Como mãe fiz o que qualquer mãe faria” — declarou Daniela Martins, na comissão parlamentar de inquérito que agora decorre no parlamento português, para explicar como procurou que as suas filhas tivessem acesso em Portugal ao tratamento para a gravíssima doença que as afectava. Sim, é verdade que uma mãe é capaz de tudo pelos filhos. O que não é o mesmo que dizer que temos de aceitar como correcto tudo aquilo que uma mãe está disposta a fazer pelos seus filhos.
Sim, os filhos podem fazer-nos ultrapassar os nossos limites de resistência física e emocional. Quem foi pai ou mãe recorda aquele momento em que por um filho descobriu forças que não sabia que tinha. Em que constatou que não há dor maior que vê-los sofrer. Em que percebeu que a perda de um filho é algo tão contra-natura que nem existe um termo para o referir: as crianças sem pais são orfãs, quem perde um cônjuge é viúvo. Mas não há uma palavra para identificar os pais que perdem um filho. E atire a primeira pedra quem perante os crimes cometidos sobre crianças e jovens nunca pensou recorrer à justiça por conta própria. Sim, todos nós às vezes na vida fazemos o que não devemos ou como não devemos. As razões para que tal aconteça são muitas e frequentemente até são as melhores como o amor de mãe, de filho, de pai…  Mas tudo isto que é humanamente entendível e atendível não pode servir para legitimar o que sabemos ser incorrecto. Ser mãe ou pai (o pai das gémeas luso-brasileiras está relegado para um surpreendente  segundo plano) não nos priva do discernimento nem pode legitimar uma lógica do vale tudo desde que seja para bem dos nossos filhos.

Daniela Martins foi clara quando declarou “Como mãe fiz o que qualquer mãe faria”. Aliás foi mesmo essa a única parte em que foi clara. No restante, e o restante são os procedimentos que adoptou para fazer valer esse seu amor de mãe, deixou ainda mais por esclarecer do que encontrou. O email onde se lê “gostava de lhe agradecer toda a atenção que tem sido dada às minhas filhas” enviado da sua conta para o endereço da nora de Marcelo Rebelo de Sousa para ser dirigido a Lacerda Sales, então secretário de Estado da Saúde, não foi enviado por si mas sim por alguém que teria acesso à sua conta de mail. Também declarou estar convencida a dado momento que as suas filhas beneficiaram  dum tratamento favorável por intervenção do presidente da República, porque era isso que se dizia no Hospital de Santa Maria. E as declarações em que se gabava da cunha presidencial agora são, na sua opinião, palavras parvas ou armadilha. Quem quer acreditar acredita. Mas é difícil acreditar em tudo isto ao mesmo tempo. A mim este argumentário parece-me pouco convincente mas, independentemente disso, é óbvio que Daniela Martins não obrigou Marcelo a deixar-se levar pelo amor de pai, nem Nuno Rebelo de Sousa a agir como o filho mimado duma família poderosa que de facto é. Mas convenhamos que seria bem melhor que nos tivessem poupado às consequências institucionais de tanto amor.

PS. Expresso: “Tropas israelitas levam a cabo mais um massacre na Faixa de Gaza: 262 dias de guerra” Não é ataque. É de imediato um massacre. Sem aspas nem alegados. O jornalismo anda a ser massacrado nas páginas do Expresso há algum tempo. Desde 7 de Outubro de 2023 isso tornou-se mais evidente.

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