Tenho o hábito de ler as capas dos jornais ao pequeno-almoço. Ontem, a minha atenção focou-se numa pequena chamada à capa em que a atriz Sofia Arruda se afirma vítima de assédio sexual no trabalho, valendo-lhe o desemprego.

Como é isto possível num país europeu no século XXI? Elementar, caro/a leitor/a. Pela vergonha de a vítima denunciar o/a perpetrador/a. E pela consequente impunidade de que este/a é alvo.

Diz a lei que assédio moral é o «comportamento indesejado […] com o objetivo […] de constranger a pessoa, afetar a sua dignidade, ou de lhe criar um ambiente intimidativo, hostil, degradante, humilhante ou desestabilizador» no trabalho.

O assédio será sexual sempre que a conduta indesejada tenha este pendor «sob forma (não) verbal ou física», com o objetivo referido supra, sendo uma contraordenação muito grave acrescida «de eventual responsabilidade penal».

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Há um ano e meio que trabalho na entidade competente para receber queixas desta natureza. Quantas ouvi? Uma. Que, em rigor, nem o era – tanto que o trabalhador desistiu de apresentar queixa da sua chefe, outrora amante.

«Quem cala, consente». Mais ou menos. Primeiro a pessoa entrará em choque (como é que aquilo me foi acontecer?). Depois perguntar-se-á se a culpa não foi sua (fui provocador/a?). Adiante, duvidará que lhe deem ouvidos (será a minha palavra contra a do/a chefe…).

Finalmente, há a questão do emprego. Sim, porque a Sofia Arruda – relembro – ficou desempregada dois anos. E a maior parte das pessoas deste país não pode ficar 24 meses sem fonte de rendimento. Por isso sujeita-se a todo o tipo de porcarias, moral e sexualmente falando.

Imbuídos de uma cultura em que «a coutada do macho ibérico» predomina e a indignação com a galdéria que ousa sair à rua de minissaia com botas pelo joelho, «e ainda se queixa quando ouve o que não quer, estava mesmo a pedi-las…» é enorme – até, ou sobretudo, pelas suas pares -, não admira.

Se a isto juntarmos que Portugal é o país das cunhas e dos tachos, das empresas familiares e dos negócios fechados à esplanada, todos os caminhos vão dar à pessoa que será irmã/o, filho/a, primo/a, melhor amigo/a do/a assediador/a, desencorajando – à partida – algo que já seria muito difícil admitir.

Nota: Foi com imenso esforço que escrevi este texto em linguagem «inclusiva». Desconheço a existência de estudos sobre a matéria, mas suspeito que este fenómeno afete as mulheres numa percentagem muito superior à dos homens.