Caros concidadãos, venho por este meio anunciar, formalmente, que não serei candidato às próximas eleições presidenciais em Portugal. Bem sei que é uma extravagância, bem sei que estou sozinho, mas um homem tem de seguir firme as suas convicções. Mesmo enfrentando a incompreensão dos amigos e da família. Arriscando o isolamento e o estigma social. Ouvir o chamamento dentro dele, ainda que essa voz lhe diga: não faças nada, não mexas uma palha, deixa-te estar quietinho que assim é que estás bem.

Ao dia de hoje, é candidato a candidato o presidente da assembleia, o governador do banco, o antigo líder da oposição, o chefe do Estado-Maior do ramo, o comentador ex-ministro, o outro comentador ex-ministro, a comentadora ex-coisas várias, até o primeiro-ministro e um ex-primeiro-ministro por tempo record. Isto só entre os partidos do anteriormente-chamado-arco-da-governação, que, por norma, não apresentariam mais do que dois candidatos, um mais à esquerda, outro mais à direita. Faltam todos os outros que ainda vão aparecer: os dos partidos pequenos, os dos mais pequenos ainda, os sem partido, os contra os partidos, os de protesto, os de sempre, os que vão a todas, os que vão por piada, e a Cristina Ferreira, se ninguém a agarrar.

A situação é tal que, a três anos da eleição e com tantos actos eleitorais e dores de cabeça ainda pelo meio, deveriam os organismos responsáveis passar a comunicar um boletim diário de casos de candidatura, a fim de uma pessoa se precaver, ou isto vai chegar a 2026 e teremos um boletim de voto com mais páginas do que Os Maias. Porque, à evidência, como na Covid, isto é assunto altamente contagioso: dias depois do primeiro caso, começam a disparar outros em volta. Há surtos de candidatos, como quem diz: “se ele pode, porque é que eu não posso?” Começa dentro dos partidos, espalha-se pelos órgãos de soberania, e vai por aí afora, até começar a apanhar as pessoas nos bairros, nos transportes, nos lares. (“Senhor Armindo, está na hora de mudar a algália!” “Não posso que agora estou a preparar a visita à Feira de Agricultura do Samouco!”)

É um exemplo notável de entusiasmo cívico, tanto mais quando estamos habituados a ouvir dizer que as pessoas estão cada vez mais desinteressadas da política. E, afinal, ei-las dispostas a empenhar, às vezes, a vida que lhes resta, em serem as sucessoras de Marcelo.

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Pois eu, cidadão português, maior de 35 anos e sem cadastro comparável a alguns dos proto-potenciais candidatos a candidatos, declaro aqui, pelos factos acima expostos, que desejo continuar a ser apenas um eleitor como os outros. Porque um país precisa de pelo menos um que não vote em si mesmo, nem que seja para desempatar a brincadeira.

Portugueses, vamos mudar Portugal não nos candidatando a coisa nenhuma, antes nos preocupando em fazer aquilo que nos é pedido onde estamos, aqui e agora. Vamos mudar Portugal exercendo as funções que nos foram confiadas, em vez de as tentar usar como trampolim para outra coisa qualquer, sobretudo nos casos em que chegámos aonde chegámos mais pela afinidade partidária do que pelas nossas habilitações. Vamos mudar Portugal sendo gratos à inacreditável sorte que nos calhou, quando, noutro sítio ou noutro tempo, poderíamos não ter passado de uns digníssimos funcionários públicos, a trabalhar numa secretária de canto num serviço sobrelotado, a contar os anos para a reforma. Vamos mudar Portugal não olhando para 2026, mas para 7 de Setembro de 2023, ou para 7 de Setembro de 2050. Vamos mudar Portugal dizendo e fazendo aquilo que realmente estamos a dizer e a fazer, e não o que dizemos e fazemos nas entrelinhas, por termos uma agenda escondida debaixo de cada palavra e cada gesto tacticamente pensados para não comprometer a jogada que pretendemos fazer lá à frente.

Portugueses, iniciemos aqui uma vaga de fundo pela normalidade. Pelo direito a não vivermos acima nem abaixo das nossas possibilidades – e muito menos das nossas habilidades. Pela modesta ambição de não sacrificar um país ao nosso ego.

Eis aqui a lista das promessas eleitorais da nossa não-candidatura: não diremos uma coisa e faremos outra, não daremos lições de moral por tudo e por nada, não pretenderemos ser o novo Marcelo, nem o anti-Marcelo. Não comprometeremos a regulação da banca, nem o prestígio das Forças Armadas, nem a vida democrática do parlamento, nem a confiança dos portugueses que nos seguem pelos media, em função das nossas ambições pessoais. Não seremos melhores, nem piores, nem sequer iguais aos outros; seremos simplesmente iguais a nós próprios, o que pode parecer um orgulho grandiloquente, mas, na verdade, não é grande coisa.

Digo-vos aqui, nesta hora solene e à sombra enorme dos nossos antepassados: não serei o Presidente de todos os Portugueses. Mas sou e continuarei a ser o português de todos os Presidentes (que remédio).

Portugueses, à hora a que vos escrevo, pode ainda não ter acabado o jogo do Porto, a Kikas pode ter recebido do IAPMEI mais algum prémio PME Líder, o primeiro-ministro terá talvez dirigido agora um pedido a Nossa Senhora para resolver o problema da habitação ou à Re/Max que faça lá um jeitinho. Sucedem-se os fenómenos climáticos extremos e a malta que foi ao deserto do Burning Man celebrar a transitoriedade da vida acabou debaixo de uma tempestade e atolada na lama. O país e o mundo enfrentam desafios excepcionais que exigem líderes excepcionais. E eu não sou excepcional. A maioria de nós, em princípio e por definição, não é excepcional. Façamos aquilo que sabemos fazer, nos casos em que já descobrimos o que é. E deixemos os outros 10 milhões de candidatos a uma vida boa, normal, justa, com casa, trabalho, remuneração e reforma condignos, em paz.