1. Foi anunciado que se reiniciam no próximo dia 15 as negociações com os professores e foi aprovada uma norma no Orçamento de Estado que diz que “a expressão remuneratória do tempo de serviço…. é considerada em processo negocial com vista a definir o prazo e o modo para a sua concretização, tendo em conta a sustentabilidade e compatibilização com os recursos disponíveis”.

O que está em causa, como já se percebeu, não é o descongelamento das carreiras, que se efetivará a partir de 1 de Janeiro de 2018 para todos os trabalhadores em funções públicas. Não é o incumprimento do programa de governo que está a ser cumprido (reversão de cortes e descongelamento respetivamente na primeira e segunda partes da legislatura), nem dos acordos do PS com os partidos à sua esquerda. O que está em causa é algo inteiramente novo e distinto que é o problema do que poderemos chamar de “retroativos”, isto é, como considerar o tempo em que as carreiras estiveram congeladas, em carreiras onde o tempo de serviço é um factor preponderante, onde só existe uma categoria e a progressão se pode fazer do primeiro ao ultimo “escalão” . É uma injustiça apagar esse tempo de serviço? É. Uma injustiça que deve ser contextualizada nas outras injustiças cometidas durante o período de austeridade: os que ficaram desempregados, os que viram as suas empresas irem à falência, os jovens que foram forçados a emigrar. Lidar com essa injustiça exige ainda que se considere a situação financeira do país. Apesar das boas recentes notícias, não esqueçamos que o elefante (dívida pública) continua no meio da sala. Este problema é uma questão de justiça distributiva que se deve resolver politicamente. Não é uma questão sindical é, antes de mais, uma questão política de elevado impacto social e orçamental que deveria ser resolvida politicamente nas suas linhas gerais por Costa/Centeno com o acordo de Catarina e Jerónimo. A negociação com sindicatos deveria ser subsequente à negociação política e trataria dos detalhes.

2. Surgindo um tópico novo trazido pelos sindicatos – os “retroativos” – não vejo como o governo não traga para a negociação outro tópico novo: o estatuto da carreira docente (ECD). Esta legislatura fez já, logo no início, uma alteração cirúrgica ao ECD ao abolir a Prova de Avaliação de Conhecimentos. Não acompanhei no voto o PS, BE, PCP E PEV nessa votação parlamentar pois o que estava no programa de governo era a suspensão e reavaliação dessa prova, não a sua abolição. Considero que mais importante que a avaliação de professores, sempre difícil, é a formação e a seleção de docentes e uma diferenciação da carreira em duas categorias. No limite, se tudo isto existisse e fosse bem feito nem era preciso avaliação.

Aquilo que muita gente não percebe é porque é que a carreira de professores do básico e secundário só tem uma categoria. Até há bem pouco tempo a carreira dos professores universitários tinha cinco (de assistente estagiário a catedrático), sendo necessário mestrado e doutoramento para se aceder a professor auxiliar e a partir daí as promoções por concurso. Será que, como diz a Lei Geral de Trabalho em Funções Públicas, não há diferenciação funcional que o justifique? Será que devemos equiparar um professor que se limita às exigências curriculares indispensáveis e às atividades docentes mínimas, a um professor que obtém graus académicos adicionais (mestrado ou doutoramento), que publica artigos científicos ou livros recomendados para as suas disciplinas ou livros de divulgação científica, que tem, ou teve, responsabilidades de gestão na escola ou é coordenador de área pedagógica, para além de todo o serviço normal de leccionação e avaliação? Parece evidente que não, ou seja, que deveriam existir duas categorias na carreira docente pois é uma injustiça tratar de forma idêntica professores competentes, dedicados, empenhados e esforçados a par de professores que se podem limitar a fazer os mínimos.

