Em poucos meses teremos a oportunidade de decidir quem queremos como governantes dos nossos concelhos e das nossas freguesias. Teremos oportunidade de decidir quem queremos que decida o futuro das nossas políticas locais, quem queremos que faça a gestão do nosso dinheiro e quem queremos que o gaste em função do que é melhor para nós. Não damos o nosso dinheiro a qualquer pessoa e, por isso, faz sentido que sejamos cuidadosos e prevenidos na seleção de tais líderes.

O facto é que é bastante difícil fazer esta triagem, isto porque entre todos os candidatos, surgem sempre uns que são honestos, humildes e preocupados e outros que se aproveitam de cada eleição para fazer crescer o seu poder, a sua agenda pessoal e política e, claro, ter o emprego que não encontram noutros meios. Naturalmente que esta dicotomia não depende dos partidos pelos quais os candidatos enfrentam o escrutínio, mas sim da base moral com que encaram a vida. E parece-me que é por isso que esta eleição autárquica é muito mais que uma escolha entre partidos, mas sim entre pessoas.

Face a esta distinção entre trigo e joio, os cidadãos questionar-se-ão o que diferencia cada candidato. Será o programa? Muitos dirão que não, porque muitos programas resultaram em elevadas taxas de incumprimento e por isso não acreditam na veracidade das intenções. Será a comunicação? Mesmo estando numa era em que este fator pesa cada vez mais, também na relação da comunicação com o trabalho prometido, há uma elevada discrepância que conduz à descrença. Será a ideologia? Parece-me que existe maior vontade em conhecer a realidade e menos as ideologias, especialmente tendo em conta o que várias já causaram e causam ao mundo.

Diria que os eleitores terão diversas perguntas para fazer antes de votar, mas há uma que tem de ecoar na mente dos mesmos durante todos estes meses: estou ou não contente com a situação atual da minha autarquia/ freguesia? Ao nível prático, é esta a questão que interessa. Estou contente com o aspeto da minha rua? Sinto conforto na utilização dos espaços comuns? Os jardins estão limpos? Existe estacionamento? Posso participar em iniciativas culturais? Os mais débeis são protegidos? Os mais novos são potenciados? São questões básicas, mas que, infelizmente, numa grande maioria, têm resposta negativa.

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Se quando contratamos um serviço, esperamos qualidade, seriedade e compromisso e ficamos seriamente desiludidos quando tal não acontece, na política tudo é diferente. E basta raciocinar: a Amazon é uma multinacional que vale mais de um bilião de dólares, com sede em Seattle, Washington, nos Estados Unidos. Quando uma encomenda feita na Amazon corre mal, automaticamente reclamamos e em mais ou menos tempo recebemos uma resposta, na maioria das vezes a dar-nos razão. Em pouco tempo vemos o nosso dinheiro devolvido ou a encomenda corrigida. Caso não aconteça assim, seguramente que todos na comunidade poderão conhecer a péssima experiência que tivemos – em comentário ou avaliação – não vá mais alguém ser enganado.

Por outro lado, olhamos para uma autarquia, cujo valor de orçamento anual será, no máximo, mil vezes inferior ao valor da Amazon e que à partida terá sede a menos de 50quilómetros da nossa habitação. Quando algo corre mal, seja no não cumprimento de propostas prometidas, nos constrangimentos causados diariamente ou no enorme desconforto provocado por contínuas decisões erradas, o que fazemos? Desistimos, deixamos de votar e passamos a desprezar o ato eleitoral. Em vez de mostrarmos aos restantes cidadãos o que nos correu mal, não lhes vá acontecer o mesmo, simplesmente renunciamos, resignados e sem esperança, a qualquer envolvimento com a cidade. Não reclamamos porque “nada se irá alterar se o fizermos” e mentalizamo-nos que todos os intervenientes naquele meio serão iguais ou muito piores, seja quem for, seja qual for a razão para lá estar.

O que seria dos Portugueses se deixassem de frequentar restaurantes pelas más experiências que tiveram? O que seria de nós se deixássemos de usar a internet, tendo em conta o número de péssimas experiências que tivemos com a nossa operadora? “São todas a mesma coisa”, dizemos, exasperados, enquanto assinamos um novo contrato de dois anos com uma delas. “São todos o mesmo”, dizemos, enquanto desprezamos mais um ato eleitoral que, de facto, poderia trazer a diferença às nossas vidas.

Faz falta o espírito reivindicativo e sindicalista tão presente no nosso dia-a-dia capitalista, mas tão esquecido naquilo que mais importa. Basta pensar que a diferença entre uma Amazon e uma câmara municipal, é que a primeira se revira para que tenhamos uma experiência aceitável, dentro de padrões estabelecidos e que possamos beneficiar de um serviço de qualidade, enquanto a segunda, na maioria das vezes, erra continuamente, está-se nas tintas para o que queremos e, no topo de tudo, é paga por nós.