me um erro estratégico grave e uma falta de lealdade para com os nossos maiores aliados.

Convém também não esquecer o trauma que a anterior administração americana foi para a Europa e a fragilidade com que ficaremos na eventualidade de uma nova administração com ímpetos isolacionistas voltar ao poder em Washington. Dito de uma forma mais direta: se os Estados Unidos saírem da NATO, como ficará a nossa segurança? Acho pertinente relembrar que John Bolton, ex Conselheiro de Segurança Nacional de Trump, disse acreditar que o ex-Presidente e favorito à nomeação do Partido Republicano para 2024, queria mesmo tirar os Estados Unidos da NATO no seu segundo mandato. Mesmo que o antigo Presidente não volte, a hipótese de tal isolacionismo radical chegar ao poder na América no século XXI não pode, nem deve, ser excluída.

PUB • CONTINUE A LER A SEGUIR

Uma eventual postura mais neutral num cenário em que a China invada Taiwan seria um balão de oxigénio que a Europa daria às ondas isolacionistas da política norte-americana, que é uma das razões pela qual Macron considera urgente a Europa construir a sua própria autonomia estratégica. Isto traria consequências trágicas para União Europeia.

Igualmente relevante é a instabilidade e a imprevisibilidade que existe nas relações internacionais nos dias de hoje, desde a invasão russa da Ucrânia. Uma invasão chinesa de Taiwan traria consequências enormes para todo o mundo. Macron, ao querer assumir uma posição mais neutral, em vez de servir de força dissuasora, fará com que os chineses vejam menos riscos em invadir Taiwan, o que de um ponto de vista estratégico é um erro grave. Uma Europa neutral no caso da China invadir Taiwan seria um presente para a China e para a Rússia, pois seria um foco de tensão entre os Estados Unidos e a União Europeia.

Apesar de todos estes pontos, tal como o Presidente francês, também sou de opinião que a Europa devia desenvolver – de preferência depressa – a sua autonomia estratégica. Considero crucial afirmar a Europa como um polo importante num mundo cada vez mais multipolar, para não ficarmos à mercê das potências mundiais autoritárias e totalitárias. Quanto mais poder a União Europeia tiver enquanto bloco na política internacional, mais soberania terão todos os seus Estados-Membros, em particular os Estados-Membros mais pequenos, como é o caso de Portugal.

Mas, ao contrário do Presidente francês, vejo a necessidade de construirmos a nossa autonomia estratégica no mundo multipolar como uma forma de reforçar a aliança transatlântica de forma complementar e não como uma forma de nos afastarmos dela ou de a substituirmos. Devemos alcançar a autonomia estratégica não só para nos precavermos do regresso do isolacionismo norte-americano, mas para, no caso de tal regresso, a Europa ter capacidade para se manter coesa (algo que não aconteceu nos anos Trump) e ter a capacidade de defender os valores das democracias liberais, assumindo um papel de liderança, até aos Estados Unidos voltarem a sentar-se na mesa dos crescidos.