Por estes dias houve mais um caso de nomeações políticas: toda a estrutura dirigente da AICEP, nomeada há cerca de um ano, foi substituída. A que se deve esta alteração? Os anteriores dirigentes não cumpriram a sua missão? O novo ministro da Economia quer dar uma missão diferente à AICEP? Não me parece. O principal argumento é que o governo quer dar uma “nova dinâmica” à agência, algo completamente vago. O governo tem certamente um Excel com todos os titulares de cargos dirigentes na administração pública, a sua filiação partidária e a data de tomada de posse. A prioridade para as substituições de dirigentes parece estar a ser a conjugação de três critérios: preferência partidária (AD ou IL), se possível permanência no cargo inferior a um ano e serem dirigentes de estruturas muito relevantes quer pelos empregos diretos que oferecem, quer pelos fundos que canalizam para entidades privadas, ou do terceiro setor, e que poderão mais tarde beneficiar o atual partido no poder. Esta atitude, dispendiosa e não assente no mérito, parece ser o paradigma da governação do país nas últimas décadas, independentemente do partido que ocupa as cadeiras do poder.

Nas democracias avançadas existem dois casos limite acerca da nomeação e exoneração de dirigentes da administração. Um é o dos EUA, em que com a tomada de posse de uma nova administração todos os dirigentes são substituídos. O caso oposto é o de países, como a Dinamarca, em que nada muda na administração quando mudam os titulares de cargos políticos. Há bons argumentos para pensar que nenhum dos modelos é o ideal se ponderarmos a importância, por um lado, da competência técnica, e por outro, da confiança política. Há claramente casos em que o único critério que deveria prevalecer é o da competência técnica em várias valências. Pense-se no caso de diretor da Biblioteca Nacional. Trata-se de um cargo em que não se justifica a necessidade de confiança política do titular do cargo político. Deverá sim haver uma carta de missão a cumprir sendo tarefa do dirigente executá-la da melhor forma. Há outras situações de cargos dirigentes em que a confiança e lealdade pessoal e política parecem necessárias, a par da competência técnica que deve sempre existir. É o caso, por exemplo da Direção Geral de Política de Justiça, sobretudo se houver uma alteração acentuada em termos programáticos da missão daquele organismo. Deveria, assim existir, para as centenas de cargos dirigentes existentes, uma distinção clara entre, por um lado, cargos dirigentes com perfil essencialmente técnico, em que os processos de seleção devem ser mais exigentes do ponto de vista técnico, e, por outro, cargos dirigentes com perfil mais político. Na minha breve passagem na Assembleia da República como deputado não inscrito, apresentei precisamente um projeto-lei (1198/XIII) nesse sentido. A ideia que na altura defendi, e que mantenho, é acabar com a total discricionariedade que existe atualmente na nomeação dos dirigentes, premiar e dar maior estabilidade aos cargos de perfil mais técnico, e fazer associar de forma mais direta o mandato dos cargos dirigentes de perfil mais político com o mandato dos titulares de cargos políticos para assegurar um alinhamento claro entre as orientações políticas e a sua execução.

Também as indemnizações devidas às pessoas exoneradas deveriam ser mais transparentes. O governo exonera dirigentes e na maioria das vezes não divulga o custo dessas compensações. Ora os governos devem suportar o custo político das suas decisões, sobretudo quando envolvem dinheiro de todos nós, contribuintes.

Temos um governo minoritário que, como se acaba de ver com o exemplo do IRS, tem e terá propostas suas rejeitadas. Não me parece fazer sentido que um governo que governa nestas circunstâncias ambicione fazer reformas estruturais – como esta que aqui proponho para a seleção de cargos dirigentes – de forma unilateral. Quer porque não tem legitimidade democrática para o fazer, quer porque não tem eficácia para as aprovar. Mas precisamente por isso, o que faz sentido é o governo dialogar com os partidos democráticos da oposição, para encontrar compromissos reformadores nalgumas áreas entre as quais a reforma da administração. Se este governo cair daqui a dezoito meses, vamos assistir a uma nova dança de cadeiras? É assim que queremos dar estabilidade e um futuro às políticas públicas?

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PS O projeto-lei 1198/XIII, acima referido, obviamente que pode e deve ser melhorado. A questão essencial que o legislador deve ponderar é se faz ou não sentido distinguir dois tipos de cargos dirigentes e se sim, como argumento em detalhe no preâmbulo do diploma, a forma de efetivar essa distinção.