O cenário de eleições antecipadas é agora mais provável do que era há um ou dois meses. Sobre esta matéria o Presidente da República, autoproclamado de otimista realista, passou a ser otimista religioso: tem fé de que vai haver Orçamento. Mas, descendo à terra, fica também cada vez mais claro — ao contrário do que acontecia antes do verão — que Marcelo Rebelo de Sousa regressou ao seu velho posicionamento de que a governação em duodécimos é indesejada. Considera-a mole. Sem pujança, nas palavras presidenciais, cá dentro e lá fora.

Marcelo não se colocou desta vez, como fez em 2021, de corda na mão a segurar a guilhotina, mas é uma questão de estratégia. O Presidente da República não quer ser responsabilizado pela criação de um beco bifurcado em que ou há Orçamento do Estado ou dissolve a Assembleia da República e marca eleições. Ao não fazê-lo sacode a pressão de Belém e adia a sua entrada no tabuleiro. Mas o chefe de Estado é, numa classificação também da sua autoria, um Presidente carnívoro. E, em meses com erre, já dissolveu quatro parlamentos, dois deles na sequência de chumbo de orçamentos.

O Presidente não quer eleições. PSD e PS, pelo menos publicamente, garantem que também não. Mas isso não significa que não venham a existir. A primeira reflexão sobre eleições antecipadas é que, a existirem, provavelmente vão ditar a morte política (pelo menos no imediato) de um dos três principais protagonistas políticos. E não é André Ventura. Ninguém sabe qual seria o resultado de eleições antecipadas, mas fica claro que, de acordo com a votação, ou Luís Montenegro ou Pedro Nuno Santos ficam com a liderança em causa. Na mesma medida, o que não perder sai reforçado, mas não necessariamente com o prémio da governação e menos ainda com governação confortável.

Se Luís Montenegro vencer com maioria absoluta fica nas suas sete quintas e Pedro Nuno Santos não aguenta uma travessia no deserto de quatro anos. Se Luís Montenegro vencer sem uma maioria que exclua o Chega, fica tudo na mesma, exceto, claro, a liderança de Pedro Nuno Santos. Em tempos mais próximos, Rui Rio não aguentou ir a uma terceira tentativa e é preciso ir a outros tempos e a outra cepa de políticos (a Mário Soares e a Sá Carneiro, os únicos que o conseguiram) para encontrar no centrão quem tenha sobrevivido a duas derrotas em legislativas. No PSD e no Governo ninguém acredita que qualquer outro cenário que não a vitória, mas eleições, são eleições.

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Se o PSD ficar em segundo lugar e houver uma maioria parlamentar de direita, Luís Montenegro manterá a palavra e vai para casa. Nesse cenário de uma vitória do PS, mesmo que tangencial, Pedro Nuno Santos ganharia o direito de ir a umas terceiras eleições legislativas (quando quer que fossem) e, além disso, eliminaria Luís Montenegro. Provavelmente não passaria de líder da oposição, uma vez que o PSD poderia encontrar quem no partido montasse uma geringonça de direita e estivesse disposto a um acordo com o Chega. Mas, até isso, daria ao secretário-geral do PS novos argumentos para polarizar e tentar impulsionar uma futura maioria de esquerda (que, palavra de Mortágua, fica muito mais difícil de acontecer caso o PS viabilize o Orçamento para 2025).

Sobre o que não há grandes dúvidas é que não há um resultado possível saído de eleições antecipadas em 2025 em que os dois líderes dos dois maiores partidos se aguentem até novo escrutínio. Apesar do risco para ambos, não significa que não estejam interessados — ao contrário da fé do Presidente e da convicção da generalidade do comentariado — em eleições no início do próximo ano. Luís Montenegro pode estar convicto de que com acordos com professores, polícias e cheques a pensionistas vai ganhar por muitos e que isso lhe dará mais liberdade para governar. E Pedro Nuno Santos pode estar a fazer contas de cabeça e a pensar que — se der tempo ao Governo para todas essas classes sintam alívio no bolso — pode ser mais difícil derrotar um instalado Montenegro em 2026 ou mais tarde e fazer já um all in. Mais uma vez, se avançarem mesmo há uma certeza: há um que mata e há um que morre.

Por ironia, André Ventura é, dos três, o líder mais imune a novas eleições legislativas. Pode descer o número de 50 deputados e ter a primeira quebra eleitoral sendo ele o candidato, mas isso nunca colocará em causa a liderança. Além disso, ganha a oportunidade (no caso do PSD ficar em segundo lugar, mas haver uma maioria de direita que inclua o Chega) de voltar a ser relevante. Isto porque a irrelevância o tem inquietado e o levado a cometer erros que antes nunca cometeu. Além de que, tal como Pedro Nuno Santos, Ventura ganharia, e muito, em eliminar Luís Montenegro.

Ao mesmo tempo, o líder do Chega alcançou uma representação histórica que trouxe consigo outras regalias como, por exemplo, o assento no Conselho de Estado, a vice-presidência da AR ou a presidência de comissões. E poderá, por cálculo (e não por sobrevivência), não querer arriscar essa posição. E se é certo que Ventura não tem força para provocar, sozinho, novas eleições, também é certo que tem força suficiente para as evitar. É verdade que já disse que vai votar contra o Orçamento, mas é também o mais imprevisível dos três líderes políticos. A palavra de Ventura, como o próprio mostrou na votação de Aguiar-Branco, dura menos que um sashimi ao sol em Beja no verão ou que um calippo na Amareleja.

Se assim o entender, quando PS e PSD já estiverem a contar com um eventual chumbo do Orçamento e se ouvir ao fundo um rufar dos tambores para novas eleições, André Ventura tem o poder de, em minutos, colocar a bancada toda do Chega a votar a favor do Orçamento. Seja na generalidade, seja na votação final global. Por tudo isto, ninguém sabe se vai haver eleições em 2025, mas, dos três, só André Ventura tem a certeza que continuará líder na sequência do resultado dessas (eventuais) eleições.