Nas últimas legislativas a política nacional conheceu um momento marcante com sinais de potencial mutação e evolução, em linha com a maioria das democracias europeias e ocidentais, afirmando um parlamento mais plural e reduzindo o bipartidarismo crónico.
Para além do crescimento do PAN, nestas últimas legislativas assistimos à entrada de três novos partidos no parlamento, a IL, o Livre e o Chega, sendo possível assinalar a principal marca distintiva entre estes últimos.
O primeiro é um partido de conceitos, ideias e políticas ancoradas numa ideologia; o segundo é um partido de bandeiras e de ideias e políticas casuísticas e o terceiro um partido populista. Será sobre o Chega que me irei deter.
Logo quando este partido surgiu nas eleições europeias, inserido numa coligação nomeada Basta, mas já com André Ventura ao leme, tive oportunidade de comentar com quem me é próximo, que não tinha dúvidas sobre o potencial de crescimento do partido e desta personagem política e logo vaticinei um aumento exponencial da sua base de apoio e, consequentemente, da sua votação para as legislativas que se avizinhavam.
Esta previsão não emanava de qualquer poder divinatório nem da consulta a nenhum oráculo, mas sim do conhecimento, quer do personagem quer da sociedade onde este se insere.
Como barómetro, olhemos para a grelha de programação dos canais mais vistos em Portugal. Temos quatro grandes conjuntos de programas que ocupam talvez 90% do tempo de antena. Os apelidados programas da manhã e da tarde; os programas de debate futebolístico; as novelas e os oficialmente nomeados programas de entretenimento. Tudo isto alimenta e fomenta o embrutecimento e a ociosidade do cérebro, mas é este o produto que é mais procurado. Não estou com isto a querer passar uma ideia elitista ou de superioridade intelectual, eu próprio consumo alguns destes conteúdos e creio mesmo que são fundamentais a uma sociedade equilibrada e feliz. O que pretendo dizer é que a entrada de Ventura no parlamento com um discurso “futebolês”, linguagem simplista e de “soundbytes”, recorrendo à política do caso, enveredando, à boa maneira do PCP, pela lógica do partido cassete, vestindo por vezes as vestes de calimero e vestindo por outras o fato do drama, do horror e da tragédia do saudoso Artur Albarran, estava destinado ao apoio popular.
O nosso cérebro gosta de material mastigado, sente satisfação com o imediatismo e prazer com a compreensão da informação. O Chega e André Ventura, oferecem tudo isto.
Detenhamo-nos nalguns casos. Quando o deputado André Ventura leva à Assembleia da República facturas com material de trabalho adquirido por polícias, o intuito foi criar o espalhafato e servir às hostes informação simples e descomplicada mas que de detalhe e análise séria nada tinha. O que conseguiu com isto demonstrar, foi a existência de um certo número de casos particulares de uma prática que não está conforme, mas que pouco contribuiu para a resolução efectiva do problema. A amostra era significativa? Qual a população estatística? Qual o montante global em causa e quanto representa na rubrica de equipamentos de protecção no orçamento da Administração Interna? Este trabalho não foi desenvolvido pelo partido porque não interessa, porque já seria complicar a informação e portanto, aos olhos do partido, torná-la menos imediata e mais enfadonha. Seria tirar atractividade ao produto político.
Quando o deputado André Ventura embarca na sua cruzada contra os subsídios, o seu alvo é a etnia cigana e uma vez mais, a sua postura é populista e ausente de dados. Também neste caso, não nego a existência de um problema, aponto é para a ausência de informação sobre a dimensão, amplitude e real impacto do mesmo. Há, por exemplo, muitos mais portugueses a beneficiar do subsídio de reinserção social do que indivíduos de etnia cigana ou africana. Mas mesmo esta informação é enviesada e insuficiente para se tirarem conclusões.
Quando o referido deputado aborda a imigração, a mesma linha de acção se observa. Trata do assunto pela rama, falando em muçulmanos e terrorismo à boa maneira de uma conversa de café, caindo em lugares comuns e passando a ideia que tudo é simples e directo granjeando assim empatia e tornando-se assim num vogal das mensagens de fácil compreensão. O passo seguinte, que neste caso seria saber como e onde será feito esse controlo, com que eficácia, qual o custo, qual o enquadramento numa União Europeia, etc, esse passo nunca é dado. E nunca é dado porque aí seria tornar o assunto em algo complicado e a malta se quiser pôr o cérebro a funcionar vai ler um livro técnico ou um policial. Assim pensa o partido.
O Chega é o programa de entretenimento do espectro político, é o programa desportivo a que se assiste depois de um dia de trabalho árduo, é a telenovela com que prazerosamente desligamos o cérebro e nos deleitamos.
Sigo os programas desportivos e acho piada a ver o André Ventura, ser interveniente num desses programas. Agrada-me, algumas vezes, retemperar o cérebro e ver programas de entretenimento. Agora, e como dizia o outro, não confundamos “espinafra na caçarolinha” com “espingarda de caçar rolinha”. Na política requer-se foco, análise, sentido crítico, estudo, ponderação, raciocínio e capacidade de ver a lua e não a ponta do dedo quando alguém para a lua aponta.
O André Ventura político é o Groucho Marx da política, se não gostar dos princípios dele, ele tem outros. Num dia afirma que existe Estado a mais, no dia seguinte quer engordar o Estado com mais contratações de funcionários públicos, nomeadamente animadores culturais, ou mais subsídios para a imprensa. No seu programa combate o SNS, no dia seguinte está no Parlamento a defender aumento de despesa no mesmo SNS. Num dia defende a redução de salários de políticos, no dia seguinte nada diz sobre o regime de exclusividade, talvez por não querer dispensar o ordenado de comentador.
André Ventura tem a esperteza e capacidade de adaptabilidade como atributos que o levaram a optar por este “modus operandi”. Não estamos, na minha opinião, perante nenhuma extrema-direita nem perante nenhum reaccionário, mas sobretudo um oportunista, sendo algo que, simultaneamente, me apoquenta e me tranquiliza.