Como escrever sobre a Europa sem ser maçador?

O meu primeiro contacto com a “Europa” foi no final dos anos oitenta, quando o meu irmão  mais velho, então estudante no Técnico, me disse que lhe estavam a pagar para tirar um curso.  “Pagam-te para estudares?” Era algo tão estranho, tão fora do senso comum da época, que o  meu espanto só pôde ser atenuado quando ele me disse: “Pois, é a CEE.”

Desde que aderiu à então CEE, em 1986, Portugal recebeu cem mil milhões de euros, incluindo  subsídios para não produzir. Hoje a Europa continua a significar essencialmente dinheiro, só  que agora não chega tão facilmente ao cidadão comum como nos tempos áureos do Fundo  Social Europeu, nos quais, em bom rigor, nem era preciso estudar para receber: bastava  assinar umas folhas de presença em sessões que nunca tinham existido e receber um diploma de cozinheiro e o respetivo cheque.

O que interessa agora a Europa aos europeus? Desde as primeiras eleições diretas para o  Parlamento Europeu (PE), em 1979, em que votaram 66% dos eleitores, a participação popular  veio sistematicamente a diminuir, atingindo o mínimo em 2014 (43%), até que houve uma  ligeira inversão da tendência nas últimas eleições, em 2019. Essa inversão foi motivada por uma campanha lançada nas redes sociais pelo Diretório-Geral de Comunicação do PE sob o  slogan “Desta vez voto”, na qual participaram cerca de mil “celebridades”, desde a ativista  ambientalista sueca Greta Thunberg até ao futebolista alemão Julian Draxler. Votaram então  51% dos europeus. Os eleitores indicaram as mudanças climáticas, a economia e emigração como as suas maiores preocupações. No entanto, em Portugal a campanha não teve efeito: votaram apenas 31% dos eleitores.

As eleições para o Parlamento Europeu interessam pouco aos europeus e muitíssimo pouco aos portugueses. Há algumas razões para que isso aconteça, que abordarei noutro artigo, mas há uma que gostaria de destacar agora: os eleitores de cada Estado votam em partidos que não vão estar representados no Parlamento Europeu. Os deputados eleitos integram um dos sete grupos parlamentares europeus (ou ficam, excecionalmente, como “não inscritos”), diluindo-se a relação com os partidos nacionais que os elegeram.

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Um exemplo serve para ilustrar este ponto: nas eleições de 2019 os deputados eleitos pelo PSD (6) e pelo CDS (1) integraram um único grupo parlamentar no Parlamento Europeu, o  Grupo do Partido Popular Europeu (PPE). Depois de eleitos, os deputados tendem a seguir a disciplina dos grupos europeus. Dito de outra forma: em regra, os grupos no PE votam em bloco, e os deputados “esquecem” a sua nacionalidade e as suas filiações partidárias nacionais – a menos que a distância entre a posição do partido nacional e a do grupo europeu seja  grande, como aconteceu em 2015, quando o Fidesz (partido magiar liderado por Viktor Orbán)  se manifestou contra uma decisão do Grupo PPE de que fazia parte, relativa à distribuição de refugiados por vários países europeus, por forma a diminuir a pressão sobre a Grécia e a Itália: os 12 deputados do Fidesz votaram contra. Afinal, são os partidos nacionais que elegem os  deputados e estes dependem daqueles para integrarem a lista para a eleição seguinte.

Voltando ao caso português: se verdadeiramente interessasse a política europeia, o PSD e o  CDS concorreriam em coligação para não desperdiçarem votos (e o mesmo fariam o PCP e  Bloco de Esquerda, cujos eleitos vão para um mesmo grupo, o “The Left”).

Fiz umas contas: em 2019 o PSD elegeu 6 deputados com 727 mil votos, enquanto o CDS  elegeu um com 205 mil. Se tivessem concorrido em coligação (e supondo que os eleitores  manteriam o seu sentido de voto), PSD+CDS teriam obtido 932 mil votos. Aplicando o método  d’Hondt ao círculo nacional (já que nas europeias não há círculos distritais), esta hipotética  coligação teria elegido 8 deputados, mais um do que os dois partidos em separado.

No entanto, infelizmente, diria eu, os partidos preocupam-se mais com o impacto nacional das  eleições europeias, como se de uma sondagem se tratasse, e não com o verdadeiro objetivo  destas eleições, que é o de ter deputados que defendam uma certa linha ideológica sobre  temas transnacionais. Não se trata, no entanto, de um problema exclusivamente português, e isto acontece porque quem concorre às eleições europeias são partidos domésticos, em eleições nacionais, para disputar quotas nacionais de deputados, escolhidos pelos partidos nacionais e não por partidos europeus.

Uma solução para tornar as eleições para o Parlamento Europeu mais centradas em questões  europeias seria a de os eleitores passarem a votar em listas transnacionais, iguais em todos os  países, em eleições simultâneas, compostas por candidatos dos vários Estados-membros. Os  círculos nacionais passariam a um único círculo europeu.

Esta eventual solução poderia ser implementada gradualmente, para testar o nível de adesão  dos eleitores: numa primeira fase haveria um círculo europeu (constituído, por exemplo, pelos  lugares deixados vagos pela saída do Reino Unido), a par dos círculos nacionais. Os eleitores  fariam dois votos em cada eleição.

Seja qual for a solução, penso ser evidente que o modelo atual deve ser urgentemente repensado, sob pena de as eleições europeias se tornarem quase irrelevantes e passar ser preferível, e mais barato, regressar ao modelo pré-1979, sem eleições diretas, e em que o  Parlamento Europeu consistia, simplesmente, em representantes dos parlamentos nacionais.