Numa sociedade cada vez mais secular e desconectada das suas raízes, seria expectável que os ateus, na sua animosidade anticlerical, em nome de um putativo laicismo exacerbado (como se um modelo de laicismo impedisse um evento de natureza confessional) rasgassem as vestes de indignação perante um evento da magnitude das JMJ. Independentemente dos argumentos desferidos, fossem eles de investimento económico, de falta de preparação, etc. quando enfrentados com aquilo que foi a realidade da JMJ, o que estava verdadeiramente por detrás das suas motivações era a constatação (para estes azeda) de que numa sociedade cada vez mais secular, agnóstica ou fervorosamente ateia, em que o sentido da vida fica reduzido a um pseudo código moral de indiferença de “cada um faça o que lhe der na gana e seja feliz”, que a Igreja e a sua mensagem esteja viva e ainda mova tanta gente, ainda por cima gente nova. De que ainda haja gente que encontra o seu sentido da vida no princípio transcendental Cristão e não na fugacidade do momento.

O compasso moral, atualmente medido pelas redes socais, pelos ativismos onde a sinalização de virtude e o narcisismo que daí advém são vistos como virtude. Onde a promiscuidade, o álcool, a gratificação instantânea constante é a fonte de prazer, como se isso fosse uma coisa boa que traz qualquer espécie de sentido para a vida. Onde o feio é tornado equivalente ao belo e onde as falsas equivalências são reinantes. Onde a técnica e a evolução tecnológica é tudo que basta e é um meio e fim em si mesmo. Onde a dignidade da pessoa é avaliada pela sua funcionalidade e autonomia dentro da sociedade e não pela dignidade intrínseca da pessoa. Tudo isto, tem trazido um acumular de desânimo, de vazio existencial e depressão nos jovens.

Quem precisa de salvação? Ninguém! O estado, os políticos e o ethos dos ativistas e grupos de pressão, irão resolver os nossos problemas e salvar-nos-ão da catástrofe e da nossa condição existencial… uma das muitas mentiras.

A Igreja Católica, através das JMJ, mostra-nos um caminho alternativo e com muito mais sentido.

Já tinha estado numas JMJ , portanto para mim não foi surpresa, mas quanta gente deve ter ficado surpreendida ao ver bandeiras de Israel e da Palestina no mesmo sítio, bandeiras Russas e Ucranianas no mesmo sítio, bandeiras de todos os povos e culturas do mundo representados e a conviver não só sem animosidade, mas numa alegria contagiante e numa fraternidade e diversidade verdadeiras, que não era desenraizada, imposta, coagida, mas voluntária e assente num princípio e fim concreto comum, Jesus Cristo, a sua Igreja e mensagem, representada pelo sucessor de Pedro, o Papa Francisco. E é precisamente isto que faz tanta confusão a muita gente: de que mesmo no mundo dito “civilizado”, em pleno século XXI (como os autoproclamados iluminados gostam de dizer) da tecnologia de ponta, da ciência como um meio e fim em si mesmo (na verdade isso não é ciência é cientismo), em que tudo (será mesmo tudo?) está à distância de um clique, que apenas Cristo tenha este poder unificador e de sentido na vida de tanta gente tão diferente. Estes preferem ignorar que grande parte do legado civilizacional do qual são beneficiários não vem do éter do Iluminismo, mas precede-o.

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A Via-sacra, é um exercício de reflexão e oração profunda, no qual se revive os momentos finais da vida de Jesus Cristo, nela é oferecida uma oportunidade única para nos confrontarmos com o sofrimento, a abnegação, a compaixão e a redenção do sacrifício. A palavra “sacrifício” deriva do termo latino “sacrificium“, que é uma combinação de duas palavras: “sacer”, que significa “sagrado”, e “facere”, que significa fazer/realizar. A palavra “sacrifício” na sua essência e origem etimológica quer dizer “tornar sagrado”. O derradeiro mandamento proclamado por Jesus, “Amai-vos uns aos outros como eu Vos amei”, está intimamente ligado com esta noção de sacrifício, que transcende os limites das interpretações superficiais contemporâneos da palavra “amor” que permeiam nossa cultura. Neste contexto, o significado intrínseco de amor, enraizado no Novo Testamento e na mensagem bíblica, distingue-se de qualquer conotação meramente emocional ou passional.

