Este título é deliberado. Significa que as empresas estatais são, simultaneamente, a base do corporativismo extremo de boa parte dos assalariados portugueses, na senda do antigo regime corporativo, e o maior cancro da economia portuguesa. Além destas corporações entrincheiradas em privilégios multiplicados durante o 25 de Abril (não é à toa que o ministério dos transportes foi o último a ser abandonado pelo PCP em 1976), pouco mais resta para controlar a despesa pública do que a corporação dos funcionários públicos (com a sua CGA; a Segurança Social é outra questão), conforme a actual coligação tem tentado.

Vem isto a propósito da greve contra a privatização TAP anunciada pelos respectivos sindicatos. Outro episódio deste corporativismo é o da RTP. Já lá vamos. O custo das empresas estatais eleva-se a dezenas de milhares de milhões de euros de dívidas imparáveis. É preciso recordar ao novo líder do PS, quando invoca o memorando assinado pelo governo Sócrates com a “troika”, que se tratava de um mínimo de obrigações que está muito longe de ter sido atingido. A questão da desestatização da economia e das corporações que vivem do orçamento de Estado é uma das mais importantes delas. Faz parte da tal “reforma do Estado” que toda a gente sabe que tem de ser feita mas ninguém tem coragem de fazer!

A memória é curta mas eu ainda me lembro da forma expedita como a Intersindical comunista – com a cumplicidade aliás do embrião da futura UGT – acabou com a greve que os empregados da TAP pretendiam fazer durante os dias a seguir ao 25 de Abril a fim de melhorar as suas condições de trabalho. Na altura, porém, o PCP estava muito menos preocupado com a melhoria dos trabalhadores do que com o futuro do “processo revolucionário em curso” e, acima de tudo, com o destino das colónias portuguesas, após a sua independência, entre a influência soviética e a norte-americana. Retrospectivamente, é fácil de adivinhar o que queria – e conseguiu – o PCP.

Agora é diferente e não é. Por um lado, é certo que a primeira motivação dos actuais sindicatos é preservar os privilégios corporativos do pessoal, evitando a todo o custo a privatização das empresas estatais, praticamente todas falidas. Basta ver que há muitos anos só há greves de alguma importância nas ditas empresas estatais. Esta é a tarefa da CGTP. Por outro lado, o PCP, que nunca está longe daquele género de movimentações sindicais, tem interesses mais vastos: arruinar as empresas, aumentar a dívida pública, sair do euro e, como remate, apresentar a sua alternativa à nossa cambaleante democracia eleitoral… É uma hipótese que muitos descartam mas da qual o PCP não desiste e muitos “soberanistas” de esquerda e até de direita também não. Razão tinha então Mário Soares quando nos levou para a Comunidade Europeia a fim de resgatar a democracia.

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O caso da TAP é paradigmático. Estou à vontade, pois há muitos anos, quando se pensou pela primeira vez na privatização da transportadora aérea, tempos depois da revisão constitucional de 1982, escrevi contra essa ideia em nome da preservação do “hub” de Lisboa. Coisa rara, recebi uma carta de apreciação dos trabalhadores… E tinham razão em agradecer, pois já na altura era evidente que a TAP constituía um poço de despesas e de privilégios de todos os géneros. Seja como for, essa questão do “hub” está hoje tão assegurada quanto possível.

Mais decisivo do que isso é o facto de os transportes aéreos sofrerem uma crise contínua de custos que já levou à privatização da maioria das grandes companhias de bandeira europeias e à proliferação de companhias apropriadamente chamadas de low cost. Sem elas, a maior parte dos viajantes ficaria em terra, nomeadamente os turistas que têm constituído um dos nossos principais mercados externos depois da virtual bancarrota do regime estatista legado por Sócrates e os seus apoiantes! A greve prometida para a quadra natalícia, na sequência de outras em nome da gestão da companhia, é pois uma greve corporativa 100% política que só pode levar a uma de duas saídas: a falência ou a desestatização. E algo equivalente se pode dizer das empresas de transportes terrestres.

Por sua vez, a recente rebelião da RTP contra o patrão-estado demonstra que o governo tinha toda a razão em reduzir drasticamente o serviço público de televisão, conforme anunciou, mas infelizmente foi incapaz de o cumprir, assim como tantas outras medidas deixadas pelo caminho. Como antigo membro da comissão então nomeada para definir esse serviço público, só posso confirmar as cedências de todo o género do antigo ministro Relvas, o qual apenas pretendia assegurar a continuação do controlo originário da RTP que vem desde Salazar. É lamentável, mas só a privatização da RTP acabará com os prejuízos pagos por contribuintes, cuja maioria já nem vê a televisão estatal, e porá termo à influência que os governos nunca lá deixarão de ter. Razão tinha o governo grego quando fechou a televisão estatal, poupando dinheiro e pondo fim a mais uma fonte de contestação mediática.