Com o pretexto de conhecer o sistema prisional americano, Alexis de Tocqueville visitou os Estados Unidos no século XIX acabando por se focar no sistema político local, particularmente na recém criada democracia americana, tendo desta longa viagem resultado o intemporal Da Democracia na América, cuja leitura é essencial para qualquer democrata. Duzentos anos depois, em Novembro de 2024, decorreu nos Estados Unidos, a porventura mais importante eleição democrática deste século, não só no país visitado por Tocqueville, mas também entre os países do G7. Pela sua relevância internacional, esta foi uma eleição que canalizou atenções por todo o mundo uma vez que terá implicações em diversos âmbitos: desde o económico, ao geopolítico, ao energético ou em relação aos temas morais. Na verdade, pela sua influência mediática – tanto nos media tradicionais, como no meio digital – pela sua dimensão internacional e pela influência económica directa ou indirecta, os países do G7 reúnem sobre si e sobre os seus momentos eleitorais, uma redobrada atenção por parte de diversos intervenientes. Assim sendo, será relevante que nos preparemos para dois momentos eleitorais a decorrer em 2025 cuja importância, alinhada com os fatores enumerados acima, será elevada: as eleições Federais na Alemanha e as eleições Federais no Canadá. Debruçar-me-ei, neste artigo, sobre as segundas.

Canadá: a política e a economia

O sistema político canadiano é uma monarquia constitucional, cuja principal figura é a do Rei do Reino Unido, seu Chefe de Estado e do Primeiro-Ministro, como Chefe de Governo. O parlamento é composto pelo Rei – representado pelo Governador Geral – pelo Senado, composto de 105 lugares, e pela Casa dos Comuns, composta de 338 lugares. As eleições decorrem a cada 4 anos, decorrendo a próxima até Outubro de 2025. Nestas, opor-se-ão, à partida, cinco diferentes partidos: o Partido Liberal, o Partido Conservador, o Novo Partido Democrático (NDP), o Partido Verde e o Bloco Quebequense, representativo da vasta região do Québec.

Justin Trudeau, líder do Partido Liberal desde 2013, garantiu a maioria absoluta em 2015, não a alcançando em 2019, nem em 2021 (nas eleições por si requisitadas à governadora-geral), sendo o NDP quem mantém este governo minoritário em funções. Se nos primeiros mandatos, Trudeau conseguiu reunir algum consenso, atualmente está longe de o conseguir, particularmente por consequência do anémico estado económico, das questionáveis políticas sociais que vêm sendo aplicadas e das decisões energéticas, cujo impacto negativo na vida dos canadenses se tem tornado mais evidente.

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Vejamos alguns dados. Em termos económicos, é possível verificar que o Canadá tem um crescimento de PIB per capita inferior à média do G71, tendo alcançado o mais elevado valor de sempre de dívida pública em 20232. Socialmente, particularmente no tema da imigração, de acordo com uma sondagem da Focus Canada quase seis em cada dez (58%) canadenses acreditam agora que o país aceita muitos imigrantes, refletindo um aumento de 14 pontos percentuais face a 2023 e 17 pontos percentuais entre 2022 e 20233. Poder-se-ia pensar que estes dados se cingem aos eleitores do Partido Conservador mas, na verdade, englobam eleitores dos três maiores partidos: 80% dos eleitores do Partido Conservador, 45% do Partido Liberal e 36% do NDP. Adicionalmente, 43% dos canadenses acredita que os refugiados não são na realidade refugiados (o que demonstra um crescimento de 7 pontos percentuais face a 2023), 57% que muitos imigrantes não estão a adoptar valores canadenses (demonstrativos de um crescimento de 9 pontos percentuais face a 2023) e 35% acredita que a imigração aumenta o número de crimes no Canadá (demonstrativos de um crescimento de 21 pontos percentuais face a 20234.

