Nas últimas semanas, temos vindo a conhecer as listas de candidatos a deputados à Assembleia da República das eleições de Janeiro. Por um lado, a facção vencedora das eleições internas no PSD realizou uma verdadeira limpeza nas listas do partido, garantindo que os lugares elegíveis são distribuídos por membros afectos a Rui Rio. Confesso que não conheço a esmagadora maioria dos nomes propostos pelo líder do PSD, o que pode levar a agradáveis surpresas ou, com maior probabilidade, à emergência de uma elite parlamentar tão medíocre como a anterior. Por outro lado, o PS apresentou também nas suas listas um conjunto de nomes desconhecidos. Como os lugares cimeiros da lista são todos ocupados por membros do executivo, caso o partido ganhe as eleições, como se prevê, os lugares parlamentares serão ocupados por figuras menores do partido. Infelizmente, em Portugal, o parlamento continua a ser o parente pobre dos órgãos de soberania, cujo objectivo principal dos seus membros é utilizá-lo como catapulta para voos maiores.
As listas de deputados revelam ainda a prevalência de certas dinastias na vida política Portuguesa. Leonor Rosas, de apenas 21 anos, filha de Fernando Rosas, concorre pelo BE no círculo de Lisboa. Francisco César, filho de Carlos César, encabeça, naturalmente, a lista do PS pelos Açores. Mariana Vieira da Silva, filha de José Vieira da Silva, socióloga e doutoranda no ISCTE nas horas vagas, concorre em terceiro lugar pelo PS em Lisboa. António Topa Gomes, filho do falecido António Topa, é o cabeça de lista do PSD por Aveiro.
A prevalência de dinastias políticas, isto é, o sucesso de membros próximos da mesma família no mesmo partido, tem sido objecto de estudo sistemático por cientistas políticos nos últimos anos. No momento em que vamos às urnas, é bom olharmos com atenções para várias conclusões destes trabalhos. Em primeiro lugar, a evidência empírica dos Estados Unidos, do Japão e da Irlanda mostra que os políticos dinásticos têm maior probabilidade de serem eleitos e de subirem a cargos ministeriais. Contudo, este efeito não é explicado pelas suas qualificações ou pela sua (suposta) experiência política. De facto, há cada vez mais evidência de que os políticos dinásticos têm menores qualificações académicas do que os seus pares que atingem os mesmos patamares políticos. A sua ascensão política deve-se às suas ligações familiares e não apesar da sua família, como é recorrente ouvirmos.
Em segundo lugar, num trabalho recente, Geys e Smith sugerem duas consequências particularmente negativas da prevalência de dinastias na política. Os políticos que ascendem ao poder através de ligações dinásticas beneficiam de protecção especial dentro dos respectivos partidos devido a redes informais de contactos construídas pelos seus antecessores. Como tal, estes políticos de sangue azul estão também menos sujeitos a accountability eleitoral, isto é, quando têm um desempenho idêntico a políticos não dinásticos, têm menor probabilidade de serem derrotados nas urnas.
Por último, a manutenção de dinastias na política prejudica seriamente a qualidade das políticas públicas. No Brasil, por exemplo, os políticos dinásticos gastam mais recursos públicos com menores benefícios económicos, sugerindo que o dinheiro é gasto de forma ineficiente e, eventualmente, para benefício de grupos selecionados da população. Para além disso, tanto no Brasil como no Japão sabemos que os políticos dinásticos conseguem extrair mais recursos para o seu distrito eleitoral, sem que esses recursos se traduzam em melhores desempenhos económicos nesses distritos. Na verdade, segundo os estudos existentes, distritos liderados por dinastias políticas têm, em média, piores desempenhos económicos que os outros.
Naturalmente, todas estas conclusões, baseadas, de resto, em evidência empírica, não se aplicam a Portugal. Pelo contrário, os efeitos perniciosos das dinastias são patentes apenas nos outros países, onde temos estudos científicos, como por exemplo, o Japão, a Itália, a Irlanda, os Estados Unidos, ou até mesmo o Brasil. Por cá, todas as pessoas que citei acima têm um mérito e um percurso pessoal acima de qualquer suspeita e, claro, “nunca poderiam deixar de seguir a sua vocação por serem filhos de quem são”. Para nossa felicidade, em Portugal, existe um conjunto de famílias onde se concentra todo o talento político nacional e que se predispõe ao sacrifício de trabalhar para a coisa pública. Mando daqui um bem-haja às famílias Rosas, César, Vieira da Silva e Topa, ou mesmo às famílias Mendonça Mendes e Almeida Santos, por nos darem os seus melhores. O país está mais próspero e mais democrático por isso.