If we don’t believe in freedom of speech for those we despise, we don’t believe in freedom of speech at all
Noam Chomsky

Esta citação de Chomsky revela-se de extrema importância no que diz respeito ao nível valorativo da liberdade de expressão. Enquanto a liberdade de expressão não for considerada como um princípio/valor antes de um direito, o próprio conceito de liberdade nunca poderá ser percebido, muito menos respeitado e cumprido. O princípio da liberdade de expressão existe para proteger todo o tipo de opinião, desde a mais consensual à mais controversa e minoritária. Uma sociedade onde apenas exista a opinião maioritária e que silencie vozes dissidentes ou que estão à margem da sociedade, não poderá ser considerada uma sociedade verdadeiramente livre, uma vez que esse direito não é universal. Se a história da humanidade foi capaz de mostrar algo, foi que é muitas vezes impossível ter a certeza absoluta de algo, pelo que terá sempre que existir espaço para um diálogo constante que permita as sociedades evoluírem acerca dos seus pressupostos deixando as suas ideias abertas a críticas.

Stuart Mill percebeu este princípio fulcral para a vitalidade das sociedades, ao apresentar a noção de “tirania das maiorias” (On Liberty, 1859). Se uma maioria puder censurar indivíduos com opiniões controversas ou minoritárias uma sociedade será tirânica. Uma sociedade onde apenas impere uma noção/conceito ou ideia oficial ou concordante e em que não haja espaço para uma livre circulação de ideias e de debate, é uma sociedade estagnada. Como Mill veio a evidenciar, uma ideia que seja aceite como verdade absoluta e que nunca venha a ser testada ou defendida transformar-se-á num dogma. Um princípio ou “facto assumido” que não seja permitido ser questionado, mesmo que este seja verdade, sem contestação nunca poderá ser fortalecido, podendo ser considerado mera superstição.

Indivíduos que estejam seguros acerca da exatidão de uma determinada posição, opinião ou ideia que possuam, serão beneficiários de uma troca de ideias ou argumentos contrários aos seus; só assim poderão perceber melhor a sua própria posição e fortalecê-la. Contrariamente, se uma certa ideia for generalizadamente e oficialmente aceite como verdadeira nunca terá que ser defendida e, portanto, fortalecida.

Depois da famigerada lei dos “direitos humanos na era digital” ter sido aprovada (sem qualquer oposição), que se tem repercutido algum eco de indignação nas redes sociais. Fosse a dita lei já estar em vigor e muito deste diálogo espontâneo que tem ocorrido, já teria sido silenciado/contextualizado e carimbado como “fake news” pelo novo “ministério da verdade” (já não chega as próprias redes sociais fazerem isso mesmo, agora também teremos o Estado).

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A verdade é que, numa linha temporal desde 1995 até hoje, 70% do tempo fomos governados pelo Partido Socialista. Tal longevidade política e respetivas políticas públicas de dependência estatal inculcou nas massas essa mesma necessidade de submissão voluntária ao Estado em todas as frentes, de tal modo que é permitido ao Governo assumir uma postura paternalista sobre a vida das pessoas em todos os aspetos; neste em particular, de forma a permitir ao criador da obscena lei, o deputado José Magalhães, afirmar “que não são um bando de fascistas e que o que querem é estimular os cidadãos a não engolir petas”. Ignorando o facto de que é típico do fascismo, o Estado ditar que informação é que deve ou não ser veiculada, é preciso estar inchado de auto-estima política, descaramento e prepotência, para alguém numa posição de poder criar uma lei que confere ao Estado o papel de educador das massas numa sociedade que se diz e se quer livre! A que propósito é que o sr. deputado assume que eu e demais cidadãos não queremos ser livres ao ponto de estar suscetíveis de “tropeçar em “petas”?  ou de procurar informação individualmente sem o estado dizer a priori que algo é mentira ou que não é fonte de informação reconhecida como fidedigna pelo Estado? Não é, porventura, um dos riscos da condição de viver em liberdade incorrer na hipótese de ser enganado ou de se enganar?

