Esta manhã, enquanto preparava o pequeno-almoço, recebi uma mensagem alarmante:

“Cabrões dos nazis! Allez les bleues [sic]!”

Como demoro sempre a entrar no ritmo, continuei a fazer o café, as torradas e o sumo de bagas colhidas minutos atrás nos arbustos defronte da minha casa. O remetente da mensagem, pessoa que nunca me dera motivos para desconfiar da sua sanidade mental, insistiu:

“Que nojo de país! Detesto a história dos gajos! Vão ser goleados.”

Neste momento, fiquei um pouco perturbado, mas aprecio tanto o ritual do meu café pela manhã que nenhum lunático, mesmo que recentemente assumido, é capaz de mo estragar. A meio da manhã, terceira mensagem:

“Vais torcer por quem? Pelos nazis?”

Ontem, ao final da noite, quando me fui deitar depois de ver o jogo e escrever a crónica, tinha deixado o mundo entretido com um Mundial. De manhã, estávamos de volta à Segunda Guerra Mundial, com hordas de internautas a apontar o dedo à Croácia e aos jogadores croatas, como se nas últimas quatro semanas Modric, Rebic, Mandzukic e os outros tivessem aproveitado os intervalos entre jogos e treinos para conduzir Judeus para as câmaras de gás, como se festejassem os golos brandindo exemplares d’A Minha Luta, como se tivessem suásticas tatuadas no meio da testa.

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Num país com os índices de leitura mais baixos da Europa, num país de invencíveis analfabetos, alguns deles doutorados, de repente, mil e um especialistas em história da Europa Central brotaram do chão. Ontem, a Croácia adormeceu eufórica. Hoje, pelo menos aqui para os nossos lados, acordou anatemizada, considerada indigna de pertencer ao concerto das nações por causa do que aconteceu durante a Segunda Guerra (coisas terríveis, fascistamente terríveis, até a resistência croata aos nazis tinha qualquer coisa de nazi). Da Croácia disse-se hoje o que o Irão não disse dos Estados Unidos – o Grande Satã – quando as selecções dos dois países se enfrentaram no Mundial de França.

Ah, os franceses! Claro. Parece que temos o dever multicultural de torcer pela França porque a diversidade da seleção vai inspirar todos os cidadãos e os filhos dos imigrantes sentir-se-ão de imediato membros de pleno direito da República. Não haverá mais atentados, nem motins, nem caixotes do lixo incendidados. Não foi esse, afinal, o efeito da vitória de 1998? Se for a Croácia a ganhar, adivinham-se tempos negros para a Europa.

O fascismo alastrará por todo o continente já não de botas cardadas, mas de chuteiras. Já não de uniforme cinzento, mas envergando as enganadoramente simpáticas camisolas axadrezadas. Felizmente para o mundo, um conjunto de heróicos resistentes, comandados por um punhado de irredutíveis portugueses, impedirá a consumação da tragédia e rechaçará com galhardia e pundonor a ofensiva croata, obrigando-os a regressar à sua condição clandestina de nazis nos clubes europeus em que se movimentam, condição essa mui oportunamente denunciada graças à perspicácia e à intuição lusas de alguns dos nossos mais brilhantes compatriotas, que, como os áugures liam o futuro no voo das aves, conseguiram decifrar o código insidiosamente inscrito nos passes fascistas de Modric, nas defesas totalitárias de Subasic, na pérfida disposição da equipa num 4-2-3-1 riefenstahliano.

Por mim, está decidido. Vou torcer pela França. E também pela Croácia. E que fique registado que, ganhe quem ganhar, ofereço-me desde já para colaborar activamente com as autoridades do país vencedor no dia a seguir à final. Como disse um imperador bem conhecido dos gauleses: “Veni! Vidi! Vichy!”