Em relação à energia, o cenário também não é encorajador: apenas 21% dos canadenses acreditam que a Carbon Tax (sobretaxa sobre os combustíveis fósseis) é eficaz no combate ao climate change5. Adicionalmente, 62% dos canadenses defendem o fim da Carbon Tax6.

O cenário é tremendamente negativo para Justin Trudeau que enfrenta, a Dezembro de 2024, uma taxa de desaprovação de 68%, o mais elevado valor desde que assumiu o cargo de Primeiro-Ministro do Canadá7. Os casos mais mediáticos foram a recente demissão da Ministra das Finanças, Chrystia Freeland, por divergências com Trudeau, a viagem do Primeiro-Ministro à ilha privada de Aga Khan cujo custo total para os contribuintes totalizou 215 mil dólares canadenses tendo-se seguido um apoio do Governo à Fundação Aga Khan no valor de 50 milhões de dólares canadenses8 e, por fim, os recorrentes pedidos de demissão que se têm vindo a intensificar, tendo o próprio líder do NDP – partido que vem garantindo a governabilidade ao Partido Liberal – recomendado a demissão a Trudeau.

… e surge Pierre Poilivere

Face a este negro cenário, surge a figura do líder da oposição: Pierre Poilievre. Poilievre cresceu em Calgary, Alberta, sob educação dos seus pais adotivos, Marlene e Donald, ambos professores. O seu interesse por política começou cedo: aos 16 anos já participava em reuniões do Reform Party of Canada e do Progressive Conservative Association of Alberta, trabalhando posteriormente para Jason Thomas Kenney (primeiro-ministro de Alberta) e sendo eleito delegado da convenção do Reform Party of Canada com apenas 17 anos, antes sequer de concluir o ensino secundário. Estudou Relações Internacionais na Universidade de Calgary, durante o qual trabalhou como agente de execução para uma empresa de telecomunicações e como jornalista para o Alberta Report. Travou diversas batalhas políticas na sua universidade e participou num concurso de ensaios promovido pela Magna International (maior empresa de peças de automóveis na América do Norte) denominado de “Como primeiro-ministro, eu faria…”, alcançando a final.

Advogando a fusão do Canadian Alliance Party e do Progressive Conservative Party, foi eleito para a Casa dos Comuns, aos 25 anos, pelo partido resultante dessa fusão, o Partido Conservador. Solidificou as suas ideias, particularmente relativas ao mercado livre e à liberdade individual. Desempenhou várias funções políticas ao longo dos anos: foi membro da Casa dos Comuns por quase duas décadas, sendo uma das vozes mais audíveis no mesmo, foi Ministro da Reforma Democrática (2013-2015), Ministro do Trabalho e Desenvolvimento Social (2015) e é, desde 2022, líder do Partido Conservador do Canadá.

Como líder da oposição, Poilievre tem apresentado uma comunicação clara e simples, desconstruindo temas complexos em ideias facilmente identificáveis pelos eleitores, num estilo que é confrontacional e cuja insistência na replicação e repetição de mensagens – mesmo que recorrendo a acontecimentos particulares diferentes – permite uma rápida compreensão e interiorização daquilo que defende. As suas ideias baseiam-se em três pilares: prosperidade económica, liberdade individual e unidade e orgulho no Canadá. Destes 3 pilares, surgem diversas ideias que correspondem ao seu ideário político.

Sobre prosperidade económica, Poilievre defende o mercado-livre como a forma mais eficiente de criar riqueza, permitir crescimento económico individual e promover inovação e desenvolvimento. É um insaciável crítico dos gastos públicos, que eventualmente implicam impressão de dinheiro e consequente inflação, o que implica dificuldades financeiras para as famílias. É também um defensor da diminuição de impostos e da desregulação, cuja principal consequência seria a atração de investimento, permitindo o crescimento económico – sendo Axe the Tax o seu mote e slogan. Em relação à habitação, uma das áreas mais abordadas por Poilievre, o líder conservador apresentou também um programa para construção de novas habitações: de acordo com a sua proposta, o número de habitações terá de aumentar 15% por ano, a cargo dos governos locais, e no caso de incumprimento, as contribuições federativas serão retidas proporcionalmente.