A raiz desse amor Cristão, encontra-se nos evangelhos literalmente enraizado na palavra grega “ágape” (αγαπη). O “ágape” na bíblia está intimamente ligado à noção de Amor incondicional de Deus e do testemunho de Jesus, representa uma forma de amor altruísta e sacrificial, desinteressado, que não se restringe à atração romântica ou à satisfação dos desejos pessoais. É um amor que transcende a superficialidade das emoções momentâneas e abraça um compromisso profundo de devoção, dedicação e crescimento do outro independentemente das suas circunstâncias. Este amor transcende o “eu” e manifesta-se através de ações concretas e altruístas que visam desapegar-me do “eu” e nutrir, cuidar e elevar a condição do próximo. O amor/”ágape” é ilustrado de maneira vívida nas Escrituras Sagradas, especialmente nos ensinamentos deixados por Jesus Cristo. Ele não proclamou apenas este amor incondicional, mas personificou-o através do seu sacrifício supremo na cruz. O amor sacrificial de Jesus, que o levou a entregar sua própria vida para salvação da humanidade, é, segundo a tradição Cristã e Católica, a personificação máxima do “ágape” e serve como um farol para compreendermos a profundidade da mensagem Cristã.

Quando Jesus exortou seus seguidores a “amarem-se uns aos outros como eu vos amei”, ele estava a convocar a uma forma de amor que vai além do superficial e do transitório. Esse amor implica compromisso, empatia, abnegação total e ação em benefício do outro, independentemente das circunstâncias ou interesses pessoais. Por isso, aos olhos da Igreja, tendo o Sacramento do Matrimónio o selo de Deus, este é considerado indissolúvel. O “ágape” é uma expressão nobre de amor que permeia a mensagem bíblica e continua a inspirar uma vida de serviço, compaixão, de verdadeira conexão e elevação humana, de transcendência às nossas limitações.

No entanto num mundo onde a palavra Amor está adulterada pela nossa cultura, em que esta é tantas vezes confundida com paixão ou mera emoção, ou até egoísmos, onde é comum ouvir clichês superficiais de “auto ajuda” como “Primeiro, ama-te a ti mesmo”, onde é fácil estar com o pé na porta de saída e não estar totalmente dedicado ao outro (a taxa de divórcio em 2020 chegou aos 91%), onde “a verdade é relativa” e onde o sacrifício é visto como um coisa penosa e chata, é normal que, independentemente da validade da mensagem Cristã, parte da sociedade a receba com hostilidade. As pessoas, regra geral, não gostam de ser confrontadas com as suas limitações.

Num mundo saturado de estímulos visuais, distrações constantes, prazeres momentâneos e todo o tipo de comodidades acessíveis, a Via Sacra desafia a quem nela participa a abrandar o ritmo frenético do dia a dia e das distrações e mergulhar na introspeção da Paixão de Cristo. Ao seguir os passos de Jesus carregando a Cruz, os jovens foram levados a confrontar a realidade do sofrimento humano, a explorar o significado da resiliência por um bem maior e a abraçar a mensagem de esperança que advém da vida de Jesus. A Via Sacra serve como um contraponto à cultura contemporânea de indulgência imediata e evasão da dor, onde a dor e sofrimento é muitas vezes olhada de lado de forma voluntária ou com indiferença e, aproveitando as palavras do Papa no seu primeiro discurso, se apresentam “soluções cómodas que parecem doces, mas na realidade são mais salgadas que as águas do mar”. Num mundo que muitas vezes promove a busca incessante pelo prazer e a fuga das dificuldades, a Via-sacra relembra aos jovens o âmago da mensagem salvadora de Jesus e da sua Igreja, de que a jornada rumo à realização espiritual envolve o sofrimento inerente à vida, do qual não podemos escapar, mas ao qual lhe podemos dar significado e transcendê-lo; que isso implica desafios e sacrifícios, mas que estes podem trazer grande sentido e recompensa e que é precisamente nesse processo de descoberta e de emulação da sua mensagem, que se encontra o verdadeiro crescimento e significado da vida.

