“Esconder um erro com uma mentira, é trocar uma nódoa por um buraco.”
(Provérbio Popular Português)
Caiu uma valente chuvada na costa este de Espanha e Valência sofreu devastadoras e mortíferas inundações históricas. A notícia rapidamente correu mundo e invadiu as redes sociais, multiplicando-se teorias para explicar o evento, que atualmente se tendem a dividir por chuva fabricada, quanto maior a inclinação política para a direita, ou, caminhando para o outro lado do espectro político, alterações climáticas…
Vale a pena, contudo, usarmos a cabeça antes de enveredar por estranhos pensamentos onde só cabe o 8 ou o 80.
Inundações Rápidas Urbanas são uma ameaça potencial para qualquer cidade do mundo. Ainda há relativamente pouco tempo tivemos inundações a um nível infrequente em Lisboa. Também terão sido os portugueses a fabricar chuva?
Lisboa, no tal episódio recente, teve um dia de chuva excecional, melhor uns minutos… O de agora em Espanha teve outra ordem de grandeza. Mas como em Lisboa não foi (ou não devia ter sido) novidade – afinal de contas, é algo que se repete com um intervalo médio de cerca de 10 anos… – também ali não podemos dizer que seja algo nunca antes visto!
Com efeito, olhando à história, vemos que estes episódios não são nada de anormal: esta DANA ou Gota Fria, que ontem provocou chuvadas extremamente intensas e cujas inundações subsequentes ceifaram várias dezenas de vidas, foi comparada pela Agência Estatal de Meteorologia a outro episódio de chuva torrencial que afetou também a comunidade valenciana, e também em Outubro (dia 20), no ano de 1982, causando à época 30 mortes dada a subida das águas de 8 metros; em 1957 (14 de Outubro), a água nalgumas ruas de Valência subiu pouco mais de 5 metros, mas morreram mais de 80 pessoas; e se recuarmos ainda mais, temos episódios como o de 15 de Outubro de 1879 que resultou em 800 mortes e 6 mil casas destruídas…
Não são frequentes? Não. Como também não são em Lisboa. Mas a sua ocorrência ocasional é completamente expectável. Ou seja, são coisas que acontecem sem precisar de explicações extraordinárias, como sejam as chuvas fabricadas ou… as alterações climáticas.
Então o que podemos esperar com estas últimas?
Sobre estes (e outros) fenómenos, a influência das alterações climáticas faz-se sobretudo na sua frequência (e/ou intensidade, mas também isso desaguava em intervalos de retorno maiores ou menores). Isto é: a estes fenómenos costumamos associar um intervalo de retorno – 10 anos, 50 anos, 100 anos (a já citada agência espanhola veio já classificar este como o evento do século)… O que as alterações climáticas podem fazer é encurtar estes intervalos. Por exemplo algo que acontecia de 10 em 10 anos poderá no futuro acontecer de 7 em 7. Algo que em 100 anos acontecia uma vez, pode acontecer 2 ou 3 vezes.
Ainda assim, mais ou menos frequentes, são coisas que aconteceram e acontecerão sempre.
E é aqui que reside o ponto mais importante: se é algo que inevitavelmente acontece, como está o território preparado para o dia em que isto se dá?
O escoamento está bem dimensionado? Está operacional? A construção está no caminho da água? As pessoas estão avisadas dos riscos? Como se poderão proteger as pessoas e bens? São estas e outras perguntas do género que se deviam antecipadamente fazer… E perante os inevitáveis desastres, era na resposta a estas perguntas que se devia avaliar o desempenho de quem tem governado.
Pelo que é compreensível que os governantes atirem areia para os olhos das pessoas e evitem discussões racionais sobre estas temáticas, para depois ninguém lhes pedir responsabilidades, com a ajuda inconsciente da comunicação social, dado que isso de planeamento e gestão urbana não faz grandes títulos de jornais nem posts virais nas redes sociais.
Um pouco como o que tem acontecido por estes dias em que face a problemas antigos de bairros problemáticos, ninguém questiona o que se tem feito sobre causas há muito identificadas e com programas no terreno… Os moderados que alternam o poder calam-se porque lhes dá jeito. Abrem espaço ao extremismo tanto de esquerda como de direita. Sejam racismo ou alterações climáticas de um lado, ou chuvas fabricadas e polícias à prova de escrutínio de outro, ou ainda por exemplo em matéria de incêndios, os Eucaliptos do BE ou os Incendiários do Chega, os extremistas, a quem interessa dividir para reinar, agradecem e aproveitam para incendiar a opinião pública para que caia nestes extremos, contando com a comunicação social para regar o fogo com gasolina.
Para não ficarmos entregues a extremismos e extremistas (de Trumps a Gretas ou Mamadous…) temos que exigir que os políticos moderados não se escondam com medo de errar, porque isso empurra-nos a todos para um buraco de onde não é fácil sair!