Em relação à energia e políticas ambientais, Poilievre é crítico de políticas restritivas ao uso e exploração de recursos energéticos (nomeadamente de recursos fósseis), demonstrando que custam milhares de empregos, prejudicando em larga escala a economia e asfixiando as finanças das famílias. Um exemplo demonstrativo é o caso de Alberta, província na qual a indústria de recursos fósseis contribui com 20% do PIB da região, permitindo mais de 100 mil empregos, diretos e indiretos (o sector do Petróleo e Gás contribui anualmente com 100 mil milhões de dólares canadenses para a economia nacional, a que corresponde uma fatia de 3 a 4% do PIB)9. Por estes (e outros) motivos, Poilievre tem sido um forte crítico da Carbon Tax sendo um dos principais promotores (e interessados) numa Carbon Tax Election (demissão de Trudeau e consequentes eleições nas quais o tema energético teria – e seguramente terá – um papel central).

Relativamente às políticas sociais, Poilievre tem vindo a abordar diversos temas entre os quais se destacam a liberdade de expressão e de religião, a imigração e segurança e os temas morais. No que diz respeito à liberdade de expressão e de religião, Poilievre opõe-se a qualquer forma de censura, sendo crítico de propostas como a Lei C-11 (conhecida como Bill C-10), que visa regular o conteúdo digital no Canadá, ou como a Lei 21 do Québec que proíbe a utilização de símbolos religiosos por parte de funcionários públicos em cargos de autoridade. Em relação aos temas da imigração e segurança, Poilievre defende um maior controlo fronteiriço opondo-se a leis que visem reduzir a fiscalização nas fronteiras. Poilievre defende também maior rapidez (até 60 dias) na análise aos pedidos de visto. Por fim, no que diz respeito aos temas morais, a área de maior destaque é a forte oposição de Poilievre a políticas woke, uma vez que “favorecem personalidades no topo ao invés de pessoas comuns”10.

Faltarão, seguramente, vários meses para as eleições no Canadá. Todavia, perante um cenário tão negro para Trudeau e aparentemente tão positivo para Poilievre, é bastante provável que, ao fim de 9 anos, a direita volte a governar o Canadá. Até lá, veremos se Trudeau conseguirá inverter a tendência ineditamente negativa e se Poilievre escapar a um máximo de 9 meses bastante exigentes. Esta é uma eleição de elevada importância para os portugueses, não só pela importância geopolítica e económica do Canadá, mas pela representativa fatia de portugueses que lá vivem (o Canadá é o sexto país com mais imigrantes portugueses no globo)11 e que mantêm uma enorme ligação com Portugal. Seria especialmente interessante poder contar com mais análises e reflexões sobre este momento eleitoral, particularmente por parte da comunicação social portuguesa.

Nota: Este artigo foi escrito ainda antes da demissão de Justin Trudeau

Obras citadas:

Canada GDP Growth Rate.” Trading Economics.
Canada Government Debt.” Trading Economics.
Canadian public opinion about immigration and refugees – Fall 2024.” Environics Institute, 17 October 2024.
Canadian public opinion about immigration and refugees – Fall 2024.” Environics Institute, 17 October 2024.
Nearly half of Canadians think carbon tax is ineffective at fighting climate change: Nanos.” CTV News, 11 December 2023.
“https://www.taxpayer.com/newsroom/poll-shows-canadians-want-carbon-tax-on-tax-scrapped.”
Trudeau Tracker –.” Angus Reid Institute.
PM’s use of jet for family vacation emitted as much CO2 as average Canadian per year.” CTV News, 20 January 2017, .
https://www.capp.ca/en/our-priorities/energy-and-the-canadian-economy/
Entrevista a Jordan Peterson. Dezembro 2021.