A 10 de novembro de 1977, uma nova era para a educação em economia, finanças e gestão começou em Portugal com a publicação do decreto-lei n.º 463-A/77, estabelecendo a Faculdade de Economia da Universidade Nova de Lisboa (hoje conhecida por Nova School of Business & Economics/Nova SBE).

A Comissão Instaladora, que já estava a funcionar, era constituída pelos Prof. Alfredo de Sousa (Presidente), Aníbal Cavaco Silva, José António Girão, Manuel Pinto Barbosa e Abel Mateus, iniciou os seus trabalhos em meados de 1977, sendo ministro da Educação Sottomayor Cardia e primeiro-ministro Mário Soares. A missão estabelecida pelo ministro e Alfredo de Sousa era: criar uma Nova Faculdade de Economia, baseada nas melhores escolas anglo-saxónicas, com fortes raízes quantitativas e da escola neoclássica, que era o mainstream na Ivy League nos EUA e LSE-Cambridge-Oxford no RU, cujos maiores expoentes eram Samuelson-Solow-Hicks, baseados na geração anterior de Marshall-Walras-Cournot.

A Faculdade de Economia começou por criar o Mestrado em Economia que funcionava num edifício no Campo Grande, com o objetivo de formar professores para o ensino superior e altos dirigentes, e preparar alunos para doutoramento nas universidades estrangeiras. O primeiro curso de Mestrado começou a funcionar no ano letivo de 1978-79 e 1979-80. Antes de se iniciar, houve um semestre preliminar, com matérias de análise económica e matemática para dar um nível mínimo de conhecimentos a não economistas e homogeneizar os conhecimentos dos economistas. O Mestrado estava aberta a licenciados de todas as especializações e funcionava em horário pós-laboral, para facilitar a frequência. Seguiu-se o Curso propriamente dito, que era composto pelas seguintes cadeiras:[1] Microeconomia e Teoria do Crescimento Económico dadas por Abel Mateus (doutorado pela Universidade de Pennsylvania), Macroeconomia por Miguel Beleza (MIT), Econometria por José António Girão (Cornell University), Programação Matemática por Diogo Lucena (Stanford University), Comércio Internacional e Economia Internacional Monetária por Manuel Pinto Barbosa (Yale University), Economia Pública por António Pinto Barbosa (University of Virginia) e História Económica por Jaime Reis (Cambridge University).[2] Para ter o grau de mestrado, além da aprovação em todas as cadeiras, era necessário fazer uma tese.

No ano seguinte era lançado o programa de licenciatura em Economia, que atraiu desde logo uma nova geração de jovens interessados no ensino rigoroso e atual. Repare-se que estes cursos iriam concorrer com os de inspiração marxista que eram administrados noutras Universidades, nomeadamente no ISEG.[3] Estava lançada o ensino moderno de economia em Portugal, mas faltava a outra metade, a gestão.

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Um dos problemas sentido por muitos economistas e policy makers da altura era a necessidade de formar gestores ao nível das melhores universidades, e que introduzisse também em Portugal os modernos conceitos e técnicas de management, finanças, marketing, entre outras disciplinas. Este era claramente um fator que contribuiria para o desenvolvimento da classe empresarial e na formação de uma nova tecnoestrutura das empresas.

Esta era uma das minhas principais preocupações,[4] que se tornou uma missão. E a oportunidade surgiu numa viagem que fiz aos EUA e na visita à minha alma mater, a Universidade de Pennsylvania, de que fazia parte a Wharton School. Estava então a trabalhar no Banco de Portugal, no Gabinete de Estudos onde era responsável pela análise macroeconómica. O principal motivo da visita aos EUA foi conversar com alguns economistas do FMI em Washington sobre a difícil situação económica que o País atravessava naquela época (1977-78). No regresso decidi passar por Philadelphia, e visitar alguns antigos professores do meu doutoramento, com vista a explorar colaborações com o nosso País. Era Governador do Banco de Portugal o Silva Lopes, que já tinha estabelecido um contrato com o MIT (Profs. Eckaus e Dornbusch) que trazia no Verão alguns dos melhores estudantes de doutoramento, que muito contribuíram para os programas de estabilização da nossa economia.

Foi nessa altura que me encontrei com o Prof Irwin Friend, que tinha sido meu professor de Finanças, um dos professores sénior daquela Universidade, com grande reconhecimento internacional na sua área, e que ficou muito interessado em lançarmos na Nova um curso de MBA, com o apoio e colaboração da Wharton School. Dada a sua reputação, ele próprio sugeriu que poderia envolver também professores de outras escolas de topo dos EUA. Para nós seria uma oportunidade ao dispor de um conjunto dos melhores professores americanos nas diferentes especialidades, para Irwin Friend[5] era a oportunidade de mobilizar um conjunto de recursos por uma boa causa e afirmar a reputação da escola a nível internacional. Ficou logo acordado que Irwin Friend visitaria a nossa escola uns meses depois. Essa visita ocorreu no início do verão de 1979 na altura em que decorriam provas para Professor Extraordinário de Cavaco Silva. Irwin Friend proferiu uma conferência sobre as cotações de ações na bolsa e o investimento das empresas, assunto sobre o qual fez bastante investigação.

Durante a sua estadia deslocámo-nos à Embaixada americana, na Duque de Loulé: Irwin Friend, José António Girão e eu, para uma reunião com o adido económico da Embaixada. Era Embaixador Richard Bloomfield, que tinha sucedido a Carlucci. Apresentamos o projeto de constituição do MBA com apoio da Wharton School, mas que necessitava de financiamento. O adido manifestou grande interesse, e prometeu tentar o financiamento através da USAID, que tinha um programa de ajuda a Portugal, orientado para o restabelecimento da Democracia no nosso País. Este projeto mereceu o apoio incondicional do embaixador. Depois no regresso aos EUA, Irwin Friend retomou o assunto com os serviços centrais da USAID em Washington, DC.

