Segundo dados do INE divulgados na semana passada, em 2025 os trabalhadores só vão poder reformar-se a partir dos 66 anos e 7 meses.

Alguns factos: a) a idade de reforma tem aumentando progressivamente; b) tenho 46 anos e meio; c) com a evolução demográfica em Portugal a tendência é em breve haver um contribuinte por pensionista; d) a maioria dos jovens entra no mercado de trabalho depois da licenciatura de 3 anos. Na posse dessas informações, é possível afirmar com confiança que na semana passada nasceu o bebé que, daqui a 21 anos, quando eu me reformar e ele arranjar o primeiro emprego, vai começar a descontar para me pagar a pensão.

Antigamente, por cada aposentado havia 4 ou 5 trabalhadores a descontarem para a Segurança Social. Era uma espécie de vaquinha, que tornava a relação mais impessoal. Agora, não. Cada reformado tem apenas um contribuinte a pagar-lhe a pensão e isso cria uma maior afinidade. A relação entre um reformado e o trabalhador que o suporta seria umbilical, se fosse o bebé a alimentar a mãe.

É por isso que tenho curiosidade em conhecer o petiz que me vai pagar as contas na velhice. Quem será este jovem? Que tipo de vida terá até à idade adulta? Onde viverá? Para conseguir imaginá-lo, preciso de lhe dar um nome. Chamar-lhe-ei Joaquim. Joaquim Tribuinte. Conhecido por todos como Quim Tribuinte. Um nome que é destino, na medida em que a qualidade do meu trabalho, demonstrada pelo trocadilho que fiz para se aproximar de “contribuinte”, obriga a que o rapaz trabalhe muito para eu conseguir sobreviver à custa da pensão.

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Quim Contribuinte. Um nome que soa alentejano. O que quer dizer que o Quim deve ser natural do Km27 do IP2. Foi onde encostou a ambulância que transportava a mãe, quando andava entre Évora e Beja à procura de uma maternidade aberta. É um rapaz que nasceu logo a apanhar com força. O bombeiro que o trouxe ao mundo teve de lhe mandar várias palmadas no rabo até ter a certeza de que o Quim estava a chorar. Com o barulho dos carros na via rápida, não conseguia ouvir.

Neste momento, vive no T1 que partilha com os pais, três irmãos e a avó. Como se sabe, o alojamento local em Lisboa é responsável por não haver habitação no Baixo Alentejo. É uma casa que vai conhecer muito bem nos próximos anos, pois não há lugar para ele na creche da área de residência. Apesar de terem mudado a lei para acomodar mais crianças, já não há prateleiras para todas. A sorte é que a mãe é professora do liceu e, sempre colocada em escolas na outra ponta do país onde acaba a ter de pagar para trabalhar, prefere ficar em casa a tomar conta dos filhos. Nem todos são tão afortunados.

Aos 6 anos começa o seu percurso académico na escola pública ao pé de casa. É uma escola sem condições mínimas, onde chove no Outono, faz frio no Inverno e chove e faz frio na Primavera, porque o aquecimento global escangalhou o clima e está sempre mau tempo. Felizmente, entre atrasos nas chegadas dos professores, greves de professores depois de chegarem, greves de funcionários quando não há greves de professores, greves de transportes quando não há greves de professores nem de funcionários, o Quim só tem oportunidade de apanhar a primeira pneumonia em Março do segundo ano de escola. Começa então a saga do SNS. Como o Quim não tem médico de família, todas as primeiras segundas-feiras do mês o pai tem de dormir à porta do Centro de Saúde para poder marcar a consulta de pneumologia que ele precisa. Como o seu não é o único pai a ter de se sujeitar a isso, é raro o Quim conseguir ter uma consulta marcada. Por isso é que, com 10 anos, já vai conhecer todas as urgências hospitalares a sul do Tejo. Só não conhece mais porque, sem eleições à vista, o Governo já pôde carregar forte no IUC dos carros velhos e os pais tiveram de vender o chaço. Para ir às urgências, é preciso que a que está a funcionar esteja no caminho de uma carreira de autocarro. Às vezes, muito de vez em quando, as estrelas alinham-se e o hospital aberto é servido por um autocarro cuja paragem está protegida do frio e do vento. Por azar, nesses dias o Quim nunca fica doente. “Parece que faz de propósito, o miúdo!”, reclamará a mãe.

Quando chegar ao 12º ano, o Quim vai perceber que entre as aulas que não teve por faltarem professores, por a escola estar fechada ou por ter estado doente, na realidade só tem o 9º mal amanhado. Mas, como vamos estar em 2041 e no ensino superior vai haver três vezes mais vagas do que candidatos, o Quim vai obter uma bolsa para o Politécnico da Vidigueira, onde se licenciará como Técnico de Design das Redes Sociais. Em Setembro de 2044, ao abrir o seu primeiro recibo de vencimento, constatará com surpresa que dos 1000 euros de salário que pagam a um caixa da Mercadona, quase 150 vão para a Segurança Social. Ou seja, para mim.

Talvez não tenha sido boa ideia querer saber que é o meu contribuinte. Agora estou com pena do rapaz. Não me sinto bem a aceitar o seu dinheiro. Deixa estar, Quim. Não te preocupes. Eu cá me arranjo. Guarda para ti. Poupa para o teu filho. Ele vai precisar de ajuda para sustentar os 7 pensionistas que lhe vão calhar. Boa sorte, rapaz!