As conveniências recorrentes do Chega são suficientes para colocar em causa a sua capacidade e credibilidade política. E também não é despiciente reflectir sobre as inconsequências do seu líder.

O Chega combina a ambição desmesurada de um oportunista com um projecto de protesto sem conteúdo. Como tal, é tudo e mais alguma coisa. É o que tiver de ser para agradar. Não tem substância, nem coerência. Vai do Socialismo ao Reacionarismo, e usa o Cristianismo para simular que tem valores. Infelizmente, isto aparenta não ser um problema porque a retórica populista e demagógica do Chega, apesar das suas sucessivas contradições, é apelativa aos descontentes sem esperança.

Até onde vai esta oratória demagógica? Na questão da eutanásia acusa quem é favorável a esta opção de liberdade individual de ser bloquista. Como o PCP votou contra a eutanásia, podemos então dizer que sabemos quem são os novos parceiros do Chega? E que dizer da demagogia de André Ventura? Na entrevista no Polígrafo SIC, ao ser questionado sobre a inspiração no “Deus, Pátria e Família”, André Ventura fingiu desconhecer a ligação a Salazar e ao Estado Novo. Porém, soube citar Estaline. Nada como sustentar posições com as certezas dos ditadores.

Sendo um projecto de protesto, o Chega adota posições “musculadas”. O desprezo pela liberdade e pela democracia é notório, e uma fonte de preocupação. André Ventura, ao afirmar que “somos o partido de Deus, Pátria, Família e trabalho”, torna claro ao que vem. Perante o óbvio, são dispensáveis mais comentários.

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O Chega é a amálgama do nada donde emerge o absolutismo messiânico do seu líder. Duvidam? Os poderes de André Ventura, como presidente do partido, não acabaram de ser outra vez aumentados? A cada alteração estatutária a democracia interna é reduzida. O Chega é um partido onde as estruturas locais não são eleitas. É um partido onde o presidente pode suspender e exonerar outros dirigentes a seu bel-prazer. Ou seja, o Chega não respeita o Princípio da Separação dos Poderes. E se funciona assim internamente, que fará quando colocar as suas garras no Estado? A História já demonstrou que nem o populismo, nem os salvadores providenciais são solução. Todavia, ciclicamente os populismos são apoiados pelas populações. É preciso combater este fenómeno. Desmascarar André Ventura, tornando claro onde existem as verdadeiras alternativas. Até porque André Ventura arma-se em Dom Sebastião. Mas dele só são expectáveis desastres como Alcácer-Quibir. André Ventura é o representante dos nossos piores sentimentos. Precisamente aqueles que nos levaram, levam, e levarão à perdição.

André Ventura, que vem do sistema, declara-se anti-sistema. E enquanto o faz, não faz outra coisa senão sonhar com ser o sistema. Até já fala em pastas de governo. Mas a realidade é que não saberá o que fazer. Basta exemplificar com os apoios ao Novo Banco. Que fez André Ventura quando a questão foi debatida no Parlamento? Votou a favor, absteve-se e votou contra. Como é que André Ventura lutou contra a corrupção? Pôs um outdoor na rua sobre enriquecimento ilícito e apresentou um projeto de lei que sabia ser inconstitucional. Além disso, quando a questão foi debatida no hemiciclo onde estava André Ventura? E como votou nos apoios à TAP? A favor de esbanjar milhares de milhões de euros, que podiam ser utilizados na saúde ou educação.

Obviamente, André Ventura pode fazer e dizer o que bem entender. É a sua opção. Mas politicamente não passa da personificação da inconsequência. Não é confiável. Já sabemos como reagirá quando for contrariado. O que significa que ou se faz o que ele quer ou os acordos serão rompidos.

Finalmente, uma palavra sobre algo que André Ventura se arroga indevidamente.

Em 1973, Sá Carneiro deu uma entrevista ao jornal República, onde afirmou o seguinte: “Os conceitos de catolicismo progressista e de democracia cristã são bastante equívocos para mim — e não aceito enquadrar-me em qualquer deles. Entendo que os partidos políticos — que considero absolutamente indispensáveis a uma vida política sã e normal — não carecem de ser confessionais, nem devem sê-lo. Daí que não me mostre nada favorável, nem inclinado, a filiar-me numa democracia cristã. É evidente que a palavra pode não implicar nenhum conceito confessional e nesse sentido apresentar-se apenas como um partido que adopte os valores cristãos. Simplesmente, em política, parece-me que os valores não têm que ter nenhum sentido confessional e, portanto, se amanhã me pudesse enquadrar em qualquer partido, estou convencido de que, dentro dos quadros da Europa Ocidental, comummente aceites, iria mais para um partido social-democrata”.

Sá Carneiro nunca apoiou o mentor do “Deus, Pátria e Família”, nem nada do que ele representou. Cada vez que André Ventura cita Sá Carneiro, enquanto tira um terço do bolso, desrespeita a memória de um grande Homem e insulta o exemplo político do Primeiro-ministro falecido em Camarate.

Sá Carneiro foi inequívoco. Nem ditadura, nem teocracia. Democracia! André Ventura defende o contrário.