Nas últimas semanas falou-se muito sobre uma medida em que se supõe que o governo vai acabar com as retenções até ao 9º ano. Para podermos perceber se esta possível “medida” é positiva, temos de perceber que o seu sucesso vai provavelmente depender mais da capacidade de implementação do que do seu próprio desenho. Contando só docentes e auxiliares, trabalham 175.658 profissionais (ano lectivo 16/17) na escola pública, e que servem 1.185.799 alunos. As 10 empresas portuguesas que mais pessoas empregam, não chegam no seu conjunto a 134.000 colaboradores. Cada vez que se discute a implementação de novas políticas públicas é conveniente olhar para a causa do problema, o que já se sabe sobre o mesmo, qual será a estratégia a seguir e que actores dentro do contexto ou sistema têm de assimilar e implementar essa mudança.
Causa do problema. Portugal partiu com atraso e o esforço de recuperação, é exigente. O maior predictor do desempenho escolar de um aluno em Portugal é a educação da sua mãe. Não sendo necessariamente o único factor a explicar o insucesso escolar, ajuda a dar algum contexto. Comecemos por olhar para a dimensão do problema e para o acesso à educação. Em 2008, por exemplo, apenas 28% dos adultos (25-64 anos) tinham concluído o ensino secundário (Education@Glance 2010). Tínhamos o nível mais baixo dos 30 países da OCDE, incluindo Turquia e México. A mesma publicação, com referência a 2018, diz-nos que 50% dos adultos entre os 25-64 anos concluíram o ensino secundário – desta vez Portugal fica em 35ª posição em 37 países. Se quisermos tentar olhar agora para uma métrica de qualidade do ensino português, podemos usar o estudo de PISA, apesar de por vezes lhe ser atribuído um peso excessivo. Desde 2000 até 2015, o desempenho dos alunos tem feito uma trajectória positiva. Particularmente de 2012 para 2015, superámos a média dos países OCDE com um salto significativo no desempenho escolar. Em 2015, e em 70 países, ficámos em 21º em literacia científica, 22º em literacia em leitura e 29º em Literacia matemática. Será muito interessante ver qual o será o resultado do PISA 2018 e ver ser mantemos a trajectória positiva, se mantemos ou até pioramos.
O que sabemos? Existem inúmeras evidências que apresentam alternativas melhores para os alunos do que chumbar; melhores a nível de desempenho escolar e mais baratas. Em teoria reter não é eficaz e Portugal tem aqui um problema importante. Portugal tem um nível de retenção de 31%, o terceiro mais elevado da OCDE, e existem 17 países europeus com uma taxa de retenção abaixo dos 10%. Um nível de retenção de 31%, diz-nos que 31% dos alunos com 15 anos foram retidos ou chumbaram pelo menos uma vez. A boa noticia é que o ensino português tem feito um trajecto positivo: de 1996 para 2006, Portugal reduziu a taxa de retenção no 3º ciclo de 20% para 10%. Ainda assim, temos muito caminho pela frente. Do ponto de vista da equidade, os alunos provenientes de contextos mais desfavorecidos, têm também maior propensão a chumbar.
Segundo a ex-ministra da educação Isabel Alçada em 2017, o custo anual da retenção será de cerca de 380 Milhões de euros. O estudo Aqeduto, levado a cabo pelo Conselho Nacional de Educação, chegou à conclusão que “chumbar um aluno custa 6.000 euros, ensiná-lo a estudar só 87” e ainda explora outras opções.
Se o debate é tão relevante, tanto do ponto de vista de justiça social, como do sucesso do nosso sistema de ensino, então porquê tanto ruído? Por um lado, talvez o crescente nível de abstenção possa indiciar algum desinteresse das pessoas pelas instituições públicas. Por outro, seria conveniente apresentar os dados sobre a nossa educação, de forma mais perceptível e constante, para que o debate público seja mais focado e frutífero. O próprio Ministério da Educação deveria estimular uma discussão mais elevada sobre políticas educativas e partilhar que elementos e informação a suportam. Com informação mais fácil de assimilar e chegando aos pais, professores e à sociedade em geral, a gestão de mudança ficará mais facilitada.
Através do infoescolas, o Ministério da Educação tem feito algum trabalho de partilha de dados e indicadores. Ainda assim, a proporção entre a aparente informação reportada pelas escolas e o que chega ao debate público não tem acompanhado. O ministério desenvolveu há alguns anos o indicador percursos diretos de sucesso. Este indicador não só mostra a capacidade de cada escola de promover uma passagem de cada aluno sem retenções, mas também permite mostrar quais as escolas que mais ajudam os alunos a evoluir entre os que tiveram o mesmo ponto ou nota de partida. E a escola que melhor desempenho teve, é pública.
Que capacidade de implementação temos? Não é uma questão fácil de quantificar, nem existe tanta informação que nos permita ser mais objetivo, mas lá que vemos as direcções e os professores com procedimentos e reuniões a mais, vemos. A minha experiência nos últimos 10 anos a trabalhar com escolas, diz-me que as direcções vivem entupidas em procedimentos. A carga burocrática é significativa, e muitas vezes, não se percebe qual o seu benefício. Se assim é, estamos a desviar recursos (tempo e dinheiro) dos nossos jovens e não sabemos para quê. Para além do mais, as escolas ainda estão concentradas na implementação e no afinar de reformas recentes como a “flexibilização curricular” ou “educação inclusiva”. A questão da recuperação do tempo de serviço também consome recursos, dado que professores estão a ser destacados para avaliar outros professores. Já por exemplo o presidente da Associação Nacional de Diretores de Agrupamentos e Escolas públicas destacou para esta legislatura a importância de valorizar a profissão docente e das escolas dependerem menos de “Lisboa”.
Neste cenário, como é que na prática seria implementada esta nova medida? Ainda não sabemos. Temos de aguardar que anunciem uma medida concreta e que haja informação que permita uma discussão mais objectiva.
A boa noticia é que se se mantiver o orçamento da educação, o número de professores por aluno tenderá a aumentar e com ele o leque de opções que cada escola terá. Temos apenas de perceber se o ministério terá capacidade de recrutar e repor os docentes necessários para responder ao elevado número de aposentações que vamos ver a partir de daqui a 6 anos. Chumbar ou não chumbar, é na implementação que pode correr tudo bem ou não!
Afonso Mendonça Reis é fundador das Mentes Empreendedoras, Inspira o teu Professor e Global Teacher Prize Portugal, foi nomeado um Global Shaper em 2012 pelo Fórum Económico Mundial.
O Observador associa-se aos Global Shapers Lisbon, comunidade do Fórum Económico Mundial para, semanalmente, discutir um tópico relevante da política nacional visto pelos olhos de um destes jovens líderes da sociedade portuguesa. Ao longo dos próximos meses, partilharão com os leitores a visão para o futuro do país, com base nas respetivas áreas de especialidade, como aconteceu com este artigo sobre como os Global Shapers têm procurado melhorar a sociedade. O artigo representa, portanto, a opinião pessoal do autor enquadrada nos valores da Comunidade dos Global Shapers, ainda que de forma não vinculativa.