Só num Estado de socialismo crónico e de apatia generalizada da população é que tal postura de arrogância por parte dos legisladores não provoca manifestações em massa a exigir demissões; só num Estado de socialismo crónico é que a influência do Partido Socialista nos media em Portugal e dos media no PS é tão descarada, que ambos precisam um do outro para garantir e perpetuar o seu poleiro de forma tão despudorada, que sintam necessidade de recorrer a subsídios diretos, com critérios arbitrários, como “forma de apoio” para estes mesmos órgãos de comunicação; ou neste caso, a leis que atestem carimbos de competência aos mesmos.

Efetivamente, desde que a internet e as redes sociais apareceram, que se verificou uma democratização da circulação de informação e o acesso direto à mesma, a partir da qual os cidadãos se tornaram livres de formar as suas próprias opiniões sem influência subtil de um qualquer órgão de comunicação; por consequência os meios de comunicação mainstream, cujo modelo de negócio se encontra cada vez mais obsoleto, perderam o papel de intermediário e do monopólio da informação e, consequentemente, tem vindo a perder a influência que outrora tinham. Daí a necessidade desesperada de se recentralizarem como fonte de informação credível e fidedigna, como portadores e donos da “verdade” sob a capa dos famosos fact checkers (no futuro breve com “selo de qualidade” dado pelo Estado).

Se é verdade que as redes sociais vieram democratizar a circulação de informação, por consequência colocou as pessoas vulneráveis à receção e partilha de desinformação, também é verdade que este perigo poderá constituir um mal menor com o qual teremos que saber viver; pois assim como a liberdade de expressão acarreta os seus perigos, a não existência desta constitui um potencial perigo muito maior: a instituição de dogmas, a ortodoxia, a censura e falta de liberdade para pensar e debater ideias.

Mesmo colocando de parte os conflitos de interesse existentes entre o establishment político e a comunicação social, e assumindo que os respetivos fact checkers e demais órgãos de comunicação social agem de boa vontade e com o verdadeiro intuito informar imparcialmente, como se pode conceber que num país livre um determinado órgão possa ser considerado a fonte oficial de informação credível pelo Estado ao invés de fonte oficiosamente credível pela generalidade dos consumidores?

Tal como qualquer organização, qualquer órgão de comunicação também é composto por pessoas, portanto falível, nunca estando livre de todo e qualquer tipo de erros. Sejam estes, erros que são assumidos formalmente como “verdade”, pelo Estado, entidades oficiais, comunicação social ou “especialistas”, sejam erros por enviesamentos ou até, nos piores casos, conflitos de interesse.

Se exemplos faltassem, aquando da evolução da pandemia da Covid-19 em Portugal, a 22 de Março, a Diretora da Direção Geral da Saúde mencionou que as pessoas não deveriam usar máscaras para prevenção do vírus, uma vez que estas apenas criariam uma falsa sensação de segurança, tendo num espaço de poucas semanas voltado com a palavra atrás e passado a recomendar o uso de máscara como meio de proteção para o vírus. Não tendo a ciência mudado neste curto espaço de tempo, poderemos considerar, que eventualmente as declarações iniciais da responsável pela DGS terão servido como forma de prevenção a uma procura de máscaras acima da oferta existente, que levasse a quebras de stock onde estas fossem mais necessárias ou apercebeu-se da utilidade desta “falsa sensação de segurança” para o cidadão comum. Não questionando esta opção de estratégia política, vale, no entanto, a pena recordar o subdiretor de informação da SIC e diretor do polígrafo, que apresenta o seu programa como ferramenta de apuramento da verdade dos factos, contra a difusão de falsidades, manipulações e demais exercícios de desinformação, a dar a cara por uma aparente mentira propagada pelo Governo, reproduzindo exatamente a mesma mensagem inicial feita pela DGS acerca do uso de máscaras.

