A minha mãe não discutia religião nem política, à mesa ou fora dela. Católica, vivia a oração com disciplina e paixão porém partilhava a vida com um agnóstico, o meu pai. Já adulta, viu a sua mãe trocar a religião católica pela igreja evangélica, sem um comentário. Na política tinha as suas convicções, um ou outro ódio de estimação e as suas figuras dilectas. Em casa, as ideias políticas formavam-se da direita à esquerda, mais ou menos radicais consoante o trânsito hormonal da adolescência. A minha irmã e eu tentámos recorrentemente saber em quem a nossa mãe votava. Ria-se e respondia que o voto era secreto. Nunca soubemos. Isso permitiu-me fantasiar muitas vezes acerca das suas escolhas políticas. Quando o Bloco de Esquerda conseguiu, pela primeira vez, um lugar no Parlamento, a minha mãe, politicamente nos antípodas do pensamento trotskista, ligou-me, animada, a felicitar-me pelo pluralismo parlamentar.

Ao ler o artigo de João Vieira Pereira no Expresso desta semana, percebi o quão longe estamos dessa oposição fundamental com a qual nos fizemos uma sociedade plural, uma democracia consolidada. Essa oposição onde não precisamos de nos rever para lhe reconhecermos o valor, seja como escrutínio, seja pela representação da diferença que de outra forma permaneceria invisível e sem voz – a sua essencialidade faz-se presente nesta Europa de hoje que a Hungria faz recuar no tempo. E recordei com João Vieira Pereira as campanhas eleitorais, os cartazes e bandeiras dentro de casa, o ideal de uma política adulta e comprometida, de uma oposição exigente, séria, rigorosa, só para constatar que nem uma nem outra existem neste espaço actual esvaziado de política mas cheio dos vícios partidários desta casta alheia a quem a elege e é suposto representar.

Vivemos num país refém do peso do estado que cresce às mãos do partido que se apropriou da administração pública. E com uma dívida pública que empenha os nossos filhos e netos, e nos envergonha a todos, preparamo-nos para aceitar passivamente o reforço do estado e do partido socialista a quem cabem as sortes da bazuca. Não é, não pode ser surpreendente que, diante de intenções de voto de 38% para o PS de António Costa, com consciência da corrupção instalada, da oposição que não se opõe, do empobrecimento da classe média, da queda contínua nos índices internacionais que nos empurram já para fora das democracias plenas e para o fundo de uma Europa da qual divergimos, e impotentes na capacidade de responder adequadamente, façamos o sonho dos prepotentes.

Governo e oposição são hoje duas maçãs do mesmo calibre.

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