2018. 22 de Agosto. Levantar mais de 50 mil euros em dinheiro vai deixar o Fisco em alerta.
2018. 23 de Agosto. Os imóveis do Estado que se encontrem em mau estado de conservação, devolutos ou em ruínas, não terão de pagar o Imposto Municipal sobre Imóveis (IMI) agravado, ao contrário do que acontece aos proprietários privados que têm de pagar este imposto a triplicar como forma de sanção.
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Três dias. Três notícias. Um padrão. Uma mesma orientação: o Estado impõe aos outros aquilo de que se exime a si mesmo.
Não foi por acaso que acabámos com a urgentíssima e relevantíssima protecção de dados transformada num mecanismo que nos impede de saber que políticos recebem pensões vitalícias ou o que aconteceu nos fogos de Pedrogão mas que simultaneamente não impede a divulgação dos nomes dos devedores ao fisco ou à Segurança Social. Note-se que o papel da protecção de dados enquanto agente especial do estatismo não acaba aqui: as multas anunciadas para quem não cumpra a legislação em matéria de protecção de dados não se aplica ao Estado.
Também não é por acaso que todas as semanas somos confrontados com a proliferação de medidas que reforçam a estatização dos nossos bens, para todos os efeitos transformados nos bens que o Estado concede que estejam à nossa guarda. Os levantamentos superiores a 50 mil euros que vão dar alerta no Fisco são apenas mais um capítulo na transformação dos antigos proprietários em cuidadores supervisionados pelo Estado. O que é afinal senão um cuidador supervisionado pelo Estado o senhorio a quem se determina a quem pode alugar; que tem de patrocinar determinadas actividades como as lojas ditas históricas ou, mais prosaicamente ainda, substituir a Segurança Social e as misericórdias no apoio social aos seus inquilinos?
Os absurdos a que se chegou no campo da produção legislativa através da qual o Estado intervém na vida dos contribuintes só se torna evidente quando aqueles que pensam ter cumprido tudo, mas mesmo tudo, em matéria fiscal se descobrem afinal infractores: foi isso que aconteceu este ano com as multas da ViaCTT e que acontecerá mais cedo ou mais tarde quando o fisco começar a multar os noivos que não declaram as prendas de casamento superiores a 500 euros ou os filhos e netos que não declaram as mesadas. (O facto de a doação estar isenta – entre pais e filhos e avós e netos – não isenta ninguém de ter de fazer a respectiva declaração.)
Não sei se será graças a um partido novo ou velho ou a um movimento anti-partidário. Também não sei dizer quem será o primeiro político a enfrentar directamente o assunto mas, a bem da nossa liberdade e dignidade, alguém vai ter de dizer que não podemos continuar a viver nesta ratoeira em que os políticos compram o voto dos cidadãos à custa da criação de uma ditadura sobre o contribuinte. (Há aliás qualquer coisa de feudal na relação dos nossos dirigentes quando falam de impostos, sobretudo da sua redução, que anunciam como quem faz uma mercê ditada pela sua generosidade ou especial sagacidade.)
Exemplar deste círculo vicioso é o outro anúncio desta semana. Melhor dizendo, o número “Bloco quer” dos últimos dias. Como não podia deixar de ser, esta semana o Bloco tinha de querer alguma coisa. Isso não é propriamente notícia. Aliás, notícia seria o Bloco não querer coisa alguma. Mas vale a pena atentar naquilo que o Bloco disse agora querer: esta semana o Bloco quer reduzir as contribuições para a ADSE.
Digamos que a verbalização deste querer é a performance reservada ao Bloco na grande festa do Orçamento de 2019 (a redução das contribuições para a ADSE está em cima da mesa há algum tempo) mas PS, PCP e BE (não tenho de fazer de conta que os Verdes existem, pois não?) vão todos eles querer alguma coisa para no fim o PS fazer de grande moderador e os companheiros de um bocadinho conseguidores. Obviamente, nas próximas eleições o Bloco lembrará aos funcionários públicos que têm votar no Bloco porque foi o Bloco que conseguiu a redução das contribuições para a ADSE; o PS explicará que foi graças a António Costa que a ADSE baixou as contribuições e subiu o seu saldo positivo e o PCP gritará que é aos comunistas que os funcionários públicos devem o facto de a redução das contribuições para a ADSE não ter sido considerada como um aumento de ordenado.
Mas, deixando de lado a teatralização do “vamos fazer de conta que negociamos”, passemos ao que interessa: quanto vai custar esta redução das contribuições para a ADSE?
Segundo contas feitas pelo Governo em 2017 (eu avisei que a reivindicação do Bloco não era propriamente uma novidade!) reduzir as contribuições para a ADSE de 3,5% para 3,25% implicaria que entrariam menos 40 milhões de euros nos cofres da ADSE.
Mas mesmo que não exista qualquer redução nas contribuições para a ADSE esta vai precisar de mais dinheiro, pois os actuais 3,5% de descontos já não acompanham o ritmo de crescimento dos custos com a saúde dos beneficiários, e esse crescimento é inevitável numa população cada vez mais envelhecida.
Portanto, será o dinheiro dos contribuintes (essa espécie de lado B dos cidadãos e da cidadania) a suportar esta redução das contribuições para a ADSE. Entre estes contribuintes contam-se beneficiários e não beneficiários da ADSE. Mas, e aqui voltamos ao princípio desta crónica, é aceitável que os funcionários do Estado beneficiem de um seguro de saúde a um custo que só é tão baixo porque na hora do acerto de contas se for necessário será efectuada (mais) uma transferência via Orçamento de Estado? Em que grau de irresponsabilidade estamos para que se proponha baixar as contribuições para um sistema de saúde ? E como é possível que os sindicatos tenham o desplante de dizer que as reduções das contribuições não podem ser consideradas um aumento de ordenado?
Tudo isto só é possível porque ninguém fala pelos contribuintes. Esses invisíveis que na sua mansidão tornam possível o populismo de quem promete o insustentável às suas clientelas eleitorais. Esses desmobilizados sem cartazes nem megafones e portante irrelevantes na hora em que o Estado negoceia com os seus: Caixa dá prémio aos trabalhadores em plena guerra laboral. Esses silenciosos que pagam aos credores que nos resgatam e aos governos que nos levam à falência… Até quando?
P.S.: Que o governo socialista de um país da Europa – a Espanha – tenha como sua medida emblemática desenterrar um homem que morreu e foi enterrado há 43 anos é sintomático da falência política do chamado socialismo democrático.