O que haverá em comum entre a intermediação inteligente promovida na internet pelas redes e plataformas digitais, a valorização do património imaterial dos territórios e a sua identidade e iconografia, a inversão das cadeias de valor pela introdução de factores imateriais e intangíveis, as internalidades da economia circular e a investigação correspondente, a inclusão e a inovação sociais face ao desemprego tecnológico que se anuncia, a inventividade e a imaginação como pontos focais da cultura e da criação?

Estaremos nós na rota de um novo código de linguagem, significação e comunicação, de uma outra imanência dos territórios, de uma outra interação e interdependência no interior das cadeias de valor, de uma outra idiossincrasia dos comportamentos de risco, de uma outra iconografia sociocultural, de uma genuína economia dos ícones simbólicos, de uma (i)conomia?

Vejamos algumas facetas fundamentais desta (i)conomia.

1. Uma intermediação inteligente por via das plataformas digitais

O princípio geral das plataformas tecnológicas que usam as redes digitais da internet é a “desintermediação”. O objectivo principal é reduzir os custos de transação e operação dos agentes que estão no mercado, isto é, produtores, consumidores e intermediários, à custa das mais-valias abusivas e predatórias que eles vão acumulando, em especial os intermediários. Os modelos de negócio transformam-se, em consequência. Doravante teremos novas “comunidades empresariais” B2B, B2C e C2C que juntam empresários, empresários e consumidores e apenas consumidores entre si, os designados “prosumidores”. Mas também podemos ter “comunidades colaborativas” no contexto da chamada sharing economy em que as redes colaborativas recuperam o capital social e os recursos ociosos que tinham sido considerados uma espécie de resíduo do capitalismo industrial e, mais relevante ainda, ultrapassam as instituições burocráticas do capitalismo por meio de redes colaborativas e solidárias de baixo custo. Estas redes entram em choque frontal com os mercados convencionais e as suas cadeias de valor mais lucrativas são postas em causa por cadeias de valor colaborativas e solidárias. Os exemplos desta colisão frontal são cada vez mais frequentes, a velha intermediação está posta em causa pela intermediação inteligente.

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2. Interdependência, interatividade e instabilidade, o risco na aldeia global

Na aldeia global somos todos vizinhos e, por esse facto, enfrentamos três tipos de risco: o risco sistémico da aldeia global, o risco moral dos nossos vizinhos concidadãos e o risco do imponderável aleatório. O risco é, pois, uma provação sempre iminente. No primeiro caso, a aceleração tecnológica reduziu o espaço e a distância e aumentou a interdependência, a interatividade e a instabilidade dos actores em presença. No segundo caso, o risco moral e os efeitos colaterais são uma epidemia que se propaga à velocidade da luz, que se torna “viral” independentemente da nossa vontade. No último caso, estamos completamente à mercê de acontecimentos imprevistos que provocam danos devastadores, naturais e humanos, e que fazem apelo à nossa solidariedade. Para prevenir e impedir a eclosão destes riscos e os seus efeitos de propagação precisamos de um novo ideário de responsabilidade partilhada, de um projecto comum e, sobretudo, de um governo mundial, de tal modo que a interdependência, a interatividade e a instabilidade fiquem no interior da aldeia e não no seu exterior, em terra de ninguém. A (i)conomia da aldeia global precisa de um outro regime internacionalista, um institucionalismo neo-regionalista apoiado em agências regionais do mesmo género da União Europeia, concebido para evitar o risco sistémico e promover o bem comum junto das populações mais desfavorecidas.

