Há pouco mais de um ano, o PS de António Costa venceu as eleições com maioria absoluta. Houve vários fatores que levaram a este resultado, mas um dos que me parece indiscutível, foi o medo de que uma solução alternativa de Governo incluísse o Chega, o que levou a que muitos votassem no PS para impedir tal cenário de se realizar. Numa altura em que o Governo de Costa atravessa uma das fases mais turbulentas desde que chegou ao poder em 2015, fruto de sucessivos casos de incompetência, negligência e de abusos de poder, este cenário hipotético tem vindo novamente a assumir destaque na discussão político-partidária em Portugal.

Se a posição do PSD não deixa ninguém esclarecido, a nova Comissão Executiva da Iniciativa Liberal, liderada por Rui Rocha, tem sido bastante intransigente nesta questão: acordos com o Chega, nunca. Na convenção em que o partido de extrema-direita reconduziu André Ventura no cargo de Presidente do partido, o líder parlamentar da IL pediu, do meu ponto de vista bem, que de “uma vez por todas” se deixe de perguntar sobre possíveis acordos com o Chega, pois “há todo um mundo que nos separa”.

Para que o leitor não se deixe de enganar pelo título do artigo, a minha posição pessoal é de que os valores que o Chega defende não são só incompatíveis com os valores da IL e do PSD, como são até antagónicos. É um partido nacionalista, xenófobo, reacionário, um partido que apela ao nativismo, à ideia de que há etnias superiores a outras. Apela aos piores instintos que há na natureza humana, como forma de ganhar poder para tentar passar uma agenda sinistra para a sociedade. Sou da posição de que uma solução de Governo que inclua o Chega não só seria uma traição para os eleitorados da IL e do PSD, como seria uma receita para entregar o destino de mais uma geração de portugueses para as mãos do Partido Socialista, que governou o país em 21 dos últimos 28 anos.

A posição de Rui Rocha e da sua Comissão Executiva foi prontamente saudada por políticos do PS, como o líder parlamentar Eurico Brilhante Dias, que saudou o líder da IL por se demarcar da “extrema-direita antisistema democrático”. Eu, concordando com tal posição, não consigo deixar de apontar a incoerência e a hipocrisia vinda do Partido Socialista em relação a acordos com partidos ‘antisistema democrático’, se há partido que não só nunca se demarcou dos extremos antidemocráticos, como até lhes abriu a porta e com eles governaram durante quase 6 anos, esse partido chama-se Partido Socialista. Os resultados desses acordos estão à vista de todos e produziram uma quase falência dos serviços públicos, em detrimento da qualidade de vida dos portugueses.

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As atitudes populistas e antidemocráticas do Bloco seriam dignas de um outro artigo, mas o que dizer em relação ao PS ter sido governo durante quase 6 anos com o apoio parlamentar do Partido Comunista Português? Um partido abertamente e desavergonhadamente antisistema, que se revê no modelo de sociedade que existia na União Soviética, o maior, mais poderoso, e mais mortífero regime totalitário que alguma vez existiu em toda a história da humanidade. Um partido que, ainda hoje repetidamente se coloca ao lado de regimes autoritários e totalitários como aqueles na Coreia do Norte, Venezuela, Síria e a Rússia de Vladimir Putin.

O PCP tem desde fevereiro do ano passado se colocado do lado de Putin em defesa da sua invasão genocida, e colocando-se abertamente contra o povo ucraniano na sua luta pela liberdade de existir, e de escolher livremente com quem se quer (ou não) alinhar. Mais, tem sido no nosso sistema politico-partidário várias vezes porta-voz de propaganda e desinformação do Kremlin, repetindo as mesmas mentiras e difamações que o regime de Putin profere em relação à Ucrânia, como forma de justificar a barbaridade a que todo o mundo tem assistido.

A pergunta a ser feita ao PS é: este é o PCP que defende a democracia? Arrependem-se de terem feitos acordos com eles? Porque razão estavam dispostos a repetir a fórmula em 2022? Não traçam vocês próprios linhas vermelhas em relação ao PCP?

Esta questão parece-me ainda mais relevante perante o contexto que vivemos hoje, em que há uma guerra na Europa, e em que as democracias liberais no ocidente e em particular na União Europeia colocam-se firmemente do lado da Ucrânia e contra a potência autoritária e revisionista que é a Russia. A posição do PCP nesta matéria não só é semelhante à dos partidos mais radicais da família política europeia em que se situa o Chega – Identidade e Democracia – como consegue até ser ainda mais extremada. Uma solução parlamentar ou de Governo (no cenário em que hajam eleições legislativas antes de 2026) que inclua o PCP, poderá pôr em causa o apoio económico e militar que Portugal tem dado à Ucrânia.

Por estas e por várias outras razões, o Partido Socialista deve clarificar de uma vez por todas o seu alinhamento face aos extremos antidemocráticos. A única razão que impõe linhas vermelhas ao centro-direita mas não ao centro-esquerda, é a que todos já sabemos, o PS e António Costa tudo fazem e tudo farão para ganhar poder e para o preservar. É de uma hipocrisia e incoerência gritante, mas não surpreende ninguém.

Como eleitor que se identifica acima de tudo, independente de opiniões políticas, com o espaço democrático, saúdo a posição da IL em rejeitar acordos com o Chega. Mas tenho pena, que os restantes partidos deste espaço, tanto no centro-esquerda como do centro-direita, não consigam fazer o mesmo. Deixemos os extremos antidemocráticos, tanto à esquerda como à direita, no lugar onde pertencem: nos extremos. Não ao Chega. Não ao PCP.