Exmo Sr. Primeiro Ministro, Dr. Luís Montenegro

Dirijo-me a si no trágico aniversário de Pedrógão, não só por saber que partilha – quem não? – do desejo do Sr. Presidente da República (no discurso do passado dia 10) “que tragédias como as de 2017 nunca mais”, mas também por ter consciência que, e ao contrário do que na altura desajeitadamente o mesmo PR chamou imprevisível, tais tragédias continuam a ter tudo para previsivelmente se repetirem.

Ouvi as suas palavras em Mação e, não me leve a mal, padecem de equívocos comuns nesta temática. Se “o último ano foi um bom ano”? Sim, claro. Mas daí a ser fruto do “caminho percorrido nos últimos anos [que] foi positivo” vai uma grande distância: quando um tipo salta do cimo de um prédio e passa em queda livre pelo 5° andar, também pode dizer que está tudo a correr bem, o mal é quando chega ao chão… Previsivelmente estes anos após 2017 e a maior limpeza de mato das últimas décadas – 500 mil hectares “limpos” pelo fogo – seriam anos calmos nesta matéria, como estão a ser. O mal chegará mais à frente.

O Sr. Primeiro Ministro falou de Mação, terra fustigada pelo fogo que tudo queimou em 2017 e o que restava em 2019. Não obstante, se procurar notícias de anos anteriores aperceber-se-ia que muito foi gabado e até premiado o trabalho feito por lá — e sim, muita coisa se fez nesse intervalo — após o ano terrível de 2003, mas depois foi o que se viu. Lá está, enquanto o tipo vai no 5° andar parece que está tudo bem…

Quer isto dizer que não tem sido nada feito, tal como afirmou por exemplo o Chega que não percebe a contradição entre dizer que há muito a fazer mas depois culpar incendiários como se tudo o resto estivesse bem não fosse o bandido? Não. Efetivamente muito foi feito para melhorar este sistema. Contudo, este é daqueles casos em que nos tornamos vítimas do próprio sucesso: quanto melhor funciona o sistema de exclusão de fogo (é o que temos e o seu programa eleitoral ao mencionar o uso do fogo como ferramenta mostrava a consciência de que este não pode ser o caminho) ano após ano, mais contribui para ampliar a tragédia futura.

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Permita-me uma metaforização para explicar isto: temos uma casa onde a mangueira do gás está rota, com uma fuga (temos uma paisagem em que o mato cresce livremente — aquilo a que também muitas vezes ouvimos chamar um “barril de pólvora”); perante esta situação o que fazemos é evitar a todo o custo uma faísca? (aqui temos o seu apelo — e que não é só seu nem é de agora — aos cidadãos para diminuirem o risco); trabalhamos (o tal muito trabalho feito) para evitar a ignição, só que como VExa. bem disse o outro dia “elas virão. É inevitável”. Pois é. Por encararmos o problema pelo lado errado, tudo falha (caro Rui Rocha: as reparações são justas, mas vale de pouco caçar falhas porque no meio do caos também elas são inevitáveis) o desastre inevitavelmente vai ocorrer.

O que devíamos fazer? Abrir uma janela para o gás sair. O gás é o mato e abrir a janela é cortar mato. Não esta brincadeira cara e inconsequente de limpezas de infraestruturas à moda socialista – uma invenção de Costa em 2006 – mas sim ao nível da paisagem: cerca de 200 mil hectares por ano pelas contas da própria AGIF.

É aí Sr. Primeiro Ministro que está tudo igual. Bem se tem trabalhado para sensibilizar as pessoas da casa a não ligar interruptores que podem fazer faísca, para prender os malucos ou os criminosos que riscarem fósforos ou os negligentes que deixem cair um objeto ao chão. O mal é que a casa está cheia de gás e se não for de uma coisa é de outra… Porque não há quem abra a janela.

Não é fácil? Não, claro que não. É tarefa de pouca visibilidade, de resultados a prazo, com custos que a economia sozinha pode não justificar, em áreas despovoadas, etc., etc. Mas este era o trabalho que evitaria desgraças futuras. E que, contas feitas, para o Estado – além da justiça de pagarem todos pela proteção de todos – até era uma gota de água: ao custo do fogo controlado 200 mil hectares seriam uns 25 milhões de euros. Como aplicá-los bem, já o ano passado o sugeri neste ensaio para este jornal a que, por forma a não me repetir para os leitores, o convido a dar uma vista de olhos.

Deixe-me terminar dizendo que me tem surpreendido pela positiva nestes poucos meses de governo. Escrevi aqui duvidando das suas opções, pela fragilidade que via nelas, mas afinal eu estava errado porque tem mostrado força e capacidade para superar as adversidades. E é por essa força e por acreditar na sua vontade de mudar, que lhe faço este apelo para que pelo menos dispenda um bocadinho do seu precioso tempo a pensar no que aqui escrevi. Porque os fogos catastróficos são evitáveis, mas desde 1961, quando ali mesmo em Pedrógão e Figueiró dos Vinhos um grande incêndio destruiu 3 aldeias, ceifou vidas humanas e animais, casas, etc., que ouvimos sempre o mesmo, mas no fim fica tudo na mesma.

Seja – e de mim (e de todos os portugueses fartos disto) só desejo o seu maior sucesso – melhor que os outros. Terá é que fazer diferente, porque fazendo sempre a mesma coisa, o resultado não pode ser diferente.

Com os meus melhores cumprimentos,

Lisboa, 17 de Junho de 2024