A quase totalidade do território português encontra-se em seca severa, uma das mais graves e prolongadas das últimas décadas. Recentemente, o ministro do ambiente e da ação climática, Duarte Cordeiro, no anúncio das medidas de racionamento para a hotelaria, classificou-a mesmo como a mais grave do último século.

Tendo a seca atingido tal severidade, por que razão não foram apresentadas mais cedo medidas de poupança de água?

Também nas medidas de poupança energética estamos atrasados. Lembramo-nos da reação estrepitosa do secretário de Estado do Ambiente e Energia, recusando liminarmente a proposta da UE de redução de 15% do consumo de gás. No entanto, o governo português acabou por aceitar uma redução de 7%, mas sem ter um plano para alcançar esse objetivo. Na semana passada, depois de praticamente todos os países, incluindo a vizinha Espanha, terem anunciado medidas de poupança de energia, o governo português anunciou que vai começar a estudar o assunto.

No caso das instituições públicas, suspeito que as medidas de poupança energética virão associadas ao Orçamento do Estado para 2023. Por falta de folga orçamental, muitas entidades públicas serão obrigadas a cortar o aquecimento. Foi o que aconteceu já este ano com a Universidade do Minho, que desligou o aquecimento em março. E não se espera que o volte a ligar no inverno.

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Recentemente, o ministro Duarte Cordeiro referiu que, nos últimos meses, em resultado da subida dos preços, se registou uma redução significativa no consumo de gás natural. O aumento dos preços, ao reduzir o consumo, resolverá o desequilíbrio entre a procura e a oferta. É certo que muitas famílias não ligarão o aquecimento no próximo inverno. E o governo vai poder dizer, mais uma vez, que o consumo de gás diminuiu.

Mas o problema da UE é muito mais grave. O que está em causa é reduzir o consumo de forma a poder acomodar um corte abrupto do fornecimento de gás russo, sem provocar uma grave recessão na economia europeia. Neste contexto, todas as medidas de poupança energética são importantes.

No caso da energia, como no da água, é muito difícil perceber a ausência de um discurso mobilizador para a adoção de práticas de poupança.

Esta falha do governo em alertar a sociedade para a importância de poupar água e energia pode ter duas explicações. Por um lado, a incapacidade de antecipar as dificuldades e de planear o longo prazo. Por outro, a falta de coragem para enfrentar os problemas e comunicar a necessidade de poupança de forma transparente.

De forma alguma desvalorizo a incapacidade de antecipação e de planeamento do governo de António Costa, bem visíveis nos problemas que afetam as maternidades de Norte a Sul do país. Num país com um grave problema demográfico e baixa natalidade, eu nunca anteciparia a falta de condições de segurança para o nascimento de bebés.

Mas nos casos da falta de água e da energia atribuo as falhas do governo à sua resistência em usar a palavra poupança.

A palavra poupança talvez seja das palavras mais importantes que os políticos menos usam. A poupança é um instrumento essencial para proteger os indivíduos e as sociedades de riscos futuros. Por outro lado, poupar remete para menor consumo no presente em troca de benefícios no futuro. Um futuro que pode estar muito além das próximas eleições.

Infelizmente, o futuro pós-eleições não está no centro das preocupações da maioria dos governos.

É também muito fácil associar um apelo à poupança a uma perspetiva moral, que condena o consumo presente. Como se consumíssemos além do que ‘merecemos’. Na discussão das causas da crise da dívida de 2011-2014, todos nos recordamos como a sociedade portuguesa repudiou o ‘viver acima das possibilidades’.

O astuto António Costa percebeu isso. Nos seus discursos e intervenções fez sempre questão de enfatizar o seu repúdio por toda e qualquer forma de austeridade. E conseguiu manter esse discurso ao mesmo tempo que o investimento público e os serviços públicos eram estrangulados por cativações orçamentais cegas.

Numa entrevista ao Financial Times, em abril de 2019, Mário Centeno reconheceu que o governo de António Costa não alterou de forma dramática as políticas de austeridade do governo de Passos Coelho. Talvez em inglês a palavra austeridade lhes soe menos imprópria.

António Costa e o seu governo evitam a todo o custo usar a palavra poupança porque receiam que seja confundida com austeridade. Mas nos tempos que vivemos vão ter mesmo de aprender a usar a palavra poupança. E em português.