3. O património imaterial, a identidade e os sinais distintivos territoriais

O ciclo económico chega ao fim. Os activos transformam-se em restos e ruínas, a patrimonialização pode, porém, transformá-los em recursos patrimoniais e estes, novamente, em recursos e activos empresariais. As tecnologias e as redes digitais permitem, justamente, acelerar esta reconversão e patrimonialização. Aos olhos do observador inteligente os territórios são cristais multifacetados, isto é, podem ser reinventados e recriados de forma continuada. Por outro lado, a cooperação territorial, um recurso acessível e barato, aumenta os activos à nossa disposição e valoriza os elementos que antes podiam ser considerados marginais. Além disso, “se dermos um passo atrás podemos observar padrões na natureza e na sociedade que se reforçam mutuamente” e que são outros tantos sinais distintivos da nossa identidade. Estas breves referências servem apenas para recolocar o problema, ou seja, os territórios têm muitos mais recursos e activos do que nós imaginamos, apenas não foram ainda redescobertos e recompostos pela investigação aplicada. Esta é a essência dos sinais distintivos territoriais (SDT), a arte da recomposição territorial da identidade, que permite novas hermenêuticas territoriais e, portanto, novos significados e significações, ao mesmo tempo que carregam ainda mais valor imaterial para a valorização dos sistemas produtivos locais e regionais.

4. A inserção dos factores imateriais e a inversão das cadeias de valor

O que dissemos anteriormente, a chegada da economia imaterial sob múltiplas formas, é uma grande oportunidade para as convencionais e tradicionais cadeias de valor materiais. Uma indicação geográfica, uma denominação de origem, uma marca com notoriedade, um nome prestigiado, uma paisagem literária, um ícone histórico-cultural, com todos estes sinais distintivos estamos perante “distintos embaixadores” que podem operar uma verdadeira arte da recomposição das cadeias de valor tradicionais. A economia imaterial mas, também, a economia circular e a economia colaborativa jogam aqui um papel decisivo pois abrem a porta a inúmeros factores imateriais e intangíveis que contribuem fortemente para recriar as cadeias de valor hoje existentes. Há mesmo, em muitos casos, uma inversão da cadeia de valor dos territórios, pois é a mais-valia simbólica da economia do imaterial e do intangível que determina a importância e a projeção económica da cadeia de valor. É uma grande oportunidade para as regiões mais pobres em recursos materiais. Os actores-rede serão os intérpretes decisivos na construção social destas múltiplas territorialidades e fundamentais na disputa constante entre lugares e não-lugares de identidade territorial.

5. A integração das internalidades da economia circular na cadeia de valor

“Na natureza nada se cria, nada se perde tudo se transforma”. Tal como a economia do imaterial, também a economia circular transforma radicalmente as cadeias de produção e valor. A sinergia toma progressivamente o lugar da entropia, por duas vias: os resíduos que se transformam em recursos, por sua vez “internalizados” em actividades económicas, e as externalidades negativas que são reduzidas ou eliminadas e que são, igualmente, internalizadas na actividade económica. Na mesma linha de pensamento, uma terceira via diz respeito à economia dos bens adquiridos sob a forma de “propriedade” que se transfere gradualmente para uma economia de serviços sob a forma de “prestação de serviços”. Nesta transição fundamental da “propriedade para o serviço” a economia dos intangíveis passa a ter uma importância fundamental no desenho e na redefinição da cadeia de valor da mercadoria. A produção específica de internalidades é, doravante, não apenas um campo específico de investigação mas, também, uma forma de auto-regulação da cadeia local de valor e ao privilegiar a prestação de serviços é toda a comunidade local que beneficia com essa nova rede de trocas.

6. A inovação e a inclusão como resposta a situações sociais críticas

A inovação e a inclusão sociais são dois aspectos nucleares da nova (i)conomia devido ao efeito devastador que a revolução digital e a sociedade automática e algorítmica irão provocar nas nossas sociedades mais desenvolvidas. Nas grandes etapas do crescimento económico, o desemprego estrutural foi sendo transferido e absorvido pelos sectores emergentes, sendo o terciário, na acepção mais ampla, o último grande recipiente da criação de emprego. Desta vez, não se trata apenas, e sobretudo, de lutar contra a infoexclusão, nem mesmo de promover mais start-ups tecnológicas, esses são os dados adquiridos do nosso problema; mais grave do que isso, trata-se, agora, de lidar com a sustentabilidade dos sistemas de segurança social a médio prazo, com a “mobilidade das diásporas” de todo o tipo, com a recomposição demográfica de “emergência” motivada por fluxos repentinos de refugiados e, ainda, com a descontinuação dos percursos profissionais. Se a inovação tecnológica é fundamental, em face dos cenários sociodemográficos e laborais que se adivinham a inovação e a inclusão sociais serão os factores críticos do próximo futuro.

