Eu creio que será uma bela oportunidade que os portugueses terão para mostrar um cartão amarelo ao Governo.” (Luís Montenegro, a propósito das eleições europeias)

Quando a CEE nasceu, em 1957, com seis países, tinha quatro instituições: a Comissão (com  poderes executivos, comparável a um governo), o Conselho (uma espécie de senado, ou “câmara alta”, tal como existe em vários países europeus), a Assembleia (ou “câmara baixa”,  que depois passou a ter o nome atual de “Parlamento Europeu”) e o Tribunal de Justiça.

Inicialmente, o Parlamento Europeu (PE) tinha uma função meramente consultiva. Era composto por deputados dos parlamentos nacionais, que dispunham de um duplo mandato: eram simultaneamente deputados nacionais e europeus. A primeira vez que houve eleições diretas para o PE foi em 1979. Os deputados europeus deixaram então de ser meros delegados dos parlamentos nacionais para passarem a ter uma legitimidade própria. Os cidadãos dos  Estados-membros foram “elevados” à categoria de “cidadãos europeus”. Foi-lhes dito, na  prática, que existia um novo patamar político, acima do nível nacional, em que podiam  interferir de forma mais direta: o da Europa. Os portugueses, ao aderirem à CEE em 1986,  passaram a ter um novo nível de intervenção através do voto: além da freguesia, do concelho e do País (e da região, no caso de Açores e Madeira), passaram a ter uma palavra a dizer no  âmbito europeu.

O Parlamento Europeu foi aumentando também os seus poderes, como que a justificar o facto de ser eleito por sufrágio direto e universal. Atualmente, na maioria das matérias, só pode ser  produzida legislação europeia se o PE a aprovar, em igualdade de circunstâncias com o  Conselho. Para além disso, a Comissão, incluindo o Presidente (atualmente Ursula von der  Leyen), depende também da aprovação do PE. Este órgão tem também uma função de  escrutínio da Comissão e poderes orçamentais alargados.

A afirmação de Montenegro acima citada implica a assunção de que toda esta evolução foi em vão. Montenegro diz, veladamente, que os portugueses não merecem ter uma palavra a dizer na Europa. Quando diz que os portugueses devem usar estas eleições para dar um “cartão  amarelo” ao Governo do PS, está a declarar ser irrelevante saber para que servem os deputados europeus. Para Montenegro, o Parlamento Europeu podia continuar a ser  meramente consultivo, como na origem. O que interessa é aproveitar as eleições europeias  para fazer uma sondagem nacional.

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É uma atitude similar à de alguém que declara votar nas eleições para a Assembleia da  República com o objetivo de dar um “cartão amarelo” ao presidente da junta.

Estou a ser injusto com Montenegro. Todos os líderes políticos nacionais pensaram assim desde 1996. O mesmo fenómeno se passa na Europa, como se a “cidadania europeia” fosse uma ficção inútil.

Por isso defendo, como já tive oportunidade de expor mais detalhadamente num outro artigo,  que os eleitores, nas eleições para o PE, deixem de votar em partidos nacionais e passem a votar em partidos europeus e em listas europeias únicas. Seria um passo de gigante e comportaria riscos, pelo que o processo de mudança deveria ser progressivo, com dois boletins de voto em cada eleição europeia: num estariam listados os partidos nacionais (PS,  PSD, etc.), como acontece atualmente, e no outro os partidos europeus (PPE, PSE, ALDE, etc.). Esta solução permitiria uma habituação paulatina dos eleitores às realidades que verdadeiramente interessam nas eleições europeias.

A realidade é que os partidos nacionais se esgotam a seguir a cada eleição europeia: não existem “deputados do PS” ou “deputados do PSD” no Parlamento Europeu. Aliás, quantos  eleitores sabem que os deputados eleitos “através” do PSD e do CDS fazem parte do mesmo partido europeu e vão para o mesmo grupo parlamentar? E que o mesmo se passa com os  eleitos do PCP e do BE?