O Programa de lançamento do MBA consistia em ter um pequeno núcleo de professores permanentes que estabeleciam a base de receção em Lisboa, e que elaboraria o programa do MBA em conjunto com a Wharton. Neste núcleo inicial estava o Eng. Carlos Barral, que era da confiança de Alfredo de Sousa e tinha sido gestor de topo da Shell. Outra pessoa que também desempenhou um papel importante foi João Silva Ferreira, que se tinha doutorado em Finanças na Wharton e tinha ingressado no departamento de gestão. Alfredo de Sousa tinha conseguido do Estado a cedência do Palácio Ventura Terra para funcionamento do departamento.

Para cada ano letivo eram convidados um conjunto de professores nos EUA entre as universidades de topo, segundo as disciplinas necessárias. Como estes professores tinham a sua carga normal de leccionamento nas universidades de origem, o “golpe de génio” de Irwin Friend foi convidá-los a lecionar em Lisboa, entre inícios de maio, altura em que terminava nos EUA a carga docente com as avaliações, e agosto. Os cursos eram dados de forma concentrada, administrando em 3 meses o que normalmente era dado num semestre. Às universidades americanas também interessava esta colaboração para poder identificar possíveis talentos para ingressar nos seus programas de doutoramento.

Os incentivos estavam todos alinhados. Os alunos tinham aulas com professores do mais elevado nível internacional, os professores conseguiam um rendimento adicional significativo e passavam o tempo muitas vezes com a família numa cidade de grande atrativo turístico, a escola porque lançava os alicerces do seu futuro. De facto, este mestrado foi a rampa de lançamento para muitos dos nossos melhores gestores desta geração. E não só, alguns deles optaram pela carreira académica e foram fazer o doutoramento para a Wharton e outras universidades de topo americanas. E destes, alguns regressaram para ingressar no corpo docente da Nova, no departamento de gestão.

O primeiro MBA funcionou no ano letivo de 1980/81 e 1981/82, com Estatística, Introdução à Gestão, Gestão de Pessoal e Informática da Gestão (Ronald M. Lee – IIASA, Viena, Áustria), Microeconomia, Marketing (Benjamin J. Katz – Wharton), Finanças e Complementos de Finanças (James E. Walter – Wharton[6]), Política da Empresa e Complementos de Marketing (John O’Saughnessy – Columbia University).[7]

Evidentemente que este artigo só tem por finalidade deixar para a história do ensino superior em Portugal um apontamento sobre o lançamento da Faculdade de Economia, no que seria depois a Nova SBE. Mas muito mais foi depois acrescentado pelas Direções, Professores e Alunos, para fazer a extraordinária escola que é hoje. Destacamos a criação da Fundação Alfredo de Sousa que permitiu o alargamento do financiamento da escola. A expansão dos Mestrados de gestão que atraíram milhares de estudantes estrangeiros e o recurso ao mecenato que permitiu a construção do campus de Carcavelos.

Temos aqui dois modelos que podem servir de inspiração para o lançamento de novos departamentos em universidades ou a refundação de departamentos existentes. No modelo do Departamento de Economia da Faculdade, constituiu-se primeiro uma massa crítica de doutorados nas melhores universidades internacionais, e depois lançou-se um projeto de escola baseado nos melhores programas e práticas internacionais da especialidade.[8] Os graus concedidos abrangem todo o espectro, embora tenha havido uma fase inicial em que se dava preferência a que os mestrandos continuassem os seus doutoramentos em Universidades estrangeiras, para evitar o sistema incestuoso (inbreeding) que predomina em muitas das nossas universidades e leva ao seu anquilosamento.

No modelo do Departamento de Gestão formou-se desde o início uma parceria com uma (ou mais) departamentos de excelência de Universidades de topo internacionais para lançar um programa de charneira de mestrados, a partir do qual alguns alunos prosseguem doutoramentos nessas Universidades ou outras estrangeiras, e permitem assim formar ao longo do tempo o corpo docente necessário para o ensino e investigação.

Em todos os casos é fundamental uma visão aberta à sociedade e de internacionalização que está no DNA destas escolas.

[1] Houve algumas alterações ao longo dos primeiros curricula.

[2] Agradeço em particular ao Luís Mira Amaral, que foi aluno, a confirmação desta informação.

[3] Aliás, foi por vontade expressa neste sentido que Sottomayor Cardia deu todo o apoio a estas iniciativas, apesar de ser dum governo socialista.

[4] A outra era a estabilização da economia portuguesa, tendo trabalhado com o grupo do MIT no Banco de Portugal, mas este é um assunto para outra altura.

[5] É pena que este professor nunca tenha recebido uma condecoração do nosso País, assim como Eckaus recebeu por causa dos programas de colaboração com o Banco de Portugal no tempo de Silva Lopes.

[6] Esta cadeira foi dada mais tarde por Marshall Blume, co-autor de Irwin Friend em vários trablhos.

[7] Agradeço ao Francisco Froes, que foi aluno, esta informação.

[8] Esta política de incentivo aos doutoramentos foi apoiada no Governo de Marcelo Caetano pelo adiamento do início do serviço militar com base na sua preparação, que no meu caso teve como patrono Jacinto Nunes, a quem rendo homenagem. E, pelo programa de bolsas do Instituto de Alta Cultura e pela Fundação Fulbrigth dos EUA, de quem tive bolsas de estudo.