A redução da taxa de juro dos Certificados de Aforro (CA) teve um efeito inesperado: colocou a poupança no centro do debate político e mediático. A poupança é uma palavra proibida em Portugal e pouco popular na generalidade das democracias. O problema da baixa poupança das famílias portuguesas e os desafios que coloca ao seu bem-estar futuro está identificado. A quebra esperada das pensões de reforma em relação ao valor do último salário e as pressões que a demografia coloca à sustentabilidade da Segurança Social tornam a poupança cada vez mais importante para proteger o nível de vida futuro da população idosa. Discutir o problema da poupança, nomeadamente para a reforma, é uma responsabilidade de todos os governos e dos partidos políticos. No entanto, da esquerda à direita, nenhum político defende a necessidade de mais poupança. O apelo à poupança, isto é, a menos consumo, é desde logo entendido como um juízo moral sobre o modo como as famílias devem aplicar os seus rendimentos. Num país de baixos salários como Portugal, esse juízo é repudiado por uma parte significativa do eleitorado. Nos dias de hoje, em que os debates são altamente polarizados, um apelo à poupança é a condenação de qualquer político. Por isso, a poupança é uma palavra proibida. Pelo contrário, o debate sobre os CA parece mostrar que a defesa de uma boa remuneração da poupança, pelo Estado, é popular.
O IGCP, entidade emissora dos CA, deve procurar as formas mais baratas e sustentáveis de financiamento da dívida pública. É importante lembrar que os CA são usados para financiar a dívida pública, que continua entre as mais elevadas da Área do Euro e cujo custo de financiamento tem vindo a aumentar de forma muito significativa. Neste contexto, convém fazer bem as contas quando se defende o pagamento de juros mais elevados às famílias detentoras de CA, nomeadamente o impacto nos impostos de todos os contribuintes.
Se a nova série F de CA permitir o financiamento a uma taxa de juro de 2,5%, o Estado não deve, obviamente, financiar-se a 3,5%. É, por isso, importante perceber os críticos desta redução do custo de financiamento do Estado. Com raras exceções, todos criticaram a interrupção da série E dos CA, que garantia uma taxa de 3,5%, mais um prémio de permanência, por ser um dos produtos mais rentáveis para a aplicação das poupanças das famílias. A principal crítica ao fim daquela aplicação financeira foi o facto de ela penalizar as poupanças da classe média, já muito castigada pela inflação. Por outro lado, sendo urgente estimular a poupança, a eliminação da série E dos CA e a criação de uma alternativa, a F, com uma taxa de juro mais baixa (2,5%), é criticada porque reduz o incentivo à poupança. Foram ainda utilizados outros argumentos válidos pelos críticos: a importância de ter um produto de poupança simples e acessível à generalidade dos portugueses ou o facto de se tratar de financiamento da dívida pública por residentes, o que evita a saída de capitais para o exterior e torna a dívida menos dependente da volatilidade dos mercados internacionais. Mas se houver procura para os novos CA, aquelas duas funções continuarão a ser cumpridas, com um custo mais reduzido para o Estado.
O debate sobre os CA veio mostrar um problema há muito tempo identificado: em Portugal existem poucas alternativas aos depósitos bancários. De acordo com a última edição do Inquérito à Situação Financeira das Famílias, implementado pelo INE e Banco de Portugal em 2020, o valor dos depósitos representava cerca de 80% da riqueza financeira das famílias e 9% da riqueza total (8% na Área do Euro). Os outros ativos financeiros tinham um peso irrelevante, representando apenas 3% da riqueza total em Portugal (11% na Área do Euro). Estes dados mostram a importância do sector bancário para a aplicação da poupança das famílias portuguesas. Durante a crise financeira, apesar de todos os problemas e casos de insolvência no sistema bancário nacional, os portugueses mantiveram-se fiéis aos seus bancos e não correram a levantar os depósitos. Essa confiança obstinada no sistema bancário, que me causou alguma perplexidade, e que atribuí a falhas na literacia financeira dos depositantes, foi essencial para a estabilizar o setor bancário e, assim, para Portugal sair da crise. No entanto, para a confiança nos bancos, contribuíram medidas do Banco Central Europeu e o resgate de bancos como o BPN, o BPP, o BES e o BANIF, ou o saneamento financeiro da Caixa, que custaram mais de 20 mil milhões de euros aos contribuintes, mas que mostraram que o Estado português paga a suas dívidas ou, melhor dizendo, as dívidas dos bancos.
Quando em 2022 ressurgiu a inflação sabíamos que as famílias com depósitos bancários estariam entre as principais vítimas. Um aumento inesperado da inflação levaria inevitavelmente a uma redução do valor real dos depósitos bancários. Com a taxa de inflação de 7,8% e juros bancários próximos de 0%, nenhum depositante tem ilusões sobre a erosão que a inflação provoca nas suas poupanças. Estamos, em muitos casos, a falar de pequenas poupanças para fazer face a um imprevisto, como um problema de saúde ou despesas na velhice.
O domínio quase absoluto que os bancos têm na captação das poupanças, ou seja, a falta de alternativas para as famílias aplicarem as suas poupanças, permite aos bancos portugueses estarem entre os que pior remuneram os depósitos. Neste contexto, de forte perda no valor real dos depósitos bancários, os CA podem servir de instrumento de concorrência e estimular a subida dos juros dos depósitos bancários. No entanto, mais do que a redução da taxa de juro, os limites agora impostos aos montantes por subscritor podem limitar o efeito concorrencial dos CA e devem ser explicados pelo IGCP. No final, o verdadeiro teste à redução da taxa de juro dos CA vai ser a sua procura e o movimento dos juros dos depósitos bancários. Se a procura dos CA se mantiver e os juros dos depósitos bancários aumentarem, o IGCP esteve bem ao reduzir o custo do financiamento da dívida pública portuguesa.
A má decisão não foi a descida da taxa de juro dos CA. A má decisão, diria mesmo a irresponsabilidade, é a total ausência de uma estratégia para incentivar a poupança de longo prazo, que vai ser essencial para garantir o bem-estar de muitas famílias após a saída da vida ativa. Essa estratégia passa por desenvolver o mercado de capitais, criando alternativas aos depósitos bancários. O nosso sistema bancário precisa mesmo de concorrência.