7. A idiossincrasia dos comportamentos, entre a atenção e a distração

A revolução digital acarreta uma revolução nos comportamentos, se quisermos, uma outra idiossincrasia dos comportamentos individuais, algures entre a economia da atenção e a economia da distração. A velocidade da informação, do conhecimento e do relacionamento é, porventura, o conceito-padrão que melhor cola com a realidade do tempo presente. Dependendo da escolha da velocidade, assim, as consequências antevistas. Se quisermos ir mais devagar podemos saborear com mais proveito a informação, o conhecimento e a cultura, se optarmos por ir mais depressa a velocidade não nos deixa ver a paisagem que se torna quase uma alucinação. Entre uma atenção mais lenta e uma distração mais veloz, o homo screener e connexus andará permanentemente em busca de reconhecimento e congratulação, que vai recebendo em nanodoses extraordinariamente voláteis e aleatórias. Esta é uma opção fundamental, crítica mesmo, por isso nós perguntamos qual o ambiente relacional que estará ao nosso alcance, de tal modo que possamos escolher a dose certa de inteligência emocional e inteligência racional.

8. A imaginação e a investigação ao serviço da arte e cultura das redes

No plano analítico qualquer território está na encruzilhada de três tipos de redes: as redes institucionais, geralmente de geometria fixa, as redes sociais, de geometria variável e as redes funcionais, também de geometria variável. Infelizmente, trocámos o capital social, recurso barato e abundante da cooperação interpares, por capital institucional produzido por estruturas burocráticas do estado-central e do estado-local. A desafeição política que hoje se verifica em quase todos os sistemas políticos domésticos tem a ver com este grave desequilíbrio: o poder reside mais nas redes institucionais e burocráticas do estado-administração e o capital social, mais difuso e inorgânico, nas redes sociais e funcionais. A consequência lógica e a expressão deste desequilíbrio mostram-nos que o activismo político das gerações mais jovens passou a morar nas redes sociais e nas comunidades online onde procura pertencimento, identidade e reconhecimento. Estamos muito longe de uma interacção favorável e positiva entre comunidades online e offline. Há aqui muito trabalho para fazer em matéria de investigação-acção-extensão.

9. A iconografia territorial e a irrupção de uma outra métrica territorial

A explosão da (i)conomia através da produção de novos sinais distintivos territoriais (SDT), aumenta extraordinariamente, esperamos nós, o número e a qualidade das representações que fazemos dos territórios e de cada um em concreto. A iconografia territorial é um discurso de legitimação mas reporta-se, também, a um “território desejado”. Cada território apresenta, assim, potencialmente, múltiplas territorialidades, isto é, converte-se num significante com muitas significações e significados, logo, objecto de muitas geometrias variáveis. Estamos, portanto, perante um problema de escolhas e opções, logo de formação de actores-rede e novos modelos de governança territorial que fazem apelo à arte e ciência das redes sociais.

E finalmente, conciliar ordem com inteligência e imaginação

Os sinais distintivos territoriais (SDT), a economia a três dimensões (E3D) e a constituição de actores-rede alargam o campo de possibilidades dos territórios. Nesta perspectiva diacrónica, a escassez relativa de recursos depende, em primeira instância, da qualidade dos “batedores no terreno”. A (i)conomia, nas suas três dimensões – imaterial, circular e colaborativa – alarga ainda mais a quantidade e qualidade dos SDT disponíveis, ao mesmo tempo que transforma decisivamente a composição das cadeias de valor convencionais e tradicionais. A grande questão que fica por resolver, face à irrupção de multiterritorialidades, é a qualidade do capital social, isto é, a emergência de um actor-rede que seja capaz de conciliar “ordem com inteligência e imaginação”, em benefício dos territórios mais desfavorecidos. Esperamos ter contribuído singelamente para iniciar o caminho que se faz caminhando, trazendo mais amigos para a caminhada.

Professor da Universidade do Algarve