Janeiro
Donald Trump tomou posse e, naturalmente, o êxodo de americanos instalou o pandemónio nas fronteiras europeias. Apenas em dois dias, cerca de trinta e oito cidadãos dos EUA foram identificados a tentar entrar legalmente em Portugal. “Somos turistas”, declarou um deles. “Viemos pelo mar tépido e a beleza das rotundas”. Céptico, o mercado não engoliu a história e os preços das habitações dispararam mais 40%.
Fevereiro
Em mais uma acção de repúdio da emergência climática, do colonialismo e do genocídio em Gaza, activistas da Climáximo atacaram com tinta fresca um grupo de jovens brancos e privilegiados que se pavoneavam no Príncipe Real com telemóveis de última geração. Logo a seguir a uma sessão de guinchos mútuos e estaladas no ar, aperceberam-se de que o grupo era constituído por outros activistas da Climáximo, o que propiciou francas gargalhadas e uma noite no Bairro Alto bem regada a Robbialac.
Março
De norte a sul, registou-se enorme agitação social por causa das manifestações dos cantoneiros, a única classe de funcionários públicos a que o governo não atribuíra benesses. Inflexível, a respectiva Ordem manteve a greve até à satisfação das reivindicações. Durante dezoito longos dias, as ervas daninhas cresceram livremente nas bermas das estradas e nenhum trabalhador utilizou aquelas traquitanas com tubos que sopram as folhas de um sítio para outro sítio ali ao lado. O caos estava iminente. Por sorte, e sensatez, atingiu-se uma plataforma de entendimento.
Abril
Em dias quase sucessivos, Pedro Nuno Santos, Marta Temido e Alexandra Leitão assinaram portentosos artigos em jornais, o primeiro sobre transportes, a segunda sobre saúde e a terceira sobre educação (nos sentidos estrito e lato da palavra). Por motivos desconhecidos do grande público, o artigo do Estripador de Lisboa sobre reinserção social de prostitutas não chegou a sair.
Maio
Um carro lançou-se contra uma multidão em Bruxelas, matando uns tantos e ferindo mais alguns. Como não era um Tesla, a identidade do carro não foi revelada, embora mecânicos de duas oficinas diferentes assegurem tratar-se de uma viatura confiável, e que nada indiciava o trágico desfecho. O carro tinha 8 anos, 140 mil quilómetros, revisões na marca e discos de travão novinhos em folha, além de GPS de origem. A Europol suspeita que o carro, alimentado a gasóleo, sofreu um abalo emocional recente, quando o dono se esqueceu de um catálogo de híbridos no banco de trás. É possível que esse factor, aliado a um problema crónico na embraiagem, contribuísse para a radicalização do veículo. O carro finou-se no acto, que as autoridades hesitam em classificar de terrorista. Não se encontraram ligações entre o carro e uma faca que penetrou os abdómens de quatro transeuntes em Estocolmo, no mesmo dia.
Junho
Perante o espanto da Terra, António Guterres publicou um “tweet” sobre geo-política que não incluía nenhuma condenação de Israel por atrocidades, genocídio ou existência. “Peço desculpa”, escreveu vinte minutos depois, e acrescentou mais uma enérgica denúncia das operações militares israelitas contra os amistosos vizinhos. E não só: para não se dispersar, e com a aprovação da China, do Irão e da pequena Greta, o secretário-geral da ONU resolveu passar a culpar os “sionistas” pelas alterações climáticas, a ebulição global, o inferno climático ou lá o que é.
Julho
O almirante Gouveia e Melo anunciou oficialmente a candidatura à presidência da República, rodeado de tendas simbólicas, indivíduos simbólicos com aventais simbólicos e um “mupi” em cartão de D. João II com o polegar para cima. O apoio de Afonso de Albuquerque não se confirmou. As sondagens davam o ex-CEMA como favorito para alcançar a segunda volta, com quase 3% das intenções de voto, claramente acima do segundo colocado, que conta com 1,2% e a larga distância dos restantes 859 candidatos, alguns ainda em fase de reflexão.
Agosto
Após um imigrante paquistanês ter sido multado em 300 euros por não parar no sinal vermelho, regressou a indignação com os abusos da polícia. Alguns comentadores televisivos declararam que costumam conduzir e já viram indivíduos “racializados” respeitar os semáforos. Outros exigem compreensão para com hábitos culturais distintos, incluindo o de abalroar automóveis que passam no verde. Uma comentadora comparou a aplicação das regras de trânsito a pessoas de etnia “diferente” às práticas de Vlad, o Empalador. Quarenta e sete personalidades assinaram um manifesto irado, que o Público publicou.
Setembro
Devido a salários em atraso, a redacção de O Diário protestou em frente ao Palácio de São Bento com cartazes onde se lia: “A sociedade não dispensa a informação livre!” e “URSS sempre!”. Sendo entretanto informados de que o jornal em causa fechara em 1990, os manifestantes dispersaram sem incidentes.
Outubro
Além da multiplicação das freguesias e da despedida de Rui Moreira com a projecção na câmara do Porto das bandeiras da Palestina, do Líbano, da Síria, do Iémen, do Irão e do Qatar, a maior novidade das eleições autárquicas foi a inclusão, nas listas do Livre, do(a) primeiro(a) candidato(a) transsexual de ascendência ameríndia e que manca um poucochinho da perna esquerda. Terceiro(a) suplente nas listas para a assembleia municipal de Montemor-o-Velho, Yvette Gisela não foi eleita, mas a sua coragem constitui um exemplo duradouro para todos(as) os(as) transsexuais ameríndios e coxos.
Novembro
De intervenção em intervenção, António Costa arrisca tornar-se no mais consensual presidente do Conselho Europeu de sempre: como ninguém percebe nada do que ele diz, seja em português, inglês, francês ou húngaro, não há qualquer risco de as suas afirmações suscitarem discórdia entre os representantes dos países membros. Cada cimeira termina invariavelmente numa harmonia sem precedentes, o que é bom para o futuro da União. Ou, nas palavras do dr. Costa, “what is good for the future of the syndicate”.
Dezembro
O Expresso escolheu o futebolista João Félix para Figura Nacional do Ano, para coroar uma época em que, emprestado ao Salamina Famagusta do Chipre, chegou a alinhar em três jogos, num deles de início. A Figura Internacional do Ano não foi Javier Milei.