Gosto de ler. Sou daquelas pessoas que prefere o cheiro a um livro do que o estrear de uma nova série. Bem sei que atualmente tal preferência pode ser considerada ofensiva perante a fervorosa comunidade Netflix, mas há ligações que só os livros podem imortalizar.

Acredito cegamente que os livros têm alma. A alma do escritor e do leitor, a alma do alfarrabista e do comprador, a alma daquele que chora e daquele que sorri. Todas essas almas, muito próprias por vezes, muito distintas por outras, cruzam-se sempre nas mesmas linhas e nunca, em situação alguma, se deixam desaparecer pelo terminar de um parágrafo. Os livros têm sonhos, mas não possuem dono, quando muito, são eles que possuem o dom de ser donos de alguém. E é isso que os torna únicos.

Infelizmente, são cada vez menos os que pensam assim. Tenho várias conversas sobre quais as razões que levam as pessoas a ler menos. Os argumentos variam entre a falta de tempo, a escassez de vontade ou até mesmo a sonolência impiedosa que os atormenta ao carregarem um livro. Como é isto possível? A primeira razão que me vem à cabeça é a preguiça. Ainda assim, esse fator não pode ser suficiente para que as livrarias já não ostentem o estatuto de outrora, nem tão pouco as receitas do século passado.

Por volta desta altura, todos os anos, dedico-me a explorar quais os livros mais galardoados e lidos por todo o mundo no decorrer do ano presente. São vários os prémios que existem: uns premeiam a carreira dos autores, outros um livro em específico. Acontece que, após uma consulta rápida, deparei-me com aquela que considero ser a razão que leva à falta de leitores em Portugal.

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Quase todos os prémios e listas, desde a conceituada New York Times Book Review, ao prémio de Jerusalém, ao Prémio Nobel para a Literatura, até ao Prémio Pulitzer continham algo em comum: nenhuma das obras/autores vencedores desse ano tinha sido traduzida recentemente para português. Através desta nova realidade, fiquei a refletir sobre se a culpa recaía inteiramente sobre os preguiçosos que não aguentam duas páginas sem bocejar, ou se, por outro lado, deveria ser repartida entre as editoras e os leitores.

Após verificar que nenhum dos dez livros da New York Times Book Review fora traduzido, decidi explorar aqueles que tinham sido os livros mais vendidos em Portugal durante 2021. Não foi com surpresa que constatei que lista é composta por livros de culinária, banda desenhada, esoterismo e apoio pessoal. Para piorar a situação, estima-se que, em média, cada português leia apenas um livro por ano. É escusado dizer que as editoras não têm mercado para publicar o que é realmente bom, pois haverá sempre aqueles que preferem mergulhar dentro de um mundo de imagens, sobre palavras desconhecidas e personagens que se tornam íntimas sem nunca as conhecermos.

Consumados os factos, podemos considerar que as editoras não oferecem aos leitores as verdadeiras obras de arte da atualidade, e que, coincidentemente, os leitores portugueses pouco ou nada se importam com isso, preferindo absorver conhecimento através de como cozinhar a melhor tarte de limão. Mas nem todos, e é importante que haja essa consciência.