Numa sociedade frequentemente obcecada pela busca incessante do prazer e pela fuga às dificuldades, a Via Sacra emerge como uma tocante recordação do cerne da mensagem redentora de Jesus e da sua Igreja. A jornada em direção à realização espiritual, como nos relembra o seu caminho, não é isenta do sofrimento, mas ele é intrínseco à própria experiência humana. No entanto, é justamente nesse confronto com os desafios e sacrifícios que encontramos a oportunidade de conferir sentido profundo à vida e de alcançar recompensas de valor incalculável, de viver uma vida com profundidade e sem superficialidade. Ao abraçarmos esse processo de descoberta e ao emular a mensagem de Jesus, não só experimentamos um crescimento genuíno e maduro, mas encontramos um significado mais profundo e autêntico para a nossa existência.

Na Via-sacra foi partilhado o testemunho de um jovem de 29 anos, dos EUA, chamado Caleb, e a sua jornada de encontro até à Igreja Católica. Caleb contou a sua história, um passado conturbado marcado por uma relação problemática e abusiva do seu pai, o divórcio contencioso dos pais e a sua queda no consumo de drogas, depressão e auto-mutilação. O seu relacionamento com a sua namorada, agora mulher, levou-o a procurar a plenitude de um caminho alternativo à sua vida e que o encontrou em Cristo: “O Senhor ouviu os meus clamores e enviou-me o presente mais bonito. Aquele que eventualmente se tornaria a minha mulher.” Caleb e a sua mulher começaram a envolver-se numa Igreja Protestante local. Ao tentar aprofundar a sua fé começou a ensinar essa fé aos jovens, o que o levou a concluir de que ainda sabia pouco sobre a fé Cristã e, ao realizar a sua própria pesquisa sobre a Igreja Primitiva, percebeu então a presença substancial de Jesus se encontrava na Eucaristia, converteu-se ao Catolicismo onde encontrou consolo e salvação.

Outro testemunho marcante foi de uma jovem que tinha ficado paralítica e mais tarde engravidou do seu namorado, e que a dada altura, pressionada pelo medo, tinha feito um aborto. Desde então, ao perceber que tinha tropeçado em eufemismos e em cómodos relativismos, que tinha descartado a vida do seu filho, sentiu um remorso imenso e só através do Sacramento da Confissão e na descoberta da sua fé encontrou conforto emocional, espiritual e redenção. Agora é casada e tem uma filha. Isto são apenas dois testemunhos de esperança que são reflexo de alguns dos problemas que muitos jovens enfrentam e aos quais sociedade, no meio dos seus “especialistas”, gabinetes de estudo e afins não consegue responder e de que a Igreja Católica consegue. Tudo isto é contrário à narrativa da cultura moderna, materialista, superficial, de egoísmos, de que a religião não tem qualquer utilidade. Tudo isto incomoda a mensagem contemporânea de prazer, alívio instantâneo como advento da felicidade, do “faz o que te der na gana e serás feliz”. Tudo isto contraria até a ideia de que o verdadeiro significado da vida é a felicidade (basta confrontarmos com uma tragédia pessoal para constatar que tal objetivo é impossível) e não uma vida com sentido de profundidade, serviço e transcendência à nossa condição falível de humanos.