Sendo o objetivo de qualquer jornalista, a busca pela verdade através da prestação de um serviço de informação imparcial ao público; sabendo que, até certo ponto é impossível fugir a enviesamentos organizacionais, individuais ou simplesmente à falibilidade humana, como poderemos conceber de forma absoluta que uma determinada entidade ou indivíduo se declare oficialmente dono legítimo dessa mesma alegada verdade? Como é que, censurando informação alegadamente falsa e contrária ao que é “oficialmente” anunciado como verdade, e sem um verdadeiro escrutínio público ou debate de ideias, podemos verdadeiramente distinguir o que é verdade do que é dogma ou ortodoxia?!

O caso histórico da difusão da teoria heliocêntrica por Galileu, que levou ao seu julgamento em 1616, é um exemplo claro de uma ideia que era contrária à ortodoxia da altura, imposta pela então autoridade da “verdade” estabelecida, a inquisição. Galileu foi forçado a não divulgar a sua teoria e foi condenado. Este exemplo histórico, tal como o anteriormente mencionado, oferece-nos três conclusões que poderão ser retiradas acerca da complexidade e importância da existência da liberdade de expressão, bem como das consequências das suas limitações:

  • discurso censurado é discurso que prolifera;
  • por detrás da censura pode estar uma grande verdade;
  • o preço a pagar pela liberdade de expressão absoluta existe, mas é bem menor do que a alternativa – a tirania da maioria.

Efetivamente, apenas com um debate de ideias sério se fortalece uma determinada ideia considerada verdade ou se refuta esta. Se o leitor imaginar uma situação em que não se tratasse dos exemplos anteriormente dados, um caso de saúde pública ou do conhecimento do mundo físico (ambos de extrema importância), mas de eleições? Poderíamos de facto confiar a 100% em fact checkers com selo do governo como órgãos da “verdade”?!

Tal e qual como no clássico 1984 de George Orwell, a entrada em vigor da perniciosa lei dos “direitos humanos na era digital” (nome pomposo e bonito para enganar os mais distraídos e ingénuos) abre o precedente perigoso para um pesadelo distópico semelhante, no qual o “ministério da verdade” está envolvido com a comunicação social, cujo objetivo é redesenhar a História e os factos conforme a ortodoxia e conveniência do partido que governa. O Big Brother faz uma previsão que se revela errada, mas na qual os funcionários do ministério da verdade terão que moldar essa mesma previsão de forma a torná-la “correta”. Ao famoso lema do big brother de 1984: “Guerra é paz, liberdade é escravidão, ignorância é força”, poderíamos adicionar o contributo de José Magalhães: “Censura é liberdade!”

Em boa verdade, ao assumir-se à partida um determinado órgão como detentor da verdade (neste caso com carimbo de qualidade), haverá de forma semelhante um eventual perigo do polígrafo ou qualquer fact checker (cujo Estado considere fidedigno) também se transformar numa espécie de ferramenta de propaganda ao serviço do governo ou de qualquer tipo de conflito de interesse.

Sendo todas as instituições compostas por indivíduos, que são por natureza falíveis, não será a existência de um qualquer critério para evitar a propagação de determinadas ideias necessariamente arbitrário, mecânico e, portanto, anti-humano e, consequentemente, contrário ao progresso?!

Se o caro leitor acha que isto não passam de exageros e se mantém crédulo acerca das boas intenções dos governantes e da benevolência da dita lei para um problema real, basta fazer um exercício simples: imagine o partido que mais detesta e que considera perigoso no governo; agora imagine esse mesmo governo a dizer quais são as fontes de informação fidedignas e o que constitui “fake news” e o que não o é; a partir daí ficará com uma ideia mais clara de quão perniciosa esta lei é.

Se continua a achar que vai “ficar tudo bem” com esta lei, então o pior cego é o que não quer ver ou o que não lhe é permitido ver.