O Chega levou à Assembleia Municipal de Lisboa uma proposta para obrigar a Câmara a fazer uma auditoria ao mandato anterior. Queria investigar todas as contas e todos os contratos celebrados pela Câmara e Juntas de Freguesia do tempo em que o PS mandava em Lisboa. Apresentava aquela auditoria como uma medida de combate à corrupção. E argumentava lembrando o excesso de notícias nos jornais e televisões sobre investigações da Judiciária e casos no Ministério Público envolvendo os governantes locais. À primeira vista, e até certo ponto, o Chega tinha razão. É inaceitável a abundância e, na prática, a banalização de abusos e poucas vergonhas por parte de pessoas com poder, responsabilidades políticas executivas, e acesso aos dinheiros públicos. Por outro lado, quem não quer combater a corrupção? Qualquer indivíduo com o juízo no lugar sabe que a corrupção arruína a credibilidade do Estado e é percebida por toda a gente como uma injustiça e uma imoralidade.

Mas o Chega é um partido novinho. Ainda não percebeu que a pior corrupção é toda legal, portanto tem de ser combatida no plano político e não jurídico. Passa sobretudo por retirar ao Estado os poderes e funções que a sociedade portuguesa consegue desempenhar sozinha; é a maneira de reduzir despesa, burocracia, formação de monopólios, e acesso aos dinheiros públicos. A grande corrupção em Portugal ignora olimpicamente as auditorias, às quais é impermeável. Insistir em auditorias, como o Chega propôs, comporta mais prejuízos do que benefícios. Uma coisa é processar na Justiça os casos conhecidos, aqueles que os jornais publicam e que vão sendo descobertos pelos mecanismos próprios da Justiça. Esse procedimento está certo, é do plano da legalidade e a Justiça deve funcionar de maneira rápida e eficaz. Faz parte indispensável da democracia. Outra coisa é esgravatar intencionalmente à procura dos delitos dos adversários. Está errado. A criminalização dos adversários é do plano da perseguição política e uma prática indispensável aos regimes autoritários. Uma horrível herança da esquerda que a direita infelizmente aprendeu depressa, para seu dano próprio.

Primeiro, é preciso suspender a descrença para acreditar que o governo de um partido consegue conduzir com isenção uma auditoria ao governo do seu adversário. Não consegue. Nem deve conseguir, essa não é a função dos partidos. A função dos partidos é conquistar e manter o poder executivo, única maneira de os partidos obterem os meios indispensáveis para cumprir as promessas eleitorais. Romper este ciclo fundamental da democracia é uma fraude política e uma cobardia que recentemente custou ao dr. Rui Rio umas eleições fáceis, ao pretender submeter-se a António Costa em vez de lhe conquistar o lugar. Só a luta pelo poder efetivo garante que os partidos se limitam uns aos outros, o pilar mais firme de uma boa democracia.

Por isso é importante o regime de separação de poderes. As investigações criminais são uma obrigação do sistema de Justiça, que é e deve manter-se um poder autónomo. Se não, está-se a legitimar uma prática que, mais cedo ou mais tarde, cai sobre nós. O próprio Chega devia lembrar-se, e lembrar sistematicamente os eleitores, que a esquerda já o quis ilegalizar. De resto, basta ler os jornais e ouvir o que dizem os intérpretes para verificar que a esquerda todos os dias tenta calar os argumentos da direita com pretextos legais e criminais, invocando “fascismo”, “racismo”, “discurso de ódio”, e toda a vulgata woke da cultura de cancelamento.

De cada vez que um partido ou deputado sofre a intenção esquerdista de o denunciar pelo que disse, e de, por isso mesmo, lhe despejar no colo uma queixa-crime, deve perceber, como explicou Isabel Ayuso, que alguma coisa está a fazer bem feita. As denúncias da esquerda sobre liberdade de expressão são uma bússola moral infalível. Por isso, deixemos à esquerda essa prova de infantilidade. Os adversários políticos combatem-se explicando às pessoas, com argumentos sensatos, e em linguagem de gente, porque é que elas devem votar em nós. Como se viu no caso TAP, a corrupção séria não se resolve com inquéritos nem auditorias. A esquerda faz o que lhe apetece. Para combater a grande corrupção é preciso, antes de mais nada, vencer a esquerda.

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