Cortes, nobreza e clero. Cavaleiros e torneios. Pergaminhos e arautos. Donzelas e meretrizes. Magia e feiticeiras. Mendigos, jograis e pagens.
Tudo o que se associa à Idade Média e ao medievalismo está envolto em mistérios mil e, talvez por isso, seja gerador de fascínio e muita curiosidade. Esse dito deslumbramento, pela selvática Idade Média, pode ser um dos motivos que explique o surgimento, há cerca de 20 anos atrás, das primeiras recriações históricas dessa época em território português, um fenómeno que, importado do Reino Unido, singrou e se perpetuou no tempo, massificando-se e alastrando a todo o país, de norte a sul, de tal forma que, no ano em curso, num total de 308 municípios portugueses, já terá decorrido ou irá decorrer uma feira ou um mercado medieval em cerca de 80 destes.
Em alguns municípios a organização deste tipo de evento implica o consequente envolvimento de especialistas e consultores para assim conseguir um produto verdadeiramente imersivo e diferenciador, pautado pelo rigor histórico e também pela conexão ao território onde este decorre. Nestes casos, a par da questão lúdica, orientada para a população que visita a feira e da pretensão de alavancagem da economia local, denota-se real preocupação no rigor associado à dita recriação medieval.
É pois usual que uma feira ou mercado medieval deste tipo e com estas preocupações atraia visitantes de todo o país e seja sinónimo de uma dinâmica verdadeiramente agregadora e extensiva a toda a comunidade local, que nela participa activamente, entendendo o evento como um segmento turístico diferenciador que torna visível e evidencia características importantes do seu território.
Assim, nestes territórios, cuja dinâmica associada à feira ou mercado medieval tem como intuito uma inequívoca diferenciação do evento, começa a ser usual a realização de um programa conexo de palestras, conferências e seminários sobre a época medieval e a sua vivência no território onde decorre o dito evento. Trata-se de uma oportunidade para chegar a mais sectores e faixas populacionais, criando múltiplos interesses, num esforço conjunto para envolver tudo e todos num único impulso cultural.
No entanto, na grande maioria dos municípios portugueses, este tipo de festividades pode facilmente associar-se ao dito popular “Com papas e bolos se enganam os tolos” pois, apesar da fruição popular que deles possa momentaneamente advir para a população, a verdade é que mais não são do que uma mera fórmula, quase que instantânea, providenciada por empresas promotoras que a vendem às autarquias em catadupa, como se de uma fast food medieval se tratasse.
Trata-se pois, meramente, de eventos de consumo imediato, indiferenciados, com programas mais ou menos genéricos, que se repetem de concelho para concelho, e que, por esses motivos, acabam por suscitar somente o interesse naqueles que residem na área concelhia em apreço, falhando um marketing territorial de cariz mais abrangente e ambicioso, que deveria ser objectivo de quem é decisor e pretende realmente diferenciar o território que está mandatado para administrar por forma a torná-lo relevante.
Afinal, se as recriações medievais, através de feiras e mercados, são uma realidade em tantos municípios portugueses, tendo-se tornado absolutamente corriqueiras, qual a razão para que as pessoas se desloquem para determinada cidade em particular em detrimento de outra onde existe similar evento?
Os autarcas que apostam e pretendem continuar a apostar na realização de feiras e mercados medievais, seja pelas características históricas do seu território, seja por outras motivações, deverão tentar afastar-se do facilitismo organizativo que banaliza estes tipo de festividade. Se não o fizerem estarão a fazer com que o município que gerem seja apenas mais um entre muitos, reduzindo-o e aprisionando-o a uma escala mínima em termos de projecção mediático-turística.
Há mais, muitos mais eventos que podem ser realizados pelos municípios portugueses, para além do segmento gasto das feiras e mercados medievais, ainda mais se tivermos presente que a contratação publica associada a este tipo de festividades tem hoje em dia um custo elevadíssimo e evidentemente, não raras vezes, amplamente desproporcional à qualidade e impacto do evento nos territórios.