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3. O fracasso de Maria de Lurdes Rodrigues em implementar as duas categorias (com a criação do professor Titular) deveu-se ao facto de ter associado a nova categoria, entre outros factores, à avaliação de desempenho, e aquela que quis implementar era completamente inadequada. Os professores revoltaram-se, com razão, contra o sistema de avaliação que lhes foi proposto e de arrasto foi “com a água do banho” a carreira com duas categorias. As coisas não tinham, nem têm de estar ligadas. Nas carreiras do ensino superior sempre houve, até recentemente, várias categorias sem avaliação, mas com concursos. E é assim que poderá ser retomada a questão do ECD, desligando as categorias da avaliação, se se quer ter uma solução sustentada e justa para o emprego público na educação (básico e secundário). Não havendo, no curto prazo, condições políticas para avançar com a segunda categoria, resta pensar em alterações cirúrgicas na carreira unicategorial que façam que só os melhores e mais dedicados cheguem ao topo da carreira. O problema das longas carreiras unicategoriais é que criam a expectativa de que todo e qualquer soldado chega a general. É muito útil comparar a carreira do ensino básico e secundário (EBS) à carreira unicategorial de técnicos superiores (TS). A principal e não despicienda desvantagem da primeira é que os professores podem ser colocados em todo o país, e mesmo quando pertencem a um quadro de zona pedagógica podem ficar a 250 km de casa. A principal vantagem é precisamente a progressão na carreira. Em ambas as carreiras chega-se à mesma remuneração máxima no topo da carreira, no caso do EBS ao fim de 10 escalões e nos TS ao fim de 14. Um trabalhador TS entrando no 2º escalão (mais usual) e avaliado com o SIADAP sempre com “adequado” nunca chegaria ao topo (levaria 120 anos). Já um professor do ensino secundário com menção de Bom e frequência e aproveitamento de cursos de formação, admitindo a existência de vagas no 5º e 7º escalões, sem congelamento levaria apenas 34 anos a chegar ao topo (com o congelamento de 7 anos levaria 41). Isto mostra a discrepância, que permanece para avaliações superiores, atualmente existente para profissionais com idênticas qualificações.

4. Claro que é possível desconversar dizendo, então e os militares? As promoções que tiveram, as reformas antecipadas aos 60 e a passagem à reserva aos 55? Sendo neto de um militar gazeado em La Lyz e com cruz de guerra (primeira) e tendo um irmão morrido no serviço militar com 23 anos não tenho problemas em afirmar que são talvez o grupo profissional mais privilegiado (em tempos de paz). Ainda ninguém me explicou isto da passagem à reserva aos 55. Haver uma carreira mais injusta significa apenas que deveríamos corrigi-la e não aceitar todas as outras injustiças relativas. Outra desconversa é: não há 600 milhões para os professores e há milhões para a banca? Primeiro, seriam 600 milhões em 2018, 600 mais x milhões em 2019, etc. Na banca, podemos discutir a necessidade de cada uma das injeções de capital (a última na CGD), mas são injeções que pretendemos que nunca mais se repitam. À partida não são recorrentes anualmente.

O PS deve ter a noção clara que é ele que tem garantido a consolidação orçamental, não os partidos à sua esquerda, cujas propostas vão invariavelmente para o agravamento do défice. Negociar, como diz o OE2018, é negociar. Uma proposta concreta e um compromisso político final só poderá resultar do que for a execução orçamental, o crescimento económico e o emprego dos seis meses de 2018. Embora há muito a negociar e tudo deve estar em cima da mesa. Qualquer compromisso firme antes disso seria uma irresponsabilidade e espero que os professores e o governo consigam até lá ter uma conversa razoável enquadrada por um compromisso político claro.

PS: Com a ida de Mário Centeno para o Eurogrupo e a inevitável menor disponibilidade para os assuntos internos, não é apenas a reorganização do Ministério das Finanças que é inevitável e nem tudo pode ser descentralizado para Secretários de Estado. António Costa deverá (na impossibilidade de Centeno) acompanhar Tiago B. Rodrigues em qualquer acordo nesta matéria.