Ao longo da minha vida profissional colaborei ou fui consultor em várias campanhas eleitorais, na sua esmagadora maioria vencedoras.  Mas só fui diretor de campanha uma vez. Foi em 2017, na segunda candidatura independente de Rui Moreira à Câmara do Porto. Ao contrário da última que o autarca do Porto fez em 2021, não foi nem a mais cara do país nem sequer a mais cara entre independentes e nem sequer das mais caras da cidade, onde PS e PSD apostaram – na altura – muito forte.

Foi uma campanha sem queixas contra nós na CNE, sem multas ou contra-ordenações na entidade das contas e feita com o que havia disponível. Donativos, legais, transparentes e limitados. Colocamos 4 (quatro!) Outdoors de campanha para o Rui Moreira, apenas no período oficial de campanha, ou seja, nas últimas duas semanas.

Tudo começou em junho, com um estudo de opinião mandado fazer internamente a uma das melhores empresas de sondagens. O resultado era que, apesar de ir contra todos e contra um PS que na altura estava mais forte do que nunca, ganharíamos com maioria absoluta, mas sem grande margem, ou seja, em torno dos 45%. Ao PS eram então atribuídos cerca de 27% e ao PSD 11%.

Quatro meses após, o resultado foi a da única maioria absoluta para Rui Moreira, com 45% dos votos, contra 28% do PS e 10% do PSD. Isto é, passada a campanha, não perdemos nada para a oposição relativamente ao primeiro estudo e conseguimos, perante os ataques dos nossos adversários, segurar o eleitorado (o mais difícil de fazer a quem está no poder, durante uma campanha eleitoral). E a CDU ficou, pela primeira vez, à beira de não eleger no Porto. O BE ficou de fora.

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A acreditar na nossa sondagem de junho, as oscilações foram mínimas e a maioria que tínhamos conquistado com o bom trabalho de quatro anos, foi assegurada. Não fizemos asneiras, não demos tiros nos pés, não fomos arrogantes e não mentimos. Apesar da fortíssima candidatura do PS (em orçamento e mobilização de meios e membros do governo e no candidato Manuel Pizarro), conseguimos o que muitos pensavam ser quase impossível, ganhar com maioria contra todos, num ambiente nacional adverso e tendo por base a independência do candidato.

Mas, esta não é toda a história. Pelo meio houve as mais diversas tentativas de manipulação da opinião pública. Com o caso Selminho (que já existia e não nasceu em 2021 para as mais recentes eleições), mas também com as sondagens. Com efeito, a 9 dias das eleições, o JN publicou um estudo do centro de sondagens da Universidade Católica, que colocava a Rui Moreira e Manuel Pizarro em empate técnico, com Rui Moreira um ponto à frente e muito longe da maioria e dos tais 45%.

Era um “game changer”, diziam, sobretudo surgindo no dia de um importante debate e na véspera do sábado em que pretendíamos encher o Rivoli para a apresentação do programa eleitoral. Enchemos, mesmo assim, o Rivoli. Foi das ações de campanha mais extraordinárias em que participei. Programa, conteúdos, futuro, cidade. Nada de bajulice, nada de politiquice, nada de ataques, nada de “somos os maiores”, nada de arrogância. Programa. Ideias. Futuro.

Mas, cinco dias depois, com as urnas à vista, surge nova sondagem. Desta vez na RTP. Realizada pelo mesmo centro de sondagens, atribuindo a Manuel Pizarro e ao PS o primeiro lugar, de novo em empate técnico, mas já à frente. E eu era o diretor de campanha que ali aparecia a liderar uma campanha de um incumbente que iria perder, espetacularmente. Eu era o incompetente, portanto. António Costa meteu-se imediatamente a caminho, vindo encerrar a campanha nacional do PS ao Porto e as televisões, sem exceção, dedicaram a sexta-feira a fazer diretos dessa campanha socialista. A noite de sexta-feira, antes das eleições, foi isso mesmo. António Costa, ao lado de Manuel Pizarro, a gritar vitórias ao PS. Sobre a campanha de Rui Moreira, zero. Nem uma imagem.

Já o disse, dois dias depois, tranquilamente, ganhamos com maioria absoluta e a noite de sábado para domingo foi a mais tranquila que dormi, sabendo que tínhamos feito uma campanha limpa, com verdade, contas certas e não infantilizando ou tentando manipular os factos ou sondagens. E, assim, ganhamos com quase exatamente o mesmo resultado que tínhamos tido na sondagem de junho (45% e a tal maioria absoluta).

Apesar de ter obtido o relatório completo dos estudos da Católica, que revelavam erros grosseiros, que tive oportunidade de exibir à direcção da RTP de então, a estação de TV e o centro de sondagens não aceitaram corrigir ou sequer pedir desculpas pela brutal discrepância de resultados, que se cifrava em mais de 15% no que diz respeito ao resultado de Rui Moreira. O país também não se importou nada com isso e a ERC, entidade que tem a supervisão das sondagens em Portugal, assobiou para o lado, apesar da queixa formal. Os comentadores nunca a isso se referiram e seguiu para bingo. Já em Lisboa, no mesmo dia, Medina perdia, também contra as sondagens, a maioria que se julgava assegurada e que, afinal, nas grandes cidades, é mais difícil de obter do que parece.

Nas últimas autárquicas, em 2021, já não estive com Rui Moreira nem participei na sua campanha. Mas as sondagens deram-lhe sempre entre 52% e 60%, até à semana das eleições. O resultado foi, contudo, a perda da maioria absoluta, e apenas 40% dos votos, que corresponderam a uma perda de mais de 10 mil votos para a Câmara e 25 mil para as juntas de freguesia.

Não vou fazer aqui a autópsia dessa eleição, que não me diz respeito, mas recordo apenas esta minha experiência, a propósito das sondagens para as legislativas que têm sido publicadas e do último dia de campanha que amanhã irá decorrer, com certa imprensa e algumas empresas de sondagens, sempre impunes, a fazerem o que bem entendem, sem escrutínio ou regulação da CNE ou da ERC que, na verdade, se limitam a assistir, como nós, às tentativas de manipulação.

Se o país, em setembro passado, se espantou com o que se passou em Lisboa, eu não. Mas, às vezes, olhar para o Porto e para estas histórias e tentativas de manipulação da opinião pública também não faz mal nenhum. Porque, no fim do dia, por mais que os spin-doctors (que são quase sempre os mesmos a cometer os mesmos erros) achem que podem criar realidades alternativas, infantilizar e manipular a opinião pública e o sentido do seu voto, a decisão está sempre nas mãos dos mesmos: os eleitores que, na sua sapiência, fazem o que entendem por bem e são bem menos manipuláveis do que se julga.