Números do INEM (Instituto Nacional de Emergência Médica), em 2022 houve 6.280 feridos resultantes de acidentes em “mobilidade suave”. Destes, 4.254 em bicicleta, 1.691 em trotinete, e 335 em skate (aparentemente, um dia alguém decretou que o skate é uma forma de “mobilidade”). Um em cada três destes feridos foi considerado grave. A maioria dos acidentes aconteceu no verão, durante os meses de Julho e Agosto; e nos concelhos de Lisboa, Porto, Gaia, Cascais e Coimbra. Isolemos as bicicletas, porque só elas determinaram alterações no traçado das ruas; e comparemos com anos anteriores. Em 2019, houve 1.510 feridos em acidentes de bicicleta; em 2020, houve 1.970 (mais 30%); em 2021, houve 3.004 (mais 52%); e em 2022, como já vimos atrás, houve 4.254 (mais 42%). Números sempre a subir, com ou sem pandemia; variações entre os 30% e mais de 50% de um ano para o outro. Cada vez mais acidentes e mais feridos, cada vez com mais ciclovias. Pior: João Varandas Fernandes, cirurgião e director de ortopedia do Hospital de São José, combinou recolher informação, com a Autoridade Nacional para a Segurança Rodoviária, sobre as vítimas de acidentes de “mobilidade suave” que entrem nos hospitais de São José, Santo António dos Capuchos, Santa Marta, Dona Estefânia, e Curry Cabral. Está convencido de que os números reais “podem ser cinco vezes superiores”.

Como é que estes números não aparecem nos jornais e televisões? Todos os dias somos agredidos com notícias alarmantes de acidentes de automóvel. Porque será que os acidentes de bicicleta não fazem notícias? Por uma razão dogmática: é tabu. Porque as bicicletas não são um meio de transporte ou um recurso de mobilidade, são uma ideologia. Das mais ferozes. Ninguém ousa levantar um dedo contra os prosélitos das bicicletas. Dentro da esquerda, tornaram-se o grupo mais agressivo.

Ainda assim, para conhecermos bem a cara do problema, falta informação importante. Um exemplo: dentro de Lisboa, ou do Porto, quantos feridos resultaram de acidentes em bicicleta e quantos em acidentes de automóvel? Não conheço a resposta, mas suspeito que serão muito mais os de bicicleta. Caso contrário, os números sabiam-se. Outro exemplo: quantas pessoas deixaram de usar carro particular para passar a andar de bicicleta? Também suspeito, pelas mesmas razões, que será um número ridiculamente baixo. Caso contrário, seria exibido. Uma e outra informação dariam reportagens, capas de jornais, aberturas de noticiários nas televisões.

As cidades do norte da Europa são planas, por isso se popularizou o uso de bicicletas em Londres, Amsterdão, ou Paris, sem esperar pela construção de ciclovias. As cidades portuguesas, de génese defensiva, nasceram e desenvolveram-se em volta de fortificações no topo de colinas. Por isso os hábitos não foram nem nunca poderão tornar-se iguais. Aqui só funcionam bicicletas eléctricas, um eufemismo para motas de baixa cilindrada. Aos onze anos tive uma mota com pedais; andava a gasolina, no alcatrão, e ninguém lhe chamava bicicleta. Insistir em ciclovias, na maior parte das cidades portuguesas, é uma fantasia que a esquerda conseguiu impor para uma mudança de hábitos inteiramente artificial. E sistematicamente rejeitada.

A esquerda não quer saber do planeta, da “pegada de carbono”, das “alterações climáticas”, do ambiente ou dos combustíveis fósseis. Se quisesse não apoiava as greves dos comboios e do Metro, os dois únicos transportes simultaneamente colectivos e movidos a energia “limpa”. Nada disso interessa à esquerda. As bicicletas são o pretexto que a esquerda encontrou para legitimar os obstáculos à circulação de carros particulares. Podia ser com canteiros de loendros. Os carros particulares são um símbolo da independência burguesa face ao Estado e uma extensão da liberdade individual, que a esquerda detesta do fundo do coração. De maneira que as câmaras municipais andam a construir ciclovias dizendo que fazem políticas “com as pessoas e para as pessoas”, mas não fazem. Fazem ciclovias, com base numa ideologia e contra o capitalismo. São principalmente usadas por estafetas das empresas de entregas.

Convém esclarecer que a questão não está no uso da bicicleta, uma escolha respeitável. Nem sequer está em causa que os poderes públicos facilitem as condições de conforto e segurança para quem quiser andar de bicicleta. O ponto está em que a bicicleta não é uma solução para a mobilidade urbana – numa população progressivamente envelhecida – como é o transporte colectivo, público ou privado, e o carro particular. E a bicicleta só está nessa lista por razões ideológicas, imposta pela esquerda e pelos grupos de pressão controlados pela esquerda. Se dependesse da ditadura woke – no fundo, a única esquerda que existe hoje em dia –, os loendros também contavam como recurso de mobilidade urbana. As ciclovias servem para entupir o trânsito e infernizar a vida a milhares de pessoas em nome de um grupo muito pequeno e minoritário. Mas muito vocal, muito fanático, muito puritano e muito colérico.

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