O mundo de hoje sente-se mal consigo próprio. Os seus intervenientes nunca estão satisfeitos. Todavia, é importante que assim seja. É sempre bom ver a sociedade lutar por causas meritórias, como melhorias nas condições laborais ou, ainda que distante dos dias de hoje, pelo direito ao voto feminino. No entanto, para desconforto de muita gente, incluindo o meu, parece-me que nos dias de hoje, as causas pelas quais se lutam, pouco ou nada representam o bem-estar comum.
Recentemente fomos confrontados pelas alterações do mundo dos Oscars. Foi definido que para um filme ser candidato aos Oscars, deveria, obrigatoriamente, cumprir uma série de requisitos raciais – as famosas quotas. A academia americana decidiu mudar as regras do jogo, alegando estar a contribuir para um mundo mais inclusivo. Um disparate. Por exemplo: se hoje fosse o ano de 2024 – data em que as regras entram em vigor – o vencedor de melhor filme em 2011, o “O Discurso do Rei”, que não cumpre nenhum dos novos requisitos impostos, estaria, automaticamente fora dos candidatos.
Mas qual a razão de isto estar a acontecer? O movimento de desconstrução ocidental, protagonizado por uma classe que tudo pretende relativizar, alicerçada a certos movimentos radicais, como o BLM, entende que a civilização chegou a um ponto de estagnação e equilíbrio e que, por isso, é tempo de remover todas as suas imperfeições e instaurar um mundo onde impere a igualdade – custe o que custar, não olhando a meios e a consequências. De uma forma menos complexa, estas pessoas estão zangadas. Ao ponto de cometerem atrocidades em nome da inclusão.
Platão dir-nos-ia que um homem só consegue ser homem, quando está bem consigo próprio e, posteriormente, se consegue transformar em algo melhor ou pior. Mas estará o homem assim tão mal consigo próprio? Até que ponto?
Li há uns dias, incrédulo, que a universidade de Oxford se prepara para excluir algumas obras do seu reportório musical por, e pasme-se o leitor, serem demasiado coloniais. Ao que parece as sinfonias de Mozart são incomodativas para os estudantes negros, causando-lhes um sofrimento profundo quando as ouvem. Talvez preferissem Anselmo Ralph, não sei.
Lê-se, no Daily Mail, que a “música branca europeia” é, agora, considerada supremacista. Uma universidade que nos deu John Locke, Thomas Hobbes, Benazir Bhutto, Adam Smith entre outros, preocupa-se agora que os seus alunos fiquem incomodados por ouvir Ludwig Van Beethoven, o que não deixa de ser irónico, uma vez que a sua obra é conhecida por representar a liberdade política e individual.
Após ler a notícia em cima referida, procurei saber mais sobre o assunto. Não fiquei surpreendido, como certamente o leitor não ficará, ao saber que toda esta polémica começou em virtude dos apelos do movimento Black Lives Matter. Sim, isso mesmo. Um movimento que tinha tudo para ser bem sucedido, prudente nas reformas que idealizava e merecedor de um respeito universal, conseguiu cair na desgraça de se tornar, como muitos outros anteriores a si, num mísero movimento político que procura impor a sua nova vontade. Quem não concordar, das duas uma: ou é racista ou é ignorante.
Nunca lhes passou pela cabeça, que acusar uma universidade de passar reportório musical que não é do seu agrado, é, coincidentemente, um atento à liberdade de ensino?
Toda esta polémica fez-me recordar um dos períodos mais negros (se me permitem a expressão) da nossa história: na Alemanha nazi, os discos de jazz estavam proibidos ao público. A justificação de um dos governos mais sangrentos da história da humanidade é, em parte, semelhante ao argumento utilizado pelo movimento BLM: os melhores músicos de Jazz eram negros, e os nazis tinham a necessidade de difamar tudo o que não fosse bem-feito por alemães – arianos de preferência. Porquê? Porque, à semelhança do BLM, a música produzida por negros era uma ameaça aos seus fins de propaganda. Basta trocarmos a palavra Nazis por BLM e a palavra Negro por Branco, para chegarmos à mesma conclusão. Também o BLM tem a necessidade de difamar tudo o que seja produto de um homem branco, em razão da sua nova autoridade de luta contra o racismo. Mozart, Beethoven e Johann Bach, todos eles homens do seu tempo, ícones da música clássica, são hoje ostracizados por algo completamente perverso e sem fundamento.
Calma. Acredito que alguns dos leitores estejam indignadíssimos por eu comparar os Nazis aos BLM. Não é nada disso. Se lerem outra vez, irão perceber que pretendo fazer uma mera comparação entre duas situações. Nos dias que correm é importante eu fazer essa ressalva, e talvez seja aí que o problema reside.
Os dois casos discutidos têm dois pontos em comum: o primeiro, logicamente, deve-se ao facto de ser protagonizado por movimentos perversos e frustrados; o segundo, mas não menos importante, mostra-nos que ambos os casos se passaram no estrangeiro. Ainda assim, desengane-se o leitor que acredita que o mesmo não se vai passar em Portugal. Aliás, já se passou, de uma forma ligeira e despercebida, quando uma investigadora considerou que existiam passagens racistas nos Maias de Eça de Queiroz, alertando que a obra deveria conter notas pedagógicas.
Foi o primeiro vento de mudança. Por daqui a uns anos, quando o processo inclusivo-antiracista-igualitário-frustrado estiver concluído nos EUA, no Reino Unido e em França, chegará cá, em força, pela mão daqueles que já hoje ganham notoriedade a dizer alarvidades em praça pública.
Aposto com o leitor que a primeira obra a ser retirada das estantes da Torre do Tombo será os Lusíadas de Camões. Porquê? Representa tudo o que estes movimentos condenam: escrito por um homem branco, oferecido a um homem branco, enaltecendo os feitos de um herói branco, acompanhado por homens brancos, sobre um povo de homens brancos. A receita perfeita.
Xeque-mate.