O dia 26 de setembro de 2022 marca o início de uma nova fase na Europa e em particular em Itália.
O povo italiano saiu à rua (bem, na verdade, segundo as previsões, pouco mais de 64% da população votou, tornando esta abstenção um dado histórico num país onde a participação costuma ser elevada) e decidiu, democraticamente e sem grandes surpresas, eleger para seu representante Giorgia Meloni. A deputada, de 45 anos, foi a escolhida pela maioria dos italianos e formará, ao que tudo indica, o governo mais à direita desde Mussolini.
Ligando a televisão no dia posterior a estes resultados (quando comecei a escrever este texto), é notória alguma preocupação. Não que, do nosso lado, não gostemos de saber quem é o/a escolhido/a para representar uma das maiores economias Europeias, mas no geral, o tom da opinião pública chamada a tecer comentários não é favorável. Mas porque é assim? Que problemas tão de fundo e, acima de tudo, que impactem outros países que não a Itália podemos esperar? Onde se fundamenta esta apreensão relativamente às reais consequências destas eleições?
Dizermos que este é o governo italiano mais à direita desde o final da II Guerra Mundial é a mesma coisa que aceitar que os fatores que levaram Benito ao poder se estão a repetir.
Quando reavivamos a memória e analisamos os fatores macroeconómicos e sociais que imperavam no início do século passado, concluímos que, numa sociedade europeia devastada pelo pós I Guerra Mundial, as diferenças entre estratos sociais, a crise financeira de 1929 e o descrédito pelas instituições dominavam a ordem do dia.
Em momentos de tensão como este, o caminho mais fácil parece ser, ou pelo menos há 100 anos foi, o de escolher representantes autointitulados como conhecedores de todos os males e conscientes de todas as respostas. Como viria a dizer anos mais tarde Bill Clinton, as pessoas preferem líderes fortes, que cometam erros, a líderes fracos que não errem.
A necessidade de resposta urge. Já não necessitamos que nos perguntem: “O que pensas?” mas sim que nos digam para onde ir.
É esta a associação generalizada a um/a líder forte, e também um traço característico dos representantes da extrema-direita – que muitas vezes apontam o destino sem terem noção (ou pelo menos sem quererem transparecer) do que está em causa para lá chegar.
E é muito por isto que, no século passado, assistimos à proliferação de movimentos de extrema-direita e nacionalistas um pouco por toda a Europa. Depois de Mussolini, seguiram-se Hitler, Franco ou Salazar.
Tiradas as conclusões destas ascenções políticas, e no rescaldo de (mais) uma Guerra Mundial, a constituição da União Europeia reforçou a necessidade generalizada que se sentia de não se voltar a repetir termos cada país a lutar pelos seus interesses sem olhar a meios, a fazer a sua política de forma individual. Conceitos como paz, prosperidade e estabilidade trouxeram à Europa um sentido partilhado de responsabilidade e cooperação entre Nações.
Mas isto parece estar a desmoronar-se. Se as eleições italianas são o epicentro das nossas atenções hoje, devemos relembrar episódios como o Brexit ou, saindo um pouco da esfera Europeia, a eleição de Donald Trump nos nossos há muito aliados Estados Unidos da América.
Mas também devemos perspetivar e assimilar que, por cá, o Chega cresce a olhos vistos e obteve 7,18% nas últimas legislativas. No nosso país vizinho, o Vox, se as eleições fossem hoje, poderia já ultrapassar o Partido Popular e, em França, Marine Le Pen atingiu 41,45%, conseguindo um resultado histórico para a extrema-direita em eleições presidenciais.
Numa altura em que as respostas não são as que queremos, ou simplesmente não queremos esperar para ver, o caminho mais fácil torna-se aquele que parece mais simples e que apela aos nossos problemas (e não soluções) de forma direta.
Atualmente vemos cada vez mais notícias que referem a incapacidade da União Europeia de ter uma política monetária forte, de controlo da inflação ou de ser justa quando “tira aos ricos para dar aos pobres”.
Perante estes factos, os movimentos de extrema-direita estão a emergir um pouco por todo o lado, impulsionados pelas mesmas razões que os fizeram governar há 100 anos. É imperativo que façamos a nós próprios as questões que realmente importam se quisermos um desfecho diferente:
- Queremos líderes que nos encorajem a ter desprezo pelas instituições? Que tratem pessoas de outras raças e orientações sexuais de forma diferente? Que apelem ao nosso sentido patriótico para nos colocar uns contra os outros?
- Ou optaremos por representantes do diálogo construtivo, onde os deveres e direitos são igualmente distribuídos e o acordo social tende a basear-se na cooperação saudável e honrosa?
Diz-se que a história tende a repetir-se, muito devido aos seus intervenientes já não estarem presentes o que faz com que as gerações mais novas, impactadas por muitos dos mesmos problemas de outrora, sintam aquilo que outros sentiram. É a natureza humana. Mas não serve de desculpa. Afinal, desta vez temos exemplos para analisar.
Ao olhar para tudo isto, sinto-me como ver um filme de Bruce Willis ou Sylvester Stallone. O justiceiro em cada um de nós parece sempre aplaudir com entusiasmo o pai que, contra todas as instituições e regras, luta por sua conta e medida contra os opressores. Fá-lo porque de outra forma os seus problemas não seriam resolvidos e, como tal, encarna no papel de herói munido de todas as forças humanas e outras que tais, com vista a por fim ao mal. Não passam de filmes, mas nós parecemos gostar.
Ricardo Figueiredo é CEO da LUGGit, uma empresa tecnológica fundada em 2019, que providencia um serviço de recolha, armazenamento e entrega de bagagem. Em 2020, foi considerada pela Organização Mundial de Turismo como a 2ª Solução Mais Inovadora do Mundo. Para além da sua atividade profissional, é co-autor do livro de educação financeira infantil, “Maria e o Segredo da Poupança”, um projeto do Hub dos Global Shapers de Lisboa, aos quais se juntou em 2021.
O Observador associa-se ao Global Shapers Lisbon, comunidade do Fórum Económico Mundial, para, semanalmente, discutir um tópico relevante da política nacional visto pelos olhos de um destes jovens líderes da sociedade portuguesa. O artigo representa a opinião pessoal do autor, enquadrada nos valores da Comunidade dos Global Shapers, ainda que de forma não vinculativa.