Entre a desordem crescente que reina no mundo e as «fake news» que não nos deixam saber ao certo o que se passa, neste momento a “opinião pública” nacional está ameaçada, pelo menos, por três teorias da conspiração ao mesmo tempo: a “greve estival” que nos afecta à pequena escala quotidiana; a de uma «extrema-direita» anónima que ameaçaria o «governo da caranguejola»; até àquela conspiração universal de todos a favor da China comunista e contra os jovens combatentes da liberdade em Hong-Kong.

Esta última é, possivelmente, a mais plausível dessas «teorias», como se deduz dos graves inconvenientes que o Financial Times antevê naquela «típica insurreição juvenil» que se apresta a ser esmagada pela China, segundo o FT, «bastião da globalização» contra o «isolacionismo» de Donald Trump! Deixemos por ora o que se está a passar em Hong Kong, pois haverá inevitavelmente motivos para voltar ao assunto e à profunda incerteza que reina nas relações internacionais a prazo previsível. Acerca da teoria da conspiração imaginária contra o governo português a fim de derrubar o «único governo de esquerda da UE», apenas vale a pena anotar que, segundo o autor da tese, já haveria um «agente em campo», o bizarro líder do Sindicato dos Camionistas de Matérias Perigosas…

Falemos então da greve do combustível, que não só afecta a nossa vida quotidiana como tem a consequência, nesta época do ano, de servir para a catadupa noticiosa da comunicação social esconder, momentaneamente, o facto de a nossa vida ser gravemente afectada há anos pela crise do SNS e pela do sistema público de ensino, para não falar de outros sectores públicos, como os transportes e os incêndios florestais. Pode parecer conspiratório mas não se pode negar que a única coisa que não sabemos ao certo acerca da greve dos camionistas é se o governo a combate a sério, servindo-se para isso da implantação do PS na organização do patronato, ou se finge combatê-la, deixando a greve arrastar-se de tal maneira que a população fique farta e vote
a favor do actual governo nas eleições de Outubro…

Se há conspiração ou não e, se há, quem é o maior conspirador, eis o que há toda a probabilidade de nunca virmos a sabê-lo. Correndo o risco de parecer agir como o defensor dos interesses do patronato, depois de muita hesitação e de muito palavreado, o governo assumiu politicamente a defesa dos consumidores e dos veraneantes, assim como do pretenso bom funcionamento dos serviços públicos, com vista a ser recompensado daqui a pouco menos de dois meses com uma vitória eleitoral que poria o PS à vontade para fazer o que lhe desse na gana! Com ou sem conspiração, é certo que haverá quem apreciará a actuação do governo e recompensará por isso o partido, sobretudo aqueles que já tinham uma vaga intenção de votar PS ou abster-se, como irá acontecer em grande escala.

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O interessante, todavia, nestas teorias conspiratórias que todos fazemos, cada um à sua escala, é que alguns eleitores daqueles que não gostaram de ver o governo e os próprios partidos da «caranguejola» virar-se contra os trabalhadores e apoiar os patrões, não hesitando em limitar o direito de greve, pensarão que o governo e os seus acólitos se portaram mal, decidindo fugir para outras siglas partidárias ou para a abstenção com uma só ideia na cabeça: «Eles são todos iguais»…

Mais provavelmente ainda, muitos eleitores dos que já não tencionavam votar nos partidos da actual «maioria», pensando porventura abster-se, interpretarão o apoio do governo ao patronato como mais um «truque» para nos enganar e optarão por votar contra o governo, dificultando a vitória do PS e impedindo, porventura, a maioria absoluta dos deputados que o partido ambiciona a fim de não ter de partilhar o poder com os «caranguejos». Ou seja, a mesma táctica do PS, seja ela qual for, produzirá três respostas diferentes da parte do eleitorado que poderão eventualmente anular-se entre elas…

As teorias da conspiração são inevitáveis neste género de situações, sobretudo numa época do ano em que os «media» não têm nada para dizer e repetem hora a hora os mesmos dados incertos, que alimentarão as especulações assim como influenciarão as decisões de voto ou de abstenção até às eleições. É conhecido dos especialistas de sondagens eleitorais que uma percentagem muito significativa dos eleitores só decide por quem votar ou abster-se nas últimas semanas das campanhas e nem sempre diz a «verdade» aos inquiridores… Sei por observação que, se houvesse sondagens em 1987, não é certo que Cavaco Silva tivesse tido a maioria absoluta; inversamente, há um estudo pós-eleitoral de 2002 segundo o qual, se os eleitores tivessem dito a «verdade», o vencedor seria outro!