Já fui chamado algumas vezes de teimoso. Ao contrário do que se diz nas entrevistas de emprego, ser teimoso não é propriamente uma qualidade – e nem a mim mo chamaram como um elogio, creio. Concordo que posso ser um pouco repetitivo, insistente, obstinado, mas teimoso, não, de todo, e é por isso que volto ao tema que abordei no passado dia 22 de novembro.
Na altura critiquei a, na altura aparente, leveza com que o Sr. Governador do Banco de Portugal se referiu à necessidade de manter, por via legal, a suspensão das comissões por amortização antecipada dos créditos habitação.
O tempo passou e apenas confirmou que essas afirmações deverão mesmo ter sido proferidas no calor do momento, entre perguntas mais excitantes sobre cortes de taxas de juro pelo BCE, ou candidaturas à Presidência da República.
O tema ganhou tração nas semanas seguintes e creio justificar-se uma cronologia do desenrolar do tema, através de alguns recortes de jornal.
Um dos primeiros contributos de relevo foi o da Associação Portuguesa de Bancos (APB). A APB terá enviado um parecer ao Parlamento a dar conta das suas preocupações e da hipótese de deixar de ser prestado o serviço de crédito a habitação a taxa fixa por parte dos seus associados. Poderei ter procurado mal, mas não parece que este parecer tenha sido tornado público. Pelo menos, entre separadores sobre Sustentabilidade, Fraude Bancária e o Open Day da APB para 150 alunos de secundário, não o encontrei no site da APB. Gostaria de perceber como foi elaborado o parecer, nomeadamente se foi baseado em argumentos técnicos, numa argumentação lógica e financeira, numa análise de custo/benefício, ou se foi apenas a formal e belicosa apresentação de uma ameaça. Mas não o consegui esclarecer…
Quando se ouve a APB, sente-se sempre um certo arrepio na espinha. Apesar de injustamente, os bancos têm uma reputação complexa de gerir, e a APB terá de perceber que a associação que engloba a grande maioria das instituições financeiras nacionais é naturalmente vista como um lobista perigoso e maléfico que se move na sombra. Seria assim importante ser mais aberta, inclusiva, didática, técnica e principalmente menos política e confrontacional.
No dia seguinte à notícia de a APB ter enviado o seu parecer, pudemos ter individualmente a opinião de alguns dos mais importantes banqueiros nacionais, no âmbito de uma conferência do Jornal de Negócios. Aí, pudemos ter o previsível rodízio de críticas, onde a argumentação variou entre o “É absolutamente irracional”, “A partir daqui estou à espera de tudo”, “É uma quebra de confiança”, ou “O prejuízo é dos clientes”. Houve ainda quem apelasse ao regulador – o equivalente a ir a uma destilaria e pedir um copo de água quando estamos em plena combustão – ou quem dissesse que “A discussão sobre este tema não deveria ser feita ao nível do Orçamento do Estado” (e que) “deveria ser um processo normal em que se ouviria o supervisor, a associação do setor, para se perceber do que está em causa e o impacto que pode ter no mercado”. O que, dito de modo articulado, até parece simples.
Já no dia 26 de novembro dei por mim a ouvir a conferência de imprensa de apresentação do Relatório de Estabilidade Financeira pelo Sr. Governador e a Sra. Vice-Governadora, e a pensar profundamente. O primeiro pensamento, e sentimento, foi o de isolamento quando me apercebi de que era apenas um de 15 a 30 pessoas que iam ouvindo a apresentação e as respostas às perguntas dos jornalistas – serei eu assim uma tão rara ave? O segundo foi o de que, afinal, aquele assunto que um mês atrás parecia prosaico e simples, realmente se adensou e passou a ter nuances.
Durante o período de perguntas e respostas alguns jornalistas quiseram tentar esclarecer o que em afirmações anteriores tinha ficado menos claro, colocando algumas muito úteis questões.
Quando dada profundidade ao tema, naturalmente ficou claro que os contratos a taxa fixa e variável são fundamentalmente diferentes (e aparentemente o Sr. Governador no caso dos primeiros repudiava o fim das comissões), assim como que, cito, “não é possível querer reestruturar a dívida a toda a hora e querer contrair contratos de crédito com uma facilidade como quem ‘muda de camisa’”.
Sem me querer imiscuir em questões de indumentária, diria que as opiniões são como as camisas garridas – não há mal nenhum em trocar-se uma por outra, mas quando o fazemos, todos notam.
Por entre a opinião da DECO, mudanças nas propostas, e decisões finais, o Orçamento do Estado para 2025 acabou por deixar de incluir a isenção – ou dito de um modo mais claro, os clientes em 2025 voltarão a pagar comissões aquando das suas amortizações antecipadas nos contratos de crédito a habitação.
Entre ruído e caos na discussão no tema, acabou por imperar o bom-senso, e por isso, quem tiver planeada uma pequena amortização neste tipo de crédito, terá até 31 de dezembro para a fazer a desconto – mas não conte poupar o suficiente para a ceia de Natal.
Por fim, não como epílogo, mas mais como pedra tumular, veio a declaração da APB ao Jornal Económico por fonte oficial, congratulando-se pelo “favorecimento do direito e do âmbito de escolha dos consumidores”. As declarações entrecortadas, e a apresentação da notícia têm o potencial de confundir ainda mais o leitor sobre a APB. Vítor Bento é apresentado numa foto com um logotipo da SEDES, e com legenda indicando que este “surgiu como o novo presidente executivo do BES, cargo para o qual foi cooptado em julho de 2014. Duas semanas depois, o Banco de Portugal aplica uma resolução ao Banco Espírito Santo, dividindo-o em duas partes. Bento e a sua equipa ficam à frente do Novo Banco, cujo capital é detido pelo Fundo de Resolução, na esfera do Banco de Portugal e das Finanças. Em setembro do mesmo ano anuncia que apresentou a demissão do seu cargo no Novo Banco, tal como José Honório e João Moreira Rato.” Apesar de factualmente correto, dar no último trimestre de 2024 enquadramentos sobre 2014 soa mesmo a notícia antiga – e certamente que o presidente da APB preferirá não ser associado a tão funesto episódio da história da finança portuguesa, mas do qual acabou por ser um dos cabeças de cartaz.
A circunstância nacional de a reserva de competência ser um bem escasso leva à necessidade de que as mesmas pessoas percorram incessantemente cargos privados, públicos eleitos ou de nomeação, como participantes, reguladores e representantes grupos ou classes. E pelos vistos tal rotação gera estupefação nos cidadãos, e confusão nos jornalistas.
Aqui no meu canto distante fica, como tantas vezes, a sensação de se ter atingido o alvo disparando de olhos fechados. Para este e outros futuros temas, fico apenas a torcer que, entre frases tonitruantes e sentimentos justicialistas, possa haver mais vezes alguém que oiça quem tenha algo a acrescentar, que se possa valorizar o que tenha densidade e volume, e que não se tomem decisões e legisle somente ao sabor de um benefício político passageiro.