Em defesa dos valores humanistas que me norteiam e defendo, gostaria de abordar de uma maneira séria o que é o “bem-estar animal”.
O bem-estar animal pode e deve ser definido de um modo científico, pondo de parte envolvimentos e considerações morais. O bem-estar animal é um estado de completa saúde mental e física, onde o animal está em perfeita harmonia com o meio ambiente que o rodeia.
Os animais não têm direitos – só tem direitos quem tem deveres. E está claro que os animais não têm deveres. Mas isto não quer dizer que o homem não tenha deveres para com os animais. Claro que tem e quais são esses deveres? Resumidamente, existem três classes de animais: primeiro, os animais de companhia, aos quais devemos afecto, carinho, amor se se quiser; segundo, os animais domésticos, aos quais devemos proporcionar boas condições de vida para que eles nos possam dar a carne, leite, ovos, lã, etc.; e, terceiro, os animais selvagens, os quais temos o dever de defender, mantendo os ecossistemas onde vivem para que não desapareçam. Estes são os deveres que nós temos para com os animais.
Toda a ética da corrida (tourada) repousa sobre a ideia da bravura do toiro e a sua legitimidade intelectual, deve ser analisada à luz de uma simples questão: o que é o toiro bravo? É como que uma quarta categoria de animal, porque não encaixa em nenhuma das outras; o toiro bravo não é nem uma coisa, nem uma pessoa, nem um animal doméstico, nem um animal selvagem, é um ser essencialmente bravo.
Estudos científicos confirmaram que este animal, particularmente adaptado para a lide, tem reacções hormonais únicas no mundo animal perante a dor (que lhe permitem anestesiá-lo quase no mesmo momento que se produz), especialmente devido à segregação de uma grande quantidade de beta-endorfinas (opiáceo endógeno). Outra descoberta, que demonstra a singularidade do toiro de lide em relação às outras raças de bovinos, é o tamanho do hipotálamo que é 20% maior que o dos outros bovinos – dado considerável.
Isto explica as causas fisiológicas de um comportamento que torna possível a lide: os aficionados não são indiferentes ao sofrimento do toiro bravo nem de qualquer outro animal. A questão é que eles consideram que a insensibilidade do toiro é a condição que possibilita o seu combate.
Significa que este animal põe o valor intrínseco do seu combate por cima da sua própria dor – e é exactamente isto que o define como bravo.
Além disso, a dor é inevitável, o sofrimento opcional (Buda dixit). E reparem que digo dor e não sofrimento. O sofrimento implica zonas do organismo mais complexas e profundas. No animal não há uma consciência reflexiva que, a existir, aumentaria sem dúvida, o seu desconforto.
Formalmente, o animal não existe, o animal em geral, não existe. Não existe, pois, ética face ao animal em geral. O que existe são espécies de seres vivos. Existem vírus, mosquitos, cães, toiros, homens, etc. Daqui resulta uma moral, uma ética tauromáquica, uma ética aristotélica que é a seguinte: para cada ser, o seu bem supremo pode não ser um estado passivo, pode residir numa actividade pela qual cada ser actualiza as suas potencialidades, pela qual realiza activamente a sua própria essência. É exactamente o que faz o toiro: sendo um ser por natureza bravo, lutador, realiza o seu grande bem lutando e realiza-se plenamente na corrida e pela corrida.
As corridas não teriam nenhum sentido sem a luta do toiro. Ninguém lhe passa pela cabeça organizar uma corrida de toiros com outro animal que não seja da raça brava. Quando o detractor da corrida vê (ou imagina) uma corrida, ele vê um animal sofrendo, ele assiste a um drama patético: os homens divertem-se martirizando um animal. Pelo contrário, quando um aficionado assiste a uma corrida, ele vê um toiro que combate. O toiro não é, para ele, um ser que sofre, mas um ser que naturalmente luta. Aliás, os animalistas, que são tão lestos a pôr os animais a sofrer, deveriam usar a mesma ligeireza e pô-los a falar; perguntar aos toiros (bovinos) o que preferiam: viver 15 ou 16 meses num parque de engorda intensiva com farinhas e depois serem abatidos, ou viverem 4 ou 5 anos em liberdade em sistema extensivo, alimentando-se de pastagem natural a maioria do tempo de vida, e terem a oportunidade de manifestar toda a sua animalidade para serem combatidos numa arena durante 20 minutos.
Francis Wolff é particularmente feliz quando afirma: “Sem dúvida que o toiro não quer combater, mas não porque seja contrário à sua natureza lutar (tudo o contrário!), mas porque o que é contrário à sua natureza é o querer!”. Aliás, a falácia usada pelos animalistas que dizem que o toiro só investe porque está circunscrito a uma arena fechada, reflecte mais uma vez a total ignorância sobre a natureza deste animal: se toureado em campo aberto, onde tem todo o campo do mundo para fugir, ele continua a investir; comporta-se exactamente da mesma forma que o faz na arena.
Parece-me um acto de terrorismo cultural, um Chernobyl intelectual do século XXI, tentar proibir uma das poucas obras de arte que o homem cria com um animal e que apaixona tantas multidões. Não existe, nem existirá uma directriz universal, absoluta, verdadeira e inquestionável sobre o que está bem ou mal.
Sem dúvida que a corrida de toiros não é moderna, não porque não seja do nosso tempo; é ao contrário: é porque o nosso tempo não está já na “modernidade”.
A modernidade, no sentido estrito, acabou no final dos anos oitenta do século passado, com a queda das ideologias. Lembram-se? Foi no princípio dos anos 90 que a palavra qualidade começou a substituir a palavra quantidade.
O que alguns começaram a chamar de “pós-modernidade”, ou contemporâneo, opõe-se ponto por ponto à modernidade. Pode ser que a corrida de toiros não seja, nem nunca tenha sido “moderna”, mas seguramente encaixa perfeitamente no “contemporâneo”. O moderno está ligado ao progresso ”velocidade”, à industrialização sistemática (onde se inclui a produção de carne intensiva); o contemporâneo e a corrida de toiros estão ligados à biodiversidade, à ganadaria extensiva de bravo, ao equilíbrio dos ecossistemas.
A tauromaquia continua a existir pelas suas capacidades de adaptar-se ao contemporâneo ou pós-moderno. É uma arte de sensibilidade e enquanto não houver dissonância entre as emoções que gera, o espectáculo taurino e as emoções da nossa época, nada nem ninguém poderá actuar com eficácia contra a Festa dos Toiros. Por isso, a tauromaquia está condenada à pós-modernidade ou contemporâneo. Na verdade, por trás da Festa existe todo um culto amoroso e delicado em que o toiro é rei.
Além disso, a pegada ecológica do toiro bravo, ao exigir poucos recursos em extensões grandes, multiplica a biocapacidade das propriedades, isto é, dos seus recursos ecológicos disponíveis. A maioria das explorações intensivas tem défice ecológico (consomem mais recursos do que produzem), enquanto que o montado tem um superávite ecológico que ainda nem se quantificou.