1 O velho Parlamento e o jogo de soma nula
A tradição parlamentar portuguesa, após a desmilitarização do regime, baseou-se em dois grandes partidos, o PS e o PSD, pelo que a maioria dos 50 anos da vida parlamentar foram vividos inspirados no modelo de soma nula com 2 jogadores e estudado por Von Neumann e Morgenstern. Segundo este modelo, cada jogador busca a melhor vantagem admitindo que a escolha do adversário será aquela que lhe vai ser mais desfavorável sendo múltiplos os exemplos que confirmam esta estratégia (Maxmin) tal como é o caso de cada partido procurar antecipar-se na promessa de vantagens para os cidadãos (subsídios, etc.) se presumir que o outro prepara tal decisão.
A exceção surge em 2015, quando após a governação tutelada pela Troika, devido à banca rota herdada do Governo PS,os resultados eleitorais apontaram para um vencedor sem maioria no Parlamento ( PSD) e surge a primeira fragmentação signifcativa à esquerda devido aos bons resultados do Bloco de Esquerda e do PCP . Ora aí surgiu a talentosa inovação de António Costa criando uma coligação apelidada por Paulo Portas de “geringonça “. Recordo que muitos ao Centro e à Direita apostaram em que tal acordo teria vida breve pois as diferenças de posição em temas principais com a NATO ou a EU o condenavam sem apelo. Todavia, não compreendiam que esta coligação estava a conseguir alterar, no âmbito da Esquerda, o jogo de soma nula para jogo cooperativo formando-se uma coligação estável, segundo Nash, pela simples razão de que cada jogador irá perder se saltar fora. Portanto, embora não correspondendo à solução que cada um podia preferir, estaria solidário para evitar perdas maiores, tal como foi lucidamente compreendido por Paulo Portas na mesma tarde em que se formou essa coligação. E, na verdade, essa coligação só se rompeu quando os parceiros mais à Esquerda começaram a viver perdas graves, nas eleições seguintes. Reconstituiu-se, assim, de 2015 a 2022, o jogo de soma nula embora o jogador da Esquerda seja a citada coligação.
2 O novo Parlamento e o jogo a três
Os resultados eleitorais de 2024 alteraram profundamente a estrutura de jogo referida pois agora temos três grandes jogadores: PS mais pequenos partidos à Esquerda; AD mais IL; Chega, sendo bem conhecidas as diferentes opções políticas que defendem.
Coligação estável entre qualquer dos três pares formados por estes jogadores é impossível, não tanto devido a tais diferenças, mas principalmente porque na sua razão de existência e nas suas promessas eleitorais surge como grande objetivo combater os outros dois: o PS tem como objetivo supremo combater, não só a Direita mais radical, mas também a Direita moderada; a AD visa combater a hegemonia da Esquerda e o Populismo de Direita; o Chega assume o objetivo de combater todos para deixar de ser humilhado.
Passou-se então a ter um jogo com três jogadores sem coligações estáveis tal como acontecia no “duelo” a três mais famoso da história do cinema com Clint Eastwood no filme de Sergio Leone de 1965 “For a few dolares more” e centrado no roubo do Banco del Paso. Convém recordar que nessa época os desfalques dos Bancos eram feitos por assaltantes de fora e não de dentro como viria a acontecer na atualidade
Ora os três pistoleiros sabem bem que é suicida algum deles disparar sobre outro sem ter a proteção do restante pois ao disparar transforma-se em presa fácil para este. Eis porque no filme citado, este combate a três se prolonga longamente até que o velho coronel, prosseguindo vingar a sua filha, dispara sobre o bandido que causara a sua morte, apenas quando tem o apoio do jovem e solitário pistoleiro (Clint Eastwood) em busca de resgastes pela captura de perseguidos à Justiça.
Tudo indica que esta será a estrutura de jogo prevalecente na atual legislatura tal como foi ilustrado à perfeição pelo episódio da eleição do novo e estimado Presidente da AR mas será preferível ser o leitor a estabelecer a correspondência entre o coronel, o pistoleiro e o bandido com os nossos três grandes partidos pois dependerá muito das suas simpatias políticas.
Todavia, é interessante observar que se verifica frequentemente poder este novo jogo gerar melhores soluções do que o de soma nula pela simples razão de qualquer decisão pressupor acordo a dois. Ou seja, este meu otimismo contrasta com as previsões fúnebres com que os sábios comentadores televisivos nos fustigam diariamente