O que distingue o programa e a ação dos partidos políticos é cada vez mais difícil de definir. Os governantes são gestores dos recursos públicos e, quando na oposição, alimentam sempre ilusões de que chegados ao poder, os podem utilizar da forma que consideram ideal. É nessa altura que reparam, com espanto, que a quase totalidade dos meios está comprometida. Na impossibilidade de modificar os grandes envelopes de despesa, não sendo possível encontrar novas fontes de receita sem esportular grupos sociais ou os cidadãos no seu conjunto, têm então de se dedicar a problemas menos dispendiosos. Surgem assim os temas fraturantes.

Todas as áreas políticas plantam os “seus” temas fraturantes na agenda, e defendem-se como podem daqueles que são plantados pelos opositores. Para que um tema fraturante seja bom é necessário que tenha solução difícil, ou que não seja sequer resolúvel, mas que floresça só com o enunciado. Deve tratar-se de uma questão complexa, que mexa com a vida naquilo que ela tem de íntimo. Mais importante ainda é que potencialmente atrapalhe os opositores. O objetivo prioritário não é o de encontrar uma solução, nem o de procurar um novo consenso social à volta dela, mas apenas o de erguer uma bandeira atrás da qual se espera que os eleitores se agrupem.

A relação dos adolescentes com o sexo é um desses temas que causou muita celeuma há algum tempo. Existem jovens que não se identificam como heterossexuais, alguns dos quais são alvo de “bullying” em ambiente escolar. As casas de banho das escolas secundárias, particularmente as masculinas, são um local onde algumas destas tensões se concentram. Estamos a falar de complexidade, de ausência de soluções óbvias e de sofrimento individual. Matéria-prima apetecível para um tema fraturante, aqui agitado pela esquerda política.

Num despacho de 2019, o então Ministro da Educação escrevia: “As escolas devem garantir que a criança ou jovem, no exercício dos seus direitos, aceda às casas de banho e balneários, tendo sempre em consideração a sua vontade expressa e assegurando a sua intimidade e singularidade.” Estava lançada a guerra das casas de banho mistas. O que se esperaria de um “despacho” é que indicasse de forma objetiva o que as escolas devem fazer e não que enunciasse princípios gerais como “assegurando a sua intimidade e singularidade”. Sabemos bem que a indefinição nas leis é, por natureza, uma atribuição do Parlamento e o alimento preferido dos gabinetes de juristas.

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Afastemo-nos, por favor, deste assunto como um tema de pequena política, concentrando-nos naquilo que vale a pena preservar: a individualidade e o potencial de felicidade dos adolescentes.

Pode dizer-se que a existência de casas de banho públicas acessíveis, organizadas por sexos, e limpas com regularidade, corresponde a um excelente objetivo, que nunca foi integralmente cumprido em muitas dos estabelecimentos de ensino que frequentei ao longo da minha vida. Apenas se encontram nos países de maiores rendimentos e nestes só nas escolas mais bem localizadas. Encerram em si uma área privada e uma área social, que rapazes e raparigas utilizam de acordo com os seus hábitos de socialização.

Nos Estados Unidos e no Reino Unido, por pressão de ativistas da “identidade de género”, começaram a ser criadas, em estabelecimentos escolares, casas de banho sem divisão por sexo (degendered toilets), imediatamente questionadas tanto por grupos conservadores, por atentarem contra o pudor, como for grupos feministas por aumentarem os riscos para as mulheres, e por estas identificarem um modo masculino e um modo feminino, muito diferentes, para a utilização destes espaços.

Qualquer questão que envolva uma situação percebida como discriminação por um grupo social, mesmo minoritário, pode e deve ser alvo de intervenção pública. Caso essa questão envolva adolescentes em ambiente escolar a preocupação deve ser maior e, na medida das opções possíveis, deve ser protegida a sua individualidade. E isto aplica-se a todas as formas percecionadas como discriminação, e mais ainda se envolverem violência.

A “guerra das casas de banho” percorreu as redes sociais, intensificou paixões e alimentou exageros de tipo vário. Contudo, se o objetivo for o de proteger a individualidade, a solução parece simples: havendo meios é natural que no futuro todas as casas de banho sejam individuais, higiénicas, isentas de pressão social de qualquer tipo, e que se separem as funções que asseguram o princípio físico da continuidade, das zonas de convívio.

Se quisermos encontrar soluções que diminuam as situações de infelicidade, de assédio, de violência, ou outras manifestações da malvadez coletiva em ambiente escolar, podemos fazê-lo de forma muito consensual. Se não quisermos, se o objetivo for agitar bandeiras de vários tipos, então temos aqui muito com que nos entreter. Mas pensem por um instante num jovem que não conhecem, que se não enquadra realmente no seu grupo, e se sente profundamente infeliz. É só ele que nos deve mover. Com bom senso.