Através de um referendo, em Junho de 2016, os britânicos optaram por deixar de fazer parte da União Europeia, saída essa que, nos termos da legislação europeia, deve concretizar-se até 29 de Março de 2019.
Recentemente, Theresa May apresentou a proposta do Reino Unido para as futuras relações com a União Europeia. As propostas apresentadas em Chequers pela primeira-ministra britânica representam uma opção por um soft Brexit, isto é, uma saída suave da União Europeia. Entre outros aspectos, essa opção torna-se clara quando propõe que o Reino Unido continue a fazer parte do mercado único da União Europeia para mercadorias.
Esta proposta de May levou à demissão dos ministros dos Negócios Estrangeiros e Brexit, Boris Johnson e David Davies, por considerarem que essa opção não vai ao encontro da vontade popular expressa no referendo. Os ministros demissionários defendem que essa vontade passa por uma saída sem qualquer acordo de cooperação futura com a União Europeia, ou seja, um hard Brexit.
Se o Reino Unido já atravessava o seu maior desafio desde a Segunda Guerra Mundial, a demissão dos referidos ministros não vem facilitar a situação, deixando o Reino Unido cada vez mais dividido entre uma saída suave ou intensa.
Antes de mais, importa conhecer quais as motivações dos que defendem a saída da União Europeia sem qualquer acordo. Ao estilo de Trump, os defensores do Brexit pretendem recuperar o Reino Unido hegemónico, promovendo o crescimento britânico através de uma política virada para a sua dimensão internacional, livre das amarras da legislação europeia. A isso, acresce uma saturação da alegada ineficiência das instituições europeias e da falta de influência do Reino Unido junto das mesmas, que se demonstravam inflexíveis à mudança.
No entanto, os argumentos apresentados não são inteiramente correctos e, na verdade, podem não representar mais do que mitos. Relativamente à alegada falta de influência do Reino Unido na União Europeia consideramos que não corresponde inteiramente à verdade. Exemplos disso são o mercado único ser uma proposta apresentada pelo Governo de Margareth Tatcher, o rápido alargamento aos países da Europa central ou de leste – conforme defendido pelo Reino Unido –, ou mesmo a predominância do inglês como língua de trabalho por parte das instituições da União Europeia.
No que à recuperação de um Reino Unido hegemónico e do seu consequente crescimento económico diz respeito, não encontramos muito sustento. Já em 1962, o secretário de Estado dos Estados Unidos da América dizia que o Reino Unido tinha perdido o seu império e ainda não tinha encontrado um papel na geopolítica internacional, classificando como falhada a tentativa do Reino Unido em ser uma potência mundial à parte da Europa, estabelecendo relações privilegiadas com os Estados Unidos e liderando a Commonwealth.
É igualmente claro que, após a adesão à União Europeia, em 1973, o crescimento económico do Reino Unido aumentou. Pelo contrário, essa tendência de crescimento não se mantem com o Brexit, tendo em conta que a incerteza levou a uma paragem no investimento, a produtividade baixoue o crescimento económico abrandou expressivamente. As previsões do Governo britânico para o período pós-Brexit são ainda piores.
Esta é uma das maiores ameaças a ser enfrentada por Theresa May, cumprir a promessa do Brexit sem fazer do Reino Unido um agente sem poder de decisão no espaço internacional e sem influência sobre os agentes que detêm esse poder. Ora, como vimos, a aproximação à União Europeia não tem sido uma tarefa fácil e a visita de Trump ao Reino Unido não trouxe boas notícias, tendo este afirmado que um soft Brexit e uma aproximação à legislação Europeia impedem a celebração de um acordo comercial com os Estados Unidos. Ainda que assim não fosse, importa notar que as relações com a União Europeia representam cerca de 50 % das trocas comerciais do Reino Unido enquanto com os Estados Unidos representam menos de 20%.
A tudo isto, vem ainda acrescer uma ameaça interna com a qual Theresa May terá eventualmente de lidar, uma moção de censura interna. Isto é, um desafio à sua liderança apresentado no parlamento, apenas dentro do seu partido. Para que a moção seja bem-sucedida, é necessária a adesão de 15% dos membros do Partido Conservador no Parlamento. Ao dizer no seu discurso de demissão que o Governo agora passou a ter uma canção para entoar, mas que depois de ter tentado juntar-se ao coro ficava com as palavras presas na garganta, Boris Johnson poderá finalmente concretizar o que há muito se especula, reclamar a liderança do Partido Conservador.
O facto de existirem membros do Partido Conservador no Parlamento favoráveis ao Brexit, acrescido ao de ser altamente improvável que os membros da oposição contrários ao Brexit aprovem qualquer negócio que o Governo consiga alcançar com a União Europeia, deixa o Reino Unido num impasse. No actual quadro político, torna-se bastante complexo que May consiga fazer aprovar internamente o Brexit, o que poderá levar a recorrer ao mecanismo de alargamento do prazo, previsto na legislação europeia.
Estas circunstâncias abrem duas possibilidades: convocar eleições antecipadas ou um novo referendo. As eleições antecipadas potencialmente nada alterariam uma vez que, fruto da forte divisão interna dos partidos relativamente à temática, o partido vencedor dificilmente conseguiria a necessária maioria. Assim, a opção de se convocar um novo referendo ganha cada vez mais relevo, encontrando mesmo alguma aceitação nos partidos da oposição. Essa hipótese trás ainda uma possibilidade interessante, a de o referendo ser de escolha múltipla com as seguintes alternativas: (i) permanecer na União Europeia, (ii) sair com o acordo que May consiga negociar com a União Europeia (soft Brexit), ou (iii) sair sem qualquer tipo de acordo (hard Brexit).
A tentativa da primeira-ministra Britânica de defender uma proposta intermédia e conciliatória não agrada a ninguém. Não agrada a oposição nem muitos no seu partido, não agrada os defensores de uma permanência na União Europeia nem os que reclamam uma saída sem qualquer acordo, bem como também não satisfaz as pretensões da União Europeia nem dos Estados Unidos. Neste momento, Theresa May não consegue agradar a ninguém, nem a Gregos nem a Troianos, o que leva Tony Blair a dizer que May ocupa a posição política menos invejável de todo o mundo ocidental.
Advogado, mestrando na London School of Economics and Political Science