No dia em que falava numa conferência ironicamente intitulada “O Futuro dos Media, o primeiro-ministro descobriu que auricular e telemóvel eram, não dispositivos tecnológicos perfeitamente comuns nesse caminho contínuo para o futuro, mas perigosos instrumentos ao serviço de obscuros manipuladores. Ponhamos de parte eventuais especulações sobre que pensará das maléficas intenções com que se empunham gravadores e câmaras de filmar. Façamos por esquecer a desconfortável sensação de termos um chefe de governo que ainda não se apercebeu de que os jornalistas, principalmente os mais jovens, usam os telemóveis como, antigamente, se usavam blocos de notas, e auriculares para que, algures de uma régie, realizadores e directores possam comunicar com eles porque, sim, pasme-se, jornais, rádios e televisões são feitos em equipa – um pouco como, supomos, os governos. O que mais impressiona nesta intervenção de Luís Montenegro foi mesmo o ter achado boa ideia apresentar um plano de apoio à comunicação social criticando a comunicação social.

Não vamos tão longe a ponto de pedir que nos apareça de auricular – isso sim seria perturbador – mas não havia mesmo um assessor, um conselheiro, um ministro, alguém, que, ehem, lhe soprasse ao ouvido, antes de enfrentar os jornalistas, que aquela talvez não fosse a melhor estratégia? Sem surpresa, rapidamente se espalhou o clamor por novos e velhos media, e depressa o “plano de apoio” ficou a precisar do seu próprio plano de apoio, enterrado debaixo de apelos a um jornalismo “mais tranquilo” e menos “ofegante”.

E é pena, porque até estão ali ideias que vale a pena discutir e fazer chegar, devidamente, às pessoas, que é onde qualquer proposta que tenha pretensões a mudar o que quer que seja, efectivamente, acontece. A ideia de contrariar o monopólio da única empresa de distribuição de jornais, o socorro aos concelhos onde já não existem pontos de venda, o fim gradual da publicidade na RTP que, em menos de nada, pôs laicos e jornalistas a perorar nas redes sociais sobre as verdadeiras intenções do executivo. Porque o fim da publicidade no canal público vai favorecer os privados e isto, para muita gente – estranhamente nem toda filiada no Bloco – é um pecado digno do fogo eterno.

Sim, porque na cabeça de certas pessoas, basta um tostão no bolso para que se opere uma fascinante transmutação oncológica: quando não se tem um tostão, é-se “pessoa” ou “povo”; quando se tem, passa-se, imediatamente, a “privado”. Por isso, não lhes faz confusão ter uma empresa pública, que vai buscar dinheiro a todos, sem lhes pedir, para competir com empresas que só têm o dinheiro de alguns, que o puseram lá voluntariamente. Para elas, jornais, televisões ou quaisquer outras empresas privadas, só são boas, dignas do seu comovente humanismo político, quando estão falidas e, portanto, a precisar que o governo as salve, resgate, intervencione, subsidie, nacionalize, porque são “estratégicas”, representam milhares de postos de trabalho, e então, ai, ai, ai, que capitalismo selvagem é este que as deixa cair, Marx nosso senhor nos acuda.

Todavia, dos quatro eixos que o governo encontra no plano – regulação do sector, serviço público concessionado, incentivos ao sector e combate à desinformação e promoção da literacia mediática – aquele a que mais atenção deveríamos prestar é este último. Porquê? Simples: trata-se de uma rara combinação entre ser a forma mais premente, mais democrática e mais barata de abordar o problema. Entre as medidas apresentadas, conta-se uma comparticipação de 50% do gasto em assinaturas de órgãos de comunicação social generalistas para os cidadãos em geral e de 100% para os 400 mil estudantes do ensino secundário que assim o pretendam. Quão longe estamos dos apoios discricionários do governo Costa, atribuídos a dedo a quem se quis e bem entendeu? E, porém, nada disto terá qualquer efeito prático sem uma sólida campanha de comunicação, bem pensada, financiada e divulgada junto do público e, em particular, nas escolas.

Para o ministro da tutela, trata-se de uma abordagem “holística”, em vez de um conjunto de medidas avulsas, como nunca se viu para o sector. Não iríamos tão longe. Em primeiro lugar, recomendaríamos o uso de termos como “global”, “transversal”, “estruturante” ou outro menos aparentado a um folheto de casa de massagens; em segundo, o que foi apresentado, no essencial, é mesmo isso: um conjunto de medidas avulsas. Ainda assim, podem ser o princípio de qualquer coisa. Se ao menos o primeiro-ministro perceber que não é boa ideia desmerecer um sector no preciso momento em que vem dizer ao país que é urgente salvá-lo.

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