Uma das mensagens centrais do Papa nas JMJ transcende os espaços sagrados e alcança o centro das vidas diárias dos jovens, dos seus anseios, inseguranças e medos. “Não tenhais medo de abrir as Portas a Cristo” reiterou o Papa Joao Paulo II várias vezes durante o seu pontificado. O Papa Francisco também reiterou nestas JMJ “Não tenham medo”. Isto contrasta com a mensagem de desespero que, tantas vezes propagada na sociedade para ter medo, que vamos todos morrer (que novidade), que o fim do mundo das alterações climáticas está aí à porta, que o contacto humano deve ser evitado por causa do vírus, de que não se deve ter filhos porque já há tragédia que chegue ou sobre o pretexto da “pegada ecológica”. Numa sociedade secularizada, onde a busca frenética por prazeres momentâneos muitas vezes obscurece o verdadeiro significado da existência, a fé Católica, após 2000 anos, continua a proporcionar um guia sólido para encontrar propósito e sentido em cada aspecto da vida para muitos jovens.

No Sábado, na adoração do Santíssimo Sacramento, um milhão e meio de pessoas estiveram durante vários minutos sentadas em silêncio total, em oração e contemplação. Ali, naquele silêncio sepulcral, no meio do mundo frenético em que vivemos, ficou claro para tanta gente o que realmente importa: que na procura e encontro com Deus, as nossas dores, angústias pessoais, receios e inseguranças são atenuadas e relativizadas se prestarmos atenção e permitimos que o consolo da sua mensagem revelada toque no nosso íntimo. Ele enche-nos de Paz e recebemos a inspiração divina necessária para encontrar luz na escuridão das dificuldades e enfrentar a tragédia da Vida. A fé não move montanhas, mas move pelo menos 1,5 milhões de pessoas a deixarem o conforto das suas casas, a fazerem vários quilómetros a pé debaixo do calor tórrido e põe-nos em silêncio, meditação e oração e não é coisa pouca.

No dia seguinte à adoração do Santíssimo, um milhão e meio de jovens acordaram para a missa de Domingo e encerramento das JMJ. Acordaram às 6 da manhã com um Padre DJ a passar um set de meia hora de músicas tecno misturadas com partes de discursos do Papa Fancisco e do Papa João Paulo II. Um mar de jovens a acordar com o nascer do sol, a dançar em plena alegria genuína. Isto terá feito confusão a muitas pessoas e jovens que tem a ideia estereotipada de que os padres são pessoas bafientas, sem qualquer interesse comum ou de que não é possível divertir-se e estar num “after” em euforia sem álcool, drogas ou promiscuidade, ou de que os jovens católicos e os padres são uns beatolas totós (algumas das pessoas mais alegres que conheci na vida são padres). Quando na verdade são apenas pessoas comuns com vidas e dramas comuns, que procuram o verdadeiro significado da vida e que o encontram na procura de aprofundamento numa coisa com 2000 anos, chamada Evangelho. Certamente que alguma parte daquela gente terá ido só pelo convívio e turismo ou mesmo pelas miúdas, uns terão ficado apenas com uma ideia superficial de fraternidade e frases feitas num tom de autoajuda, mas muitos outros terão sido apanhados de surpresa pelo essencial e perceberam que os nossos valores não são bons porque são antigos, mas que são antigos porque são bons.

Cristo disse de forma inequívoca “Eu sou o caminho, a verdade e a vida” (João 14:6) e foi isso que também muita gente se terá apercebido nessa semana.

Nota editorial: Os pontos de vista expressos pelos autores dos artigos publicados nesta coluna poderão não ser subscritos na íntegra pela totalidade dos membros da Oficina da Liberdade e não reflectem necessariamente uma posição da Oficina da Liberdade sobre os temas tratados. Apesar de terem uma maneira comum de ver o Estado, que querem pequeno, e o mundo, que querem livre, os membros da Oficina da Liberdade e os seus autores convidados nem sempre concordam, porém, na melhor